Refeições são hoje direcionadas para famílias carenciadas da Junta de freguesia do Estoril
Lisboa, 12 nov 2020 (Ecclesia) – Um grupo da paróquia de Santo António do Estoril iniciou, durante o confinamento em abril, uma ajuda aos profissionais de saúde do Hospital de Santa Maria, auxílio, depois, canalizado para as famílias carenciadas da Junta de freguesia.
A rede de solidariedade que juntou mais de 90 pessoas e as suas famílias, nos meses de abril e maio, foi desencadeada numa resposta à partilha do médico Tomás d’Elvas Leitão, paroquiano, que dava conta das dificuldades de os profissionais de saúde comerem dentro do Hospital, uma vez que as cantinas estavam encerradas, na altura, e havia receio de contágio com a Covid-19 através da troca de marmitas e alimentos.
“Eu sei cozinhar, daí ter-me lembrado de fazer uns bolos ou algo, mas não tinha noção que ia ser tanta coisa”, conta a responsável pela iniciativa Maria do Rosário Beja, conhecida por Zarica, à Agência ECCLESIA.
De uma ajuda desencadeada por uma troca de mensagens estabeleceu-se uma rede que durante o tempo de confinamento envolveu muitas famílias: havia quem fazia sopas, ou refeições completas, quem preferisse fazer bolos ou antes embalar as refeições que tinham de ser entregues separadas individualmente; alguns que não sabiam cozinhar contribuíram monetariamente e outros ainda começaram a escrever e a desenhar mensagens de esperança que ao longo de um mês e meio colocou desconhecidos em relação, inicialmente no serviço de Anestesiologia do Hospital de Lisboa central, mas que se estendeu depois à Pediatria, Bloco de Partos, Urgência, Unidade de Queimados, entre outros.
“Reagimos todos de forma muito emocionada. Lembro-me da primeira vez em que houve uma entrega, a minha chefe de equipa olhar para a comida e ficar em lágrimas, a pedir-me o contacto da Zarica para lhe agradecer”, recorda Tomás d’Elvas Leitão à Agência ECCLESIA.
Zarica dá conta da generosidade de tantos que se foram juntando e procurando contornar a “dificuldade de entregar”: “Fui percebendo com o Tomás que quando abriam tinham de consumir logo ou ia fora, tinha de ser em doses embaladas individualmente”.
“Há um dia que estou no supermercado e começo a olhar para os frigoríficos. Telefonei para saber a opinião de algumas pessoas no grupo e houve alguém que me disse que oferecia o frigorífico”, recorda.
Teresa Roque de Pinho chamou os netos que entusiasmados a ajudavam na confeção das refeições; Sónia Teles, doente oncológica, contou com a ajuda das três filhas que faziam bolos para entregar; Maria Eugénia Pinto recorda que se fechava na sua cozinha, todos os domingos, para preparar 50 refeições que entregava no dia seguinte.
As pessoas continuam disponíveis e perguntam “muitas vezes o que é necessário”, explica Zarica.
No total foram entregues 1200 sopas, 2129 refeições, 1550 doces e sobremesas 71 quilos de fruta, 1137 bolos e bolachas, 4797 snacks, 846 sumos, para além de material médico e brinquedos, acompanhados de centenas de mensagens e desenhos, números contabilizados e publicados no livro «Receitas de uma quarentena».
Em maio, percebendo que “as escalas, os restaurantes e as cantinas iriam normalizar”, o jovem médico conversa com Zarica e sugere que, havendo “pessoas desempregadas, sem comida e a passar dificuldades”, a ajuda da rede poderia ser canalizada para outro lado.
“Pensámos ajudar a paróquia, que estava numa fase complicada, mas soubemos de outra necessidade da Junta de Freguesia, entre pessoas infetadas ou a passar necessidades com falta de empregos ou em casa e passámos a colaborar com a Junta, para além de uma ajuda que se presta também ao Hospital de Cascais”, conta Zarica.
O padre Paulo Malícia, pároco desta comunidade, dá conta à Agência ECCLESIA da paróquia solidária e do compromisso “sério de caridade cristã e ajuda ao próximo” que ali se vive.
“É uma iniciativa de bem-fazer, uma iniciativa que contava com a colaboração se quem quisesse ajudar, independente da religião. É importante deixar marcas para gerações futuras perceberem que quando as coisas se fazem com amor, as coisas acontecem. Não ajudamos a resolver o problema todo, mas um bocadinho do problema, esse é o nosso papel na vida, ajudar a resolver um bocadinho do problema”, destaca.
Maria Eugénia Pinto aponta a importância de ajudar quem necessita: “Os médicos não precisavam financeiramente, mas socialmente necessitavam. E agora, estamos a trabalhar para pessoas que estão em risco social e cheira-me que vai ser cada vez mais”.
A jovem Marta Beja recorda a impotência que sentiu, no verão de 2017, por não conseguir ajudar as vítimas dos incêndios, sentimento agora alterado.
“Este projeto para mim foi importante porque apesar da pandemia pudemos ajudar. Eu e o meu irmão fomos educados a olhar para o outro e para as suas necessidades. E isto ajudou-nos a estar atentos. Por causa da pandemia, fomos obrigados a estar em casa, mas este projeto fez-me ver que apesar de estarmos confinados é possível ajudar, mesmo em coisas pequeninas, como uma refeição quente”, explica.
Teresa Roque Pinho alerta que a rede constituída é um alerta para que as pessoas possam estar atentas a quem mais precisa.
“As pessoas têm de dar o que tem e o que podem. Se não têm coisas, deem tempo. Eu gosto e gostei muito”, conclui.
A reportagem vai estar em destaque na próxima emissão do Programa ’70×7′, este domingo, pelas 17h45, na RTP2, assinalando o IV Dia Mundial dos Pobres.
LS