Trabalho e Relação Salarial

Liliana Marques Pimentel, diocese de Coimbra

Num mercado de trabalho em constante mudança, as reconfigurações das relações laborais impõem novos desafios para uma sociedade que se pretende justa e igualitária. De acordo com recentes estudos sobre a forma como têm evoluído as condições de trabalho e as dinâmicas de relação salarial em Portugal, constatamos que passado quase cinco décadas depois da Revolução do 25 de Abril em 1974, momento que marcou o início da democracia em Portugal, muito mudou, quer no mercado de trabalho, atualmente com muito mais mulheres; como na economia em geral, com um PIB per capita no dobro; ou nos rendimentos dos portugueses, com um salário mais elevado, mas uma menor taxa de poupança.

Apesar do salário mais elevado, as estatísticas mostram, por outro lado, que a taxa de poupança diminuiu. Era de 26,2% em 1975, tendo recuado para 6% em 2022, segundo os dados mais recentes agregados pela Pordata. E qual a razão para esta situação?

Entre outras razões, a verdade é que hoje existe um novo paradigma para a relação entre o capital humano e o trabalho, nomeadamente o conceito de salário digno. Cada vez mais se debate a necessidade de reequacionar a relação entre o capital e o trabalho, através da instituição do conceito de salário digno, em oposição ao salário mínimo. Este conceito de salário digno refere-se a “assegurar um rendimento que permita a todos fazer face às suas necessidades básicas, custear a educação dos filhos e, acima de tudo, investir no seu desenvolvimento pessoal”, segundo o Papa Francisco.

O Papa João Paulo II publicou, em 1981, um dos mais importantes textos do ensinamento social da Igreja Católica, a carta encíclica sobre o trabalho humano, denominada Laborem Exercens. Apesar das mudanças sofridas, desde então, no campo da economia, sob forte impacto da globalização, o documento apresenta princípios fundamentais ou critérios éticos norteadores de validade permanente, dentre os quais, destacam-se a dignidade do trabalhador e a primazia do trabalho sobre o capital. A dignidade de cada trabalhador ou trabalhadora deve ser reconhecida e assegurada, de modo especial, por meio da legislação do Direito do Trabalho, mas vivida também nos ambientes de trabalho e nos relacionamentos do dia a dia. É lamentável a persistência da desigualdade absurda entre a remuneração das diferentes profissões, o abismo que separa os que mais ganham dos que menos ganham, além de outras formas de desigualdade nas relações de trabalho.

Para aproveitar ao máximo o contexto económico favorável que Portugal enfrenta na atualidade devemos empreender uma série de mudanças importantes, como sociedade e como país. O importante não é o salário mínimo, mas sim o salário digno. Todos e cada um de nós, trabalhadores e empresários, devemos lutar pelo estabelecimento efetivo de um salário digno. A definição de um salário digno através de esquemas que considerem os níveis de produtividade pode – e deve – cumprir um papel fundamental nesta equação, mas também a redução da carga fiscal. Só assim será possível garantir uma distribuição mais justa do rendimento, condições dignas de trabalho para os portugueses e uma relação mais harmoniosa entre as entidades patronais, trabalhadores e o próprio Estado.

Liliana Marques Pimentel, (Comissão Diocesana Justiça e Paz)

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Agência ECCLESIA

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