Homilia do bispo de Coimbra na Vigília Pascal

Caríssimos irmãos e irmãs!
Ao longo deste ano debruçamo-nos sobre a esperança, o tema central do jubileu que a Igreja nos oferece. Precisamos de falar de esperança, mas precisamos mais ainda de a colocar nos fundamentos da vida pessoal e comunitária de todos nós.
A situação histórica que vivemos desafia-nos a ser peregrinos de esperança. Passámos por tempos de grande euforia relativamente à confiança nas possibilidades humanas, vivemos o otimismo relacionado com os desenvolvimentos científicos e tecnológicos, proclamámos alto a dignidade da pessoa humana e dos direitos humanos, manifestámos repulsa pela guerra como realidade sempre injusta, afirmámos o diálogo e a tolerância como os únicos caminhos para resolver conflitos, defendemos e promovemos incondicionalmente a vida humana… Hoje, percebemos que estamos muito aquém dos sonhos que acalentámos e sentimos que um certo desalento se abateu sobre a humanidade.
As últimas décadas fizeram-nos perceber a grandeza e os limites dos empreendimentos humanos. Progressos em si mesmos muito bons, enfrentam consciências mal formadas, sistemas de contravalores, aplicações nocivas, orientações contrárias ao bem pessoal e ao bem comum de todos nós.
A humanidade enfrenta novos abismos e clama por uma esperança diferente daquela que a tem desiludido constantemente.
De que esperança somos peregrinos? É a questão que se nos põe como se pôs aos que acompanharam Jesus. A pessoa e o ensino de Jesus, que assumimos especialmente na celebração da Sua Páscoa, levam-nos a compreender o que significa para nós ser peregrinos de esperança no meio deste mundo e fazem-nos ver as contradições em que assentam muitas ideias de esperança dominantes na sociedade.
Aos que alicerçavam a sua esperança nas possibilidades materiais, na riqueza e na fruição desenfreada dos bens deste mundo, Jesus proclamou bem-aventurados os pobres, os aflitos, os que sofrem, os construtores de paz, os perseguidos… De facto, ainda hoje percebemos que a escalada da busca das riquezas, do consumo, do ter, é insaciável. Quem deposita aí a sua esperança, fica insatisfeito, porque quer sempre mais e um mais que não preenche por dentro e que é impossível de alcançar.
Aos que punham a sua esperança no bem-estar, na realização pessoal, no sucesso, numa vida feliz, sem incómodos nem contratempos, Jesus afirma que o Seu Reino não é deste mundo. Quem deposita a sua esperança no bem-estar e faz dele o seu ideal de vida, sofre a desilusão, porque o dia de amanhã transtorna tudo e esse ideal torna-se insaciável.
Aos que professam o otimismo como o seu lema de vida, pensando sempre que o amanhã será bom, que se resolverão todos os problemas e que tudo vai correr bem, Jesus aconselha a tomar a cruz de todos os dias e a segui-l’O com coragem e amor. O otimismo não se confunde com a esperança, porque nada há na vida que não tenha de se conquistar com esforço e com a dedicação da vontade, e nada há que esteja totalmente nas nossas mãos.
Aos que acalentavam uma ideia de esperança assente na ausência de sofrimento e na libertação da morte, Jesus apresenta-se como o Homem de dores, acostumado ao sofrimento e que caminha para a morte. Quem caminha sobre esta terra seguro de que pela sua fé ou pelo progresso não está sujeito ao sofrimento e à morte, aposta numa esperança errada.
O sepulcro vazio, imagem central do Evangelho da Vigília Pascal, dá-nos o fundamento da esperança de Jesus e da nossa esperança cristã. Somos peregrinos da esperança que nasce do sepulcro vazio, da esperança que nasce da ressurreição de Jesus, da esperança da nossa própria ressurreição e da vida eterna.
Como cristãos, somos peregrinos desta vida com a esperança na ressurreição que nos abre horizontes novos, pois a fé na ressurreição é a realidade mais inspiradora da nossa vida e da espiritualidade cristã.
Em primeiro lugar, a fé na ressurreição leva-nos a considerar adequadamente o valor da nossa humanidade de criaturas, a valorizar a nossa condição carnal e material. O próprio Jesus, que se fez Homem e assumiu a nossa carne, não desprezou nada do que nós somos nem da nossa humanidade. A fé que professamos na ressurreição da carne e na vida do mundo que há de vir, faz-nos valorizar o percurso terreno como lugar da nossa realização, da resposta ao Deus Criador, da edificação de um mundo que manifesta a Sua bondade.
Em segundo lugar, a fé na ressurreição leva-nos a enfrentar a vida com realismo, tanto nos seus aspetos agradáveis como dolorosos. Somos construtores de nós mesmos e temos uma importância decisiva na edificação dos outros. A prática das boas ações e a fraterna inclinação para o próximo é a nossa radical vocação. Frente ao que decorre de acordo com o nosso sonho e desejo ou face aos desencantos, caminhamos na esperança do que ainda se não vê, mas já nos espera em Cristo Vivo. Não cessamos de alimentar em nós e nos outros as pequenas esperanças, que crescem alicerçadas no amor vivido e repartido, que dá alento na peregrinação e leva a ver a meta sempre mais além.
Em terceiro lugar, a fé na ressurreição dá-nos a compreensão do sentido do sofrimento e da morte, como parte integrante do nosso caminho de peregrinos de esperança. A ânsia de viver é maior do que tudo o que nos possa acontecer e encontra a sua resposta na ressurreição para a vida eterna. Em Jesus, vemos a imagem daquele que caminha no meio das dores e enfrenta a morte na esperança, sem vacilar. Ele desejou que passasse o cálice de dor, mas manteve a confiança; citou o salmo que fala do abandono de Deus na mais crua solidão, mas manteve a confiança; enfrentou a morte dolorosa, mas com a força do Espírito manteve a confiança no Pai.
Nesta noite de Vigília Pascal renovamos a consciência de que, na fé em Cristo Ressuscitado somos homens e mulheres de esperança. Ela leva-nos a envolvermo-nos plenamente nas atividades de transformação deste mundo, com a ajuda da graça de Deus, aspirando sempre à comunhão com Ele e com os irmãos já no tempo presente, e aguardando o encontro futuro na comunhão eterna, o horizonte definitivo da esperança que Ele nos dá.
A fé em Cristo Ressuscitado leva-nos à vivência de uma esperança concreta e real no tempo presente e nunca nos faz adiar a responsabilidade perante a nossa vida e a vida dos outros.
A fé em Cristo Ressuscitado leva-nos a produzir sinais de esperança, que tenham a força de manifestar a orientação das nossas vidas e a presença amorosa de Deus nelas.
A esperança é marca distintiva do cristão. Aprendamos com a Virgem Maria que, na anunciação, junto à cruz e como testemunha da ressurreição, se tornou para nós sinal da esperança que não engana.
Coimbra, 19 de abril de 2025
D. Virgílio do Nascimento Antunes,
Bispo de Coimbra