A partir de quase nada pode fazer-se um percurso artístico com cenas bíblicas
António Marujo, jornalista do religionline.blogspot.pt, em serviço especial para a Agência ECCLESIA (o autor escreve segundo a anterior nota ortográfica)
Taizé, França, 23 ago 2015 (Ecclesia) – Os jovens que visitam a comunidade ecuménica de Taizé (França) durante este Verão, vão percorrer 18 cenas do Evangelho, através da arte feita com colagens de restos de árvores.
Clarisse Lutumbu, 29 anos, vem da República Democrática do Congo e acaba de fazer o ‘Caminho de Evangelho’, uma forma de meditação, reflexão e oração. Clarisse está desempregada, depois de terminado o curso de economia e desenvolvimento do território; passou o ano a enviar currículos e, por isso, ficou presa à cena em que Jesus salva Pedro das águas.
“Sinto-me como Pedro, com possibilidades de reviver. Tenho confiança no Senhor, talvez consiga retirar algo da vida”, diz à ECCLESIA, no final do percurso que segue a Fonte de Santo Estêvão, a qual sai de Taizé e desce, pelo meio de um bosque, em direcção a um pequeno lago.
O bosque é, na aldeia da comunidade de monges católicos e protestantes, lugar de quietude e serenidade, silêncio e meditação pessoal.
Agora, foi acrescentado com este caminho de reflexão pessoal: dezoito quadros, como pequenos oratórios.
Wilfried Golissikinde, 23 anos, do Benim, fez o caminho com Clarisse e mais duas dezenas de jovens.
Estuda gestão de projectos e decidiu fazer a experiência porque outros já lhe tinham falado: “Não tenho muita ocasião para meditar e ter tempo para mim mesmo”.
Os jovens são ajudados na etapa inicial por um dos irmãos da comunidade e por uma folha que resume a cena bíblica e propõe uma frase de reflexão; seguem, depois, cada um ao seu ritmo.
A cena que mais marcou Wilfried foi a de Jesus a lavar os pés aos discípulos. “A humildade de Jesus é tocante.”
De origem suíça, o irmão Denis, autor das peças de arte, vive em África desde 1977 com alguns intervalos.
“Vejo-as como artesanato”, como “um livro de imagens”, “um jogo”, em que se fixaram, como nuns esquissos, diferentes cenas do Evangelho.
“Não há rostos, o que permite não encerrar as figuras numa representação muito exacta”, diz à ECCLESIA, em Taizé, onde veio para a semana que assinalou as três datas aniversárias: 100 anos do nascimento e os dez anos da morte do irmão Roger, e 75 anos da sua chegada a Taizé (a 20 de Agosto).
Apesar dos tons, “não é arte africana: tudo é negro porque os materiais são negros”. A
base é madeira de bambu, uma forma de mostrar aos jovens que, “com poucos meios, quase a partir do nada, se pode criar”.
Arquitecto de formação, o irmão Denis é o autor da Igreja da Reconciliação, em Taizé; na comunidade desde 1958, viu-se sem trabalho de arquitectura quando foi para África.
Foi o irmão Luc que, na fraternidade de Nairobi, onde está desde 2010, o provocou a utilizar os restos das árvores que os rodeiam para criar obras de arte.
Um eucalipto gigante diante da casa, que todos os anos perde metros quadrados de casca condenada a apodrecer no chão, “é uma matéria muito bela para trabalhar”, mas também há bananeira, acácia, bambu, araucária…
“As árvores à nossa volta é que ajudaram a criar estas peças. Comecei a colar e a fazer coisas abstractas e, depois, pus os títulos”, conta.
Assim surgiram “pequenos tesouros” como a Sarça ardente, a Árvore da vida, a Escada de Jacob.
Já neste ano, o actual prior de Taizé, o irmão Alois, perguntou: “E porque não peças como estas para marcar o caminho até à Source Saint Etienne?”
O irmão Denis acabou por dizer que sim: optou por um Caminho de Evangelho que começa com as cenas da anunciação e da visitação, do nascimento de Jesus, da fuga para o Egipto e do baptismo.
Da vida pública e itinerante de Jesus, há uma cura, Pedro salvo das águas, a transfiguração, o bom pastor e a ressurreição de Lázaro.
Da paixão de Jesus, representou o lava-pés, a oração no Getsémani, a crucifixão e a morte na cruz. Finalmente, há ainda a ressurreição, o encontro com os discípulos de Emaús, a ascensão de Jesus e o Pentecostes.
“São cenas do Evangelho, protótipos do que poderia ser um caminho de peregrinação à volta da fraternidade”, comenta o irmão Denis.
Clarisse confirma, no final do caminho: “Foi uma forma original de fazer meditação com arte e contemplar a natureza. Foi como que uma refontalização”.
AM/OC