A concepção católica do trabalho coloca-o num patamar que ultrapassa, em muito, uma concepção economicista do mesmo, inserindo-o na “condição originária” do ser humano, meio para a sua realização enquanto tal. Desde a “Rerum Novarum” (Leão XIII, 1891), a Igreja jamais deixou de considerar os problemas do trabalho no contexto de uma questão social que foi progressivamente assumindo dimensões mundiais. A encíclica “Laborem Exercens” (João Paulo II, 1981) enriquece a visão perso-nalista do trabalho característica dos documentos sociais precedentes, indicando a necessidade de um aprofundamento dos significados e das tarefas que o trabalho comporta, tendo presente o facto de que “surgem sempre, na verdade, novas interrogações e novos problemas, nascem novas esperanças, como também motivos de temor e ameaças, ligados a esta dimensão fundamental da existência humana”. No Compêndio da Doutrina Social da Igreja pode ler-se que “o trabalho deve ser honrado porque fonte de riqueza ou pelo menos de condições de vida decorosas e, em geral, é instrumento eficaz contra a pobreza”. Uma indicação que a actual crise internacional tem vindo a fazer esquecer, colocando a sílaba tónica apenas na existência ou não dos postos de trabalho e abrindo a porta a chantagens sobre os trabalhadores por parte de quem lhes pode fechar a porta, sem aviso, e lançá-los para o drama cada vez mais doloroso do desemprego. É neste tempo de incertezas e de mudanças que a Agência ECCLESIA apresenta um dossier sobre a matéria, procurando um olhar de optimismo, de fé, na convicção de que mesmo em plena crise é possível sonhar com mais e melhor trabalho. Temas como o emprego, a protecção social, os salários, o diálogo social, os direitos laborais fundamentais, a qualidade de vida no trabalho e a flexisegurança fazem parte do dia-a-dia desta crise, em que os trabalhados aparecem muitas vezes, quase sempre, como o elo mais fraco. Num discurso dirigentes da Confederação Italiana Sindical dos Trabalhadores, Bento XVI defendia que “para superar a crise económica e social que estamos a viver, sabemos que é necessário um esforço livre e responsável da parte de todos, ou seja, é necessário ultrapassar os interesses particularistas e sectorais, de maneira a enfrentar em conjunto e unidos as dificuldades que investem todos os âmbitos da sociedade, de modo especial o mundo do trabalho”. “Nunca se sentiu tal urgência como hoje: as dificuldades que angustiam o mundo do trabalho impelem a uma concertação efectiva e mais estreita entre os múltiplos e diversos componentes da sociedade”, indicou. O equilíbrio entre a iniciativa das pessoas e dos grupos e a acção do Estado é um dos principais desafios que se apresentam nesta situação. Na sua encíclica “Centesimus Annus”, João Paulo II frisava que “o trabalho é um bem de todos, que deve estar disponível para todos aqueles que são capazes de trabalhar”. O “pleno emprego”, que hoje aparece como uma miragem em pleno deserto de crise(s) é, segundo a Igreja Católica, um “objectivo obrigatório para todo o orde-namento económico orientado para a justiça e para o bem comum”. Neste olhar sobre a realidade laboral, cabe ainda uma palavra para os mais fracos. Teme-se que a crise relance a discussão sobre a efectiva “bondade” do trabalho infantil, sabendo-se que há quem defenda que as crianças têm o direito de trabalhar se o quiserem fazer. Os falhanços da nossa sociedade não devem chegar ao ponto de sacrificar a infância, que tem o direito à educação e não o “direito” ao trabalho. Ora et Labora O lema “reza e trabalha” que se espalhou pela Europa através dos seguidores de São Bento marcou a história do Velho Continente, tanto no domínio da economia, como da cultura e da espiritualidade. O trabalho está no ADN europeu, numa perspectiva de disciplina, optimismo, de relação positiva entre o indivíduo e a sociedade. Faz parte também da identidade do cristianismo, ao longo de toda a sua história. Ela é revisitada por D. Manuel Clemente na rubrica “O Passado do Presente” que em cada quinta-feira é emitida no Programa Ecclesia (RTP2, às 18h30). O Bispo do Porto, e investigador da História da Igreja, explica como o trabalho faz parte do dinamismo de Deus e da pessoa humana, através do contributo de diferentes autores cristãos, desde os bíblicos àqueles que sintetizaram, na Doutrina Social da Igreja, o pensamento cristão acerca do trabalho. Ele é encarado não como indicador de produtividade, antes como expressão da pessoa humana, contribuindo decisivamente para a construção da sua dignidade.