Quaresma no mundo: Três pedrinhas para fazer comunidade no Sudão do Sul

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A concretização de um dia fazer missão no Sudão do Sul chegou com um telefonema. Estudante de teologia, José Vieira sonhava andar onde Daniel Comboni, fundador da congregação dos missionários combonianos, “trabalhou, suou e morreu”.

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“Eu queria ir para o Sudão. É a Terra Santa comboniana”, sublinha à Agência ECCLESIA o padre José Vieira, sacerdote há 30 anos, com 15 anos passados entre a Etiópia e o Sudão do Sul.

Estudou o Corão, trabalhou na revista «Audácia» da congregação religiosa e, depois de oito anos na Etiópia, foi desafiado a “integrar uma equipa” da rede católica.

O sonho começou a 8 de dezembro de 2006 a chegada a Juba.

“Foi uma experiência muito rica. Comecei por fazer parte da rádio de Juba. Depois quando colocamos a rede de rádios a trabalhar, tinha o meu espaço e fazíamos noticiários em inglês”, recorda com saudade.

Aos microfones da rádio deu a notícia da independência na manhã do dia 9 de julho de 2011.

 

 

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«Fomos muito cedo para a Praça da independência porque os serviços de segurança disseram que o controle seria muito apertado. Fomos às 6h30 da manhã. Tenho fotografias do sol do novo dia a nascer. Quando ouvimos o presidente do Parlamento a ler a declaração da independência, a explosão de alegria foi espetacular. Quando acabei de gravar fui a correr para a estação, editar o som e enviá-lo para as nove rádios, para que pudessem escutar o júbilo que foi a proclamação de independência do Sudão do Sul.»

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Deixou o Sudão do Sul em 2014, para assumir a província portuguesa dos combonianos, mas a realidade dos sul-sudaneses continua marcada na pele e na consciência social do padre José Vieira que critica a busca do poder e o esquecimento dos direitos e necessidades da população.

Com um terço da população deslocada, “dois milhões deslocados internamente, 200 mil vivem em campos de proteção de civis da responsabilidade das Nações Unidas, em condições muito más”, o missionário comboniano faz eco do lamento do bispo auxiliar de Cartun, D. Daniel Adwok.

Rico em solos e em água, a agricultura poderia ser um motor de desenvolvimento do país, mas a instabilidade e os conflitos fazem a população recear, uma vez que o período de paz durou cerca de dois anos.

 

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«Há 200 mil sudaneses a viver em Kosti, uma região pastoral de Cartun, e o bispo precisa de dois dólares por semana para alimentar uma pessoa. O governo do Sudão dificulta a assistência a estas pessoas e é muito difícil, pois dois terços da população está em perigo iminente de fome porque com a guerra e a instabilidade as pessoas não cultivam».

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“Lembro-me de me ter cruzado numa tarde de domingo, quando caminhava ao longo do rio Nilo Branco, com uma senhora idosa que cultivava beringelas. E eu questionei-a porque não fazia outra igual para vender no mercado de Juba. E responde ela: «E se vier a guerra?». Já naquele tempo, que era um tempo de paz, as pessoas viviam num registo de guerra. Com combates as pessoas não cultivam e estão totalmente dependentes da caridade da comunidade internacional”.

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«O hóspede é um enviado de Deus, é um anjo. O acolhimento em África é um ato religioso».

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«Lembro-me com saudade a energia que recebia em cada eucaristia que durava pelo menos duas horas. As pessoas cantam, dançam, transpiram e chegam ao fim exaustos mas contentes porque louvaram o Senhor. Era deles que recebia a energia para viver a semana depois, como jornalista e padre».

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Três pedrinhas para fazer o fogo

“O que mais admiro nos africanos é a capacidade e a necessidade de expressarem a vivência religiosa e rezarem juntos”, indica o missionário José Vieira.

Acresce a hospitalidade que “não é exclusiva do tempo quaresmal” mas prática de vida.

A oração, a esmola e o jejum, enquanto instrumentos para viver a Quaresma, são entendidos à luz do contexto social e cultural dos sul-sudaneses.

“Para fazer o fogo em África são precisas três pedras e normalmente colocam-se as pedras, a lenha à volta e o tacho por cima. Nós dizemos que as pedras que vão segurar fogo que nos levam à Páscoa é o jejum, a esmola e a oração. Era a imagem que usávamos”, relembra o missionário comboniano.

Uma das imagens mais forte que o missionário comboniano guarda é a celebração da via-sacra.

“Ao fim do dia, as pessoas vinham à sexta-feira à igreja à adoração da Cruz. E a mais forte é a de sexta-feira santa, chegava a durar duas horas. Todos vinham, ajoelham-se e beijam o Senhor nas mãos, nos pés, na cara… há uma manifestação que envolve a todos. Outro aspeto muito bonito é a capacidade de rezarem juntos”, recorda.

Exemplo disso foi uma iniciativa recente de um grupo de religiosos no Sudão do Sul para se rezar 101 dias pela paz.

“Os líderes religiosos juntavam as pessoas numa Praça, ao ar livre, e as pessoas rezavam, plantavam árvores”, naquilo que o religioso apelida de “ecumenismo prático”.

Cada celebração no Sudão do Sul é uma festa, recordada com saudade pelo missionário comboniano.

Para além das celebrações “mais formais” na Catedral, o padre José Vieira recorda as capelas que se formavam debaixo das árvores e que se estendiam terreiro fora pela quantidade de pessoas a celebrar.

“Quando lá cheguei celebrava normalmente na catedral ou na paróquia. Até que entrei na «rota normal» de celebração. Significava celebrar nos lugares mais pequenos, debaixo das árvores ou em pequenas capelas”, relembra.

 

 

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Depois do Sudão do Sul

Quando o missionário José Vieira fazia planos para regressar à Etiópia, findo o tempo estabelecido no Sudão do Sul os colegas e Deus trocaram-lhe as voltas.

“O meu sonho era voltar à Etiópia onde já tinha estado. Mas Deus e os meus colegas mudaram-me as voltas e fiquei como provincial. Estou no meu segundo mandato que termina no final de 2019”, contabiliza.

Questionado sobre a importância da missão na concretização do ser provincial o sacerdote recorda palavras que um etíope lhe endereçou quando a sua missão neste país terminou.

A missão, sublinha, ajuda a viver o ministério da autoridade numa dimensão diferente.

“A minha grande experiência como missionário foi viver com as pessoas, vivendo a fraternidade com as pessoas à volta de Jesus”, reitera o missionário comboniano que preconiza a simplicidade de vida na vivência comunitária.

Para todas as latitudes onde já esteve, o missionário comboniano leva o sotaque de Cinfães, terra onde nasceu e à qual regressa quando pode.

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«Quando vou a Cinfães e tenho de preparar a homilia de domingo vou para a serra de Montemuro. A capela de São Pedro do Campo tem uma amplitude visual fantástica. Se estiver a chover fico dentro do carro; se tiver bom tempo saio para fora e ali fico no meio da natureza, em comunhão com Deus, a ouvir os passarinhos».

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LS

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«Quando saí da Etiópia disseram-me duas coisas: agradecemos-te porque aprendeste a nossa língua e caminhaste a pé connosco. Ser diretor da escola, celebrar eucaristia, ser coadjutor da paróquia, não era excecional. No meu ministério de provincial isso ajuda-me porque me lembra que sou pertença de um corpo, e que tenho de caminhar com os meus irmãos seja o António com 90 anos ou o diácono Ricardo que tem 29».

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Agência ECCLESIA

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