Prioridades para a presidência portuguesa da União Europeia também passam pelo futuro do continente africano As relações com África serão uma prioridade da Presidência portuguesa da União Europeia. Portugal tem laços antigos e fortes com vários países africanos a Sul do Sara. Essa circunstância histórica dá credibilidade ao nosso país quando na Europa comunitária se debatem temas relacionados com África. A UE tira vantagem do capital de conhecimento e capacidade de relação que Portugal possui quanto aos países africanos. E estes lucram com terem em Bruxelas uma voz que pode chamar a atenção para os seus problemas. É por isso que nunca fez sentido o pretenso dilema: devem os portugueses apostar na Europa ou em África? A verdade é que Portugal tem mais peso político na UE por causa do seu relacionamento histórico com os africanos. E tem mais influência nos países de África, em particular nas nossas ex-colónias, na medida em que para lá pode canalizar ajudas comunitárias e não apenas bilaterais. O continente africano foi colonizado sobretudo por três países europeus: Portugal, França e Grã-Bretanha. Os impérios britânico e francês apenas terminaram após o fim da segunda guerra mundial. O português, muito mais tarde. O que dá à Europa uma particular responsabilidade. No entanto, a África é hoje marginal nas preocupações europeias. Apenas a pressão migratória, proveniente sobretudo do Norte de África, leva os europeus a, por vezes, repararem que têm um interesse directo (egoísta, se quisermos) em promoverem o desenvolvimento africano. Como condição para a Europa não ser inundada de imigrantes que mal conseguirá absorver. O facto é que África é hoje um continente que conta pouco na cena internacional. Sobretudo, ficou à margem da globalização. Enquanto a entrada da China, da Índia e de outros países asiáticos no mercado mundial arrancou centenas de milhões de pessoas à miséria, o isolamento da África levou a que, no último quarto de século, o número de pobres tenha duplicado neste continente. É, por isso, urgente fazer com que a África entre na economia mundial, cada vez mais globalizada. O que implica abrir os mercados da UE às exportações africanas. Alguma coisa já se progrediu nesse caminho, mas o proteccionismo da política agrícola europeia continua a travar muitas importações que poderiam vir de África. E importa atacar alguns problemas urgentes. A doença, desde logo. Bastariam 1,5 milhões de euros (o que os EUA gastam em armas durante quatro dias…) ao longo de cinco anos para erradicar a malária daquele continente – basicamente graças à generalização do uso de mosquiteiros. E a sida está a reduzir a população de vários países em África. É uma tragédia humana e um desastre económico. Ora a ajuda dos países ricos aos africanos, nomeadamente por parte da UE, tem ficado aquém das promessas. Por exemplo, das que foram feitas na reunião do G8, na Escócia, há dois anos. No início da recente reunião do G8, na Alemanha, o Papa Bento XVI recordou ter agradecido a Angela Merkel, em nome da Igreja Católica, a decisão de manter na agenda daquele grupo a pobreza no mundo, em particular em África. E o Papa renovou o apelo a aumentar substancialmente a ajuda ao desenvolvimento, em favor das populações mais carenciadas, sobretudo as africanas. No entanto, a resposta dos países ricos parece continuar a pouco ultrapassar as palavras e as boas intenções. Na Alemanha, limitaram-se a garantir que iriam cumprir os compromissos de há dois anos… Entretanto, o Banco Mundial reconheceu que nem a ajuda a África cresceu como previsto, nem os mercados ocidentais se abriram como prometido. Há, ainda, um ponto essencial: a má governação e a corrupção em muitos países africanos, responsável em larga medida pela miséria em que eles se encontram. A própria ajuda ao desenvolvimento torna-se, assim, mal vista pelas opiniões públicas na Europa, que a consideram (em parte, infelizmente, com razão) como dinheiro desperdiçado. Daí que seja prioritária a questão da democracia, dos direitos humanos e da luta contra a corrupção em África, mesmo do ponto de vista económico. Aliás, em matéria de corrupção, não há apenas corrompidos – tem de haver corruptores, que frequentemente estão na Europa. Julgo que, nessa matéria, a UE deve lidar com os países africanos exactamente com o mesmo grau de exigência que usa para com os países europeus. Proceder de outro modo seria tratar os africanos como inferiores. Uma forma de neocolonialismo, afinal. Por isso o empenho que Portugal põe, e bem, na realização em Dezembro de uma cimeira UE-União Africana não deve levar a fechar os olhos a violações de direitos humanos em África. Ainda quando dirigentes políticos africanos fingem não ver tais violações, como desgraçadamente acontece em relação ao Zimbabué e às tropelias do ditador Mugabe. Entorses aos princípios por motivos de conveniência imediata acabam sempre por se pagar caro, mais tarde ou mais cedo. Também em termos económicos. Francisco Sarsfield Cabral, (Director de Informação da Rádio Renascença)