Toda a vida pede amor

Homilia de D. António Marto na Vigília do dia 12 de Janeiro Toda a vida pede amor A parábola do Bom Samaritano que acabamos de escutar é uma página de extraordinária beleza e de altíssima espiritualidade, que “lança um feixe de luz sobre o mistério de Cristo”(J.P.II) e o mistério do homem e da sua vida. O homem à beira do caminho: ícone das feridas do mundo moderno Antes de mais, na história do homem que desce de Jerusalém para Jericó, assaltado, ferido e abandonado entre a vida e a morte, podemos ler a história da humanidade sofredora: do homem com todas as feridas do corpo e do espírito que desfiguram a sua humanidade; do homem violado nos seus direitos mais elementares; de todo o homem e mulher atingidos pela violência, pelos atentados à vida, pela marginalização, pelo abandono, pela indiferença, pela solidão. O homem ferido à beira do caminho é um ícone onde podemos contemplar as feridas do mundo moderno, da humanidade contemporânea. O Bom Samaritano, ícone da Misericórdia revelada em Jesus Com este pano de fundo podemos compreender melhor a parábola do Bom Samaritano como um momento da revelação de Jesus e da sua missão. A parábola leva-nos a contemplar o mistério do Amor misericordioso de Deus que resplandeceu em Jesus Cristo e nos visitou na nossa terra. No Seu caminhar entre os homens, em direcção a Jerusalém, cidade da paixão e da ressurreição, o Filho de Deus apresenta-se como o Bom Samaritano, aquele que se encheu de compaixão e se fez próximo do homem ferido. Antes ainda de descrever os gestos concretos do samaritano, a parábola fala da “compaixão”, isto é, da misericórdia, da ternura divina que encheu o seu coração, a imensa ternura que Deus experimenta por cada homem. Trata-se de uma experiência intensa que lhe faz ver o homem numa luz nova e verdadeira, que lhe faz descobrir o mistério da dignidade divina no homem ferido e abandonado: descobre-o como irmão e faz-se próximo dele. Uma verdadeira paixão que se acendeu no seu coração e o levou a entregar-se ao projecto de amor que Deus tem sobre os homens. Por isso, inclinou-se sobre o homem ferido e não o abandonou ao seu destino. Dedicou-lhe o seu tempo, a sua atenção, os seus cuidados, o seu dinheiro, a sua solidariedade. Cuidou dele, curou as suas feridas, restabeleceu-o na sua vida e na sua dignidade. “Vai e faz o mesmo”: toda a vida pede amor O caminho do mestre, o Bom Samaritano, é também o caminho dos discípulos, de um povo, da Igreja e da sua missão: “vai e faz o mesmo tu também”. É um convite e um mandato a tornar-se próximo no amor, no cuidado e no serviço a todo o ser humano em cada idade e situação da sua vida: no início da vida nascente, na infância, na adolescência, na juventude, na adultez e na velhice; na família, na doença, na pobreza, na solidão, no abandono, nas dificuldades de ordem material e espiritual… “Vai e faz o mesmo”, porque “a glória de Deus é o homem vivo” (santo Ireneu). E toda a vida pede amor! Pede amor a vida do homem caído, Aquele a quem Tu, ó Cristo, restituis a dignidade esquecida, ofendida ou negada; Pede amor a vida escondida das crianças no seio materno, E aquela vida cheia de alegria, de risos e simplicidade De todas as crianças, daqueles pequenitos que Tu acolhes com ternura, Ó Cristo; Pedem amor as mulheres grávidas em situação dramática de sofrimentos, ansiedades e angústias; Pedem amor os jovens, porventura errantes e desorientados, com as suas esperanças, os seus sonhos e as suas inquietações, neste tempo em que é difícil orientar-se e dar um projecto belo à sua vida; Pedem amor as famílias, que constroem a sua vida com dificuldades, e que perante o espectro do desemprego clamam por solidariedade e justiça social; Pedem amor os idosos, os doentes, os portadores de deficiência e os sós, aqueles que vivem uma solidão esquecida por aqueles que os rodeiam; Pede amor a pobreza envergonhada do nosso tempo… Toda a vida pede amor… Pede amor a nossa vida, A vida de cada um de nós, Para partirmos, como bons samaritanos da vida, ao encontro do nosso irmão. “Vai e faz o mesmo tu também”: Cada pessoa, cada grupo, cada comunidade deve perguntar-se o que fez e o que pode fazer para pôr em marcha alguma iniciativa profética como consoladora mensagem de esperança em favor da vida humana. Oração pela Vida “Ó Maria, Aurora do mundo novo, Mãe dos viventes, Confiamo-Vos a causa da vida. Olhai, ó Mãe, para o número sem fim De crianças a quem é impedido nascer; De pobres para quem se torna difícil viver; De homens e mulheres vítimas de inumana violência; De idosos e doentes assassinados pela indiferença Ou por uma suposta compaixão. Fazei com que todos aqueles que crêem no Vosso Filho, Saibam anunciar, com desassombro e amor, O Evangelho da Vida aos homens do nosso tempo. Alcançai-lhes a graça de o acolher como um dom sempre novo; A alegria de o celebrar, com gratidão, Em toda a sua existência; E a coragem para o testemunhar com laboriosa tenacidade, Para construírem, com todos os homens de boa vontade, A civilização da Verdade e do Amor, Para louvor e glória de Deus Criador”. Ámen! (Papa João Paulo II, Evangelium Vitae) +António Marto, Bispo de Leiria-Fátima Santuário de Fátima, 12 de Janeiro de 2006

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