Todos? Todos, todos, todos!

Padre Manuel Gonçalves, Diocese de Lamego

Ignorância, má-fé ou instrumentalização das palavras do santo Padre em Lisboa? Ou tudo junto.

Uma das expressões mais marcantes do Papa Francisco na JMJ 2023 foi, precisamente, “todos, todos, todos”. Continua a dar oportunidade para diversas reflexões, debates, discussões. Umas vezes limitando e circunscrevendo a expressão para fora do seu contexto, como instrumentalização, usando-a ora contra o Papa ora contra o Evangelho, como se, em algum momento, o Papa se desviasse, um milímetro que fosse, da mensagem do Evangelho, ou melhor, da vida e missão de Jesus Cristo, Deus connosco, que vem para a todos salvar, o universal no particular, a eternidade no tempo, a divindade na história, a omnipotência na fragilidade, a grandeza na humildade, o infinito na finitude, o céu na terra, Deus que Se faz homem para salvar todo o homem e o homem todo. A palavra “católico” significa isso mesmo, universal, para todos na sua inteireza!

Relendo as intervenções do santo padre na JMJ, poderemos encontrar muitas expressões que poderiam preencher páginas de jornais e revistas. A abordagem é viva e o Papa procura que Jesus ilumine a vida atual e as opções da Igreja e dos cristãos nesta aldeia global onde se globaliza a indiferença, e também a violência, faltando cumprir a fraternidade, a construção de um mundo justo, solidário, fraterno. Quando esquecemos os irmãos, sobretudo os mais desvalidos, traímos a nossa identidade batismal e o nosso compromisso cristão! Quando esquecemos Deus, mesmo comprometidos solidariamente com os mais frágeis, corremos o risco de nos auto-endeusarmos, colocando-nos como referência, como únicos capazes de transformar o mundo! Com Deus, descentrar-nos-emos de nós, para nos centrarmos em quem necessita de ajuda e de ser tratado como irmão, filho amado de Deus.

Depois da expressão “todos, todos, todos” parece que o Papa não disse mais nada! Alguns tiveram necessidade e urgência de conter e limitar a afirmação como se colocasse causa a própria Igreja ou contrariasse o Evangelho; outros, tiveram a pressa em fazer da Igreja um shopping onde há lugar para tudo, indiferenciadamente, acessível ao poder de compra de cada um.

A nova evangelização passa por aqui, por uma linguagem fácil de entender, interpeladora, mas preenchida de Jesus Cristo. Isso tem sido uma preocupação constante do Papa. O protagonista da missão é o Espírito Santo, mas, como antes, atua através de nós e, quando anunciamos o Evangelho adequamos a linguagem às pessoas que temos pela frente.

A igreja não abdica da sua origem, nem sua identidade nem da sua missão. É uma missão lunar, não se anuncia a si, mas a Cristo, tal como a Lua reflete a luz do Sol. Bento XVI, umas horas antes de ser eleito Papa, alertava para o relativismo, pois nem tudo se equivale. Tudo se há de encaminhar para Cristo e de Cristo tudo há de partir. O Papa Francisco usa um termo curioso: “água de rosas”! Água colorida mas sem substância, sem conteúdo, assim-assim, nem quente nem frio, tanto faz uma coisa como outra, ora isso não é ser cristão, não é fidelidade a Cristo. A fé exige fidelidade, firmeza, testemunho, persistência.

Como ficou claro no Vaticano II, a Igreja é sacramento de salvação, está ao serviço da Palavra de Deus, a sua missão é levar Jesus Cristo a todos os recantos, a todos os homens. É a missão específica e obrigatória dos cristãos: “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda a criatura” (Mc 16, 15).

O filho do Homem não veio para os justos mas para os pecadores. Todos chamados e enviados. Todos têm lugar, a mulher adúltera, a samaritana, Zaqueu, Mateus, Pedro e Judas, a cananeia, o centurião, Natanael e Nicodemos. Todos têm lugar, a nós cabe-nos viver e criar as condições, como os pais em relação aos filhos, para que todos se sintam em casa. Não se exclui ninguém, mas também não se obriga ninguém. A cada um cabe acolher Cristo e os ideais do Evangelho em comunhão com aquele a quem Cristo confiou as chaves da Igreja, do Céu e da terra.

Diz o Catecismo da Igreja Católica, logo no início: “Pelos profetas, Deus forma o seu povo na esperança da salvação, na expetativa duma aliança nova e eterna, destinada a todos os homens” (64). A Bíblia, logo de início, traz-nos compromisso de Deus, por intermédio de Abraão: “Em ti serão abençoadas todas as nações da terra” (Gen 12,3).

 

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Agência ECCLESIA

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