A governabilidade exige a responsabilidade de cada um, exige a vontade para que encontremos soluções
D. Carlos Azevedo, Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, apresenta os desafios que se colocam à sociedade e à Igreja em Portugal no âmbito da concretização da solidariedade. Uma entrevista no contexto da realização dos Dias Sociais Católicos para a Europa, promovidos pela COMECE (Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia), que decorreu em Gdansk, Polónia, entre os dias 8 e 11 de Outubro de 2009
Agência Ecclesia – Que solidariedade desafia o tempo presente, na Europa?
D. Carlos Azevedo – Uma noção de solidariedade muito aberta e capaz de abarcar todas as dimensões que nela estão implicadas: a dimensão económica, que é aquela que previamente tem consequências sociais; a dimensão ecológica; e uma solidariedade que abarque a Europa e o resto de mundo, para além do entendimento entre os países da Europa.
AE – Trata-se de desafios concretos?
CA – Quando falamos no papel das igrejas falamos sempre em acções concretas. A nível pessoal e familiar, acessível a qualquer pessoa. É esse nível que interessa desenvolver, perante o crescimento do desemprego – porque vai crescer nos próximos anos e ninguém nos livrará disso – e de um conjunto de situações de pobreza que implicam a partilha e a ajuda concreta.
Temos de encontrar formas muito inovadoras (na linha do simpósio reinventar a solidariedade) para que possamos responder de modo eficaz e de modo operativo às necessidades que surgem.
AE – Que importância têm as ajudas directas ao pobres?
CA – É fundamental! E a Comissão de Pastoral Social está atenta a essas situações. Por um lado, através da Comissão Nacional Justiça e Paz, faz o debate das causas, aprofunda as raízes dos problemas para que sejam resolvidos de forma mais sólida. Por outro, através da Cáritas e de outras organizações, dá respostas imediatas às populações. Não podemos ficar a filosofar sobre os problemas enquanto as pessoas passam fome. Temos de lhes matar a fome e, ao mesmo tempo, encontrar soluções que as ajudem a sair da pobreza, dando voz aos pobres, para que possam encontrar solução para os seus próprios problemas.
Nós somos todos muito dependentes uns dos outros. Queremos, no entanto, criar condições para que cada um possa encontrar a sua própria estabilidade económica.
AE – O Rendimento Social de Inserção, por exemplo, é uma boa medida?
CA – Em conversas que tive, aqui, com alguns organismos internacionais, ouvi dizer que Portugal é “um caso à parte” devido a algumas medidas que soube tomar e que alteram os indicadores sociais. O Rendimento Social de Inserção e outras formas de ajuda fizeram com que não se chegasse a um nível de pobreza tão grave como noutros países e a um nível de desequilíbrio como outros tiveram.
AE – Solidariedade em Portugal, que desafio?
CA – Eu acho que o fundamental neste momento é uma pedagogia da responsabilidade.
O próximo encontro das Semanas Sociais, (Aveiro, 20 a 22 de Novembro) falando sobre a construção do bem comum na responsabilidade de cada um, da Igreja e o Estado, dará o bom seguimento àquilo que neste momento é fundamental insistirmos: todos somos responsáveis para que as soluções sejam encontradas. E cada um ao seu nível: a Igreja tem a sua missão e deve manter a sua identidade e a das suas instituições; o Estado tem as suas e delas não se pode demitir; e cada pessoa, cada cidadão tem as suas responsabilidades.
Em Portugal, é muito urgente que cada um sinta uma responsabilização política (porque o partido que ganhou, nas últimas legislativas, foi a abstenção). É necessário que haja uma responsabilidade de cada um, sem nos demitirmos da procura de soluções
AE – Que responsabilidade têm as pessoas, os cidadãos na qualidade dos Governos?
CA – Pelos últimos anos da política portuguesa, nós vemos que são precisas “boas pessoas”, que sejam capazes de dar a cara pelo país, de propor alternativas e que dêem o seu melhor para servir Portugal. Sabemos que tem havido corrupção, em vários países da Europa, responsável pela destruição de alguns governos. É importante também o exemplo de servir os outros e não de se servir a si próprio. É preciso que os partidos não estejam à volta de si próprios, antes para resolver os problemas do país.
AE – Num momento em que se constitui um novo Governo, em Portugal, que solidariedade é precisa entre os principais actores políticos?
CA – A governabilidade exige a responsabilidade de cada um, exige vontade para que encontremos soluções que dêem estabilidade e que permitam a um país, que tem dificuldades graves, encontrar soluções com bastante sustentabilidade e com resistência perante as forças de interesses que não deixarão de vir a terreno.
Estas épocas de muitas dificuldades são épocas de demagogia, de populismo, épocas em que facilmente se criam movimentos que não constroem, mas dividem as pessoas.
AE – Diante das várias iniciativas sociais promovidas, que importância tem para a dinamização da Pastoral Social em Portugal a participação nos primeiros Dias Sociais para a Europa?
CA – Eu tenho muita esperança no movimento que se está a criar neste último ano em Portugal, com várias iniciativas e com gente nova que está muito implicada no terreno, se possa criar uma pastoral social mais viva do que a que já existe, sobretudo capaz de gerir inovações que nos tragam um futuro melhor
AE – Interessa ir além da caridade?
CA – Interessa sobretudo aprofundar a caridade, porque o fundamental é o amor! O amor enquadra a justiça. E só com muito amor, isto é com muita caridade, poderemos resolver as situações.
Em vez de uma caridade superficial, é preciso aprofundar e radicar mais a caridade.