D. Teodoro de Faria, bispo do Funchal, na Dedicação da Igreja do Livramento A nova Igreja tem doze colunas com o nome das doze tribos de Israel na base e nos capitéis os nomes dos doze apóstolos que continuam o novo Israel e formam o novo povo de Deus. Senhora do Livramento é um nome que foi e continua a ser muito querido pelos cristãos da Madeira. Numa terra nova, desabitada, coberta de flores, com águas a escorrer das rochas e a correr nas ribeiras, com o perigo a espreitar por todos os lados, numa natureza virgem e dramática, a quem recorrer nas tempestades, chuvas torrenciais, ventos destruidores, senão a quem está acima de nós, nos ama e dá confiança para lutar e vencer? Não foi só no Curral das Freiras que a Senhora do Livramento foi e continua a ser invocada com piedade filial e a quem se oferecem jóias e ouro em abundância para agradecer favores. Também junto ao Funchal, na colina que sobe até à montanha, instalou-se uma comunidade que tinha como Igreja a de Nossa Senhora da Conceição e freguesia da Sé. A distância não era muita, mas havia um grande perigo a ultrapassar – a ribeira, sem ponte nem protecção que de um momento para outro, com as cheias ou tempestades, ceifava vidas, destruía colheitas, impedia de participar nos actos litúrgicos dominicais. «Ribeira cheia e caminhos ariscos», lê-se no documento da fundação da capela em 1684, obrigaram à construção de uma pequena capela para comodidade dos fiéis. O Sr. Inácio Pinto e sua esposa Catarina encarregaram-se de levantar a capela em honra da Senhora do Livramento e preocuparam-se com o futuro, conseguindo terrenos e bens à volta da capela que não podiam ser alienados. Assim pensaram e determinaram os nossos antepassados. Quando decorria o século XX e o bispo diocesano criou a 24 de Novembro de 1960 a nova paróquia, a capela pertencia a um particular e as terras e bens estavam na posse de outros senhores. Era preciso começar tudo de novo. Não por causa das intempéries e devastações da ribeira, mas por causa da comunidade cristã que crescera e se reunia na pequena capela, agora transformada em Igreja paroquial. Nos primeiros anos em que administrei a Confirmação aos jovens, choveu em abundância, estes ficavam na rua, e, apesar do guarda chuva, ungia os adolescentes na testa banhada pelas gotas de água a escorrer pelas faces. 2 – Uma Igreja, tenda de Deus entre os homens Ocupado o antigo terreno para a Igreja, foi preciso descobrir um novo e o único espaço ainda livre era um declive acidentado. A concepção do Sr. Arquitecto Luís Jorge Santos de construir uma «Igreja – Tenda de Deus», agradou à paróquia e à Comissão de Arte Sacra. São João escreveu no Prólogo do IV Evangelho que, na Encarnação, o Verbo de Deus Pai, Jesus Cristo, montou a Sua tenda no meio dos homens. A simbologia do novo Templo foi enriquecida com o Livro do Apocalipse. No cap. XXI S. João descreve a Cidade Santa, a nova Jerusalém, com doze alicerces, onde estão escritos o nome dos doze Apóstolos do Cordeiro. A nova Igreja tem doze colunas com o nome das doze tribos de Israel na base e nos capitéis os nomes dos doze apóstolos que continuam o novo Israel e formam o novo povo de Deus. O centro do espaço litúrgico é o altar, lugar do sacrifício de Cristo e mesa da refeição dos fiéis. A luz que se derrama do alto reaviva os raios de ouro e ilumina Cristo crucificado e o altar, mostrando que a Ceia do Senhor e o seu sacrifício da cruz, fazem parte do mesmo mistério de redenção da humanidade. Junto do altar mor, a imagem de Maria, a Senhora do Livramento, apresenta Cristo, seu Filho, como único Salvador, enquanto do lado oposto, é o próprio Cristo que rodeado dos símbolos dos quatro evangelistas, apresenta o seu coração aberto, fonte donde dimana todas as riquezas de Deus. Para conservar o Santíssimo Sacramento e adoração eucarística, reservou-se uma capela com sacrário e altar antigos, revestidos de ouro, e uma pintura dos discípulos de Emaús. Quatro vitrais, representando o Pentecostes, derramam uma luz mística na capela e no templo, para significar que o Espírito Santo é a alma da Igreja e a luz que ilumina a inteligência e aquece o coração dos fiéis. Na descida para as salas de catequese, um grande mosaico, representando a Senhora do Livramento, formado por milhares de pequenas pedras coloridas vindas de Veneza, abençoa a paróquia e a cidade do Funchal que se estende, colorida e magnífica, ao longo do Atlântico. A «Tenda» da Senhora do Livramento não está isolada, junto dela aninham-se a casa paroquial e os serviços caritativos para bebés, crianças e idosos, formando o conjunto uma «montanha sagrada», como encontramos na Europa, no Monte de S. Michel na Bretanha, em Cluny ao sul da França e nas abadias beneditinas dispersas pelo velho continente. Uma torre esguia e altaneira indica, a quem chega do mar ou se desloca em terra, o tabernáculo de Deus no meio do seu povo. Um carrilhão de sinos convida a comunidade à oração e recolhimento, tanto nas datas festivas como nas tristes. Os sinos, vindos do Norte de Portugal, têm o registo de sinos e várias melodias e já estão preparados para tocar a música «minha terra é a Madeira». A «montanha sagrada» do Livramento é um marco de referência na história da Região e da Diocese, e figura entre as grandes realizações da era da autonomia e do seu governo. 3 – Arte e Fé Ao longo dos milénios da história cristã não existe contradição entre a arte e a fé. Pelo contrário, entre a experiência religiosa e a experiência estética estabeleceu-se um parentesco natural. A arte corresponde ao mandato de Deus ao primeiro par humano «dominai a terra». As duas artes mais abstractas – a arquitectura e a música – têm um lugar privilegiado no templo cristão. Para a arte sacra, a causa final da arquitectura é a função litúrgica. Cristo é o centro da comunidade cristã que se reúne para celebrar e participar na acção sagrada, exercendo o seu ministério sacerdotal, recebido no baptismo. A Encarnação de Jesus Cristo, «Ele que é a imagem visível de um Deus invisível», o mistério de um «Deus nascido de uma mulher», justifica e provoca o nascimento da arte cristã, e fundamenta todos os esplendores da beleza para um culto a Deus em espírito e verdade. Funchal, 20 de Junho de 2004 D. Teodoro de Faria Bispo do Funchal