Nota da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Braga sobre as eleições de 10 de março
“Todos, todos, todos.” A necessária concretização política do apelo lançado pelo Papa Francisco em Portugal no Verão do ano passado implica, desde logo, um permanente empenho na procura de uma concórdia no debate de opções para o futuro e um vivo combate às exclusões sociais, designadamente as que nascem das injustiças.
A política impõe um debate saudável sobre “projetos a longo prazo para o desenvolvimento de todos e o bem comum”, afirmou o Santo Padre na Encíclica Fratelli Tutti, sobre a fraternidade e a amizade social. É isso que, de facto, importa, em vez de, como o Papa Francisco também refere, “semear o desânimo e despertar uma desconfiança constante, mesmo disfarçada por detrás da defesa de alguns valores”.
Deplorando “o mecanismo político de exasperar, exacerbar e polarizar” e as “receitas efémeras de marketing cujo recurso mais eficaz está na destruição do outro”, o Papa indica que “precisamos duma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral, abrangendo num diálogo interdisciplinar os vários aspetos da crise”. Essa é a “política salutar”, capaz de reformar as instituições, de as coordenar e de as dotar dos procedimentos adequados a “superar pressões e inércias viciosas”.
“O mau uso do poder, a corrupção, a falta de respeito das leis e a ineficiência” é algo que se impõe evitar, afirma o Papa, pedindo à política uma grandeza que se manifesta “quando, em momentos difíceis, se trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo”.
Neste período eleitoral, torna-se necessário, secundando o Papa, evitar firmemente a obstrução das possibilidades do diálogo, aberto e respeitoso, em que se procure alcançar uma síntese que vá mais além das polarizações.
A política não pode ser compreendida nem tratada como uma sala de audiências judicial ou uma sala virtual televisionada. A vida política deve decorrer com responsabilidade, com um combate aberto de ideias, com diálogo franco e transparente. Tal é ainda mais pertinente no período de campanha eleitoral. Apenas assim os cidadãos eleitores podem avaliar devidamente as políticas e soluções de governo que lhe são apresentadas.
A responsabilidade da justiça tem de ficar confinada à investigação de quem comete ilegalidades, não interferindo no normal e regular funcionamento democrático. Os comentadores televisivos ou opinion makers devem sempre apresentar a sua declaração de interesses, devendo ser contemplada a diversidade e a pluralidade de opiniões face às propostas políticas em apreço.
A campanha eleitoral não deve omitir que o país tem um problema efectivo com o sistema eleitoral, verificando-se, cada vez mais, um distanciamento e descontentamento dos eleitores em relação aos eleitos. Ora, é crucial para a saúde da democracia que os portugueses reconheçam que os seus interesses são defendidos pelos seus representantes, sendo os eleitos capazes de escutar ativamente os eleitores e os seus problemas.
Impõe-se, por isso, que se comece a configurar uma reforma do sistema político. A Política – assim, com letra grande – reclama a urgência de corresponder ao desafio de merecer a confiança dos cidadãos, precisamente através da ação política. De outra forma, vamos continuar a assistir à capitalização deste descontentamento ou afastamento por “populistas” ou por outras manifestações de rejeição da política.
Devemos, pois, reclamar políticas feitas de ideias, de propostas concretas, honestas e claras e de projetos formulados com transparência e sustentabilidade, traduzidas numa estratégia para o desenvolvimento do país e das suas regiões.