Padre João Gonçalves afirma que solidariedade «extraordinária» entre as pessoas representou um «grande testemunho»
Curral das Freiras, Madeira, 19 ago 2024 (Ecclesia) – O pároco do Curral das Freiras, na Diocese do Funchal, abriu as portas da igreja para acolher a população retirada de casa por causa do incêndio florestal, nos últimos dias, que afetou particularmente esta localidade do Concelho de Câmara de Lobos.
“As autoridades ligaram e disseram que tinham de ter um espaço rápido para realojar as pessoas que estavam a ser evacuadas, e se eu podia abrir a igreja, a resposta foi logo ‘sim’. As pessoas vieram para ali e, depois, só mais tarde, é que se viu a necessidade de realocar essas pessoas para fora do Curral das Ferreiras, porque eram pessoas mais débeis, gente mais idosa, com algumas doenças ou dificuldades respiratórias”, disse hoje o padre João Gonçalves, em declarações à Agência ECCLESIA.
O Curral das Freiras foi uma das mais atingidas pelas chamas do incêndio que começou na quarta-feira; a paróquia local abriu as portas da igreja, a partir das 04h30 da madrugada de sábado, e foi um dos lugares de abrigo das pessoas que estavam a ser retiradas das suas casas.
O pároco do Curral das Freiras explicou que, a certa altura deste sábado, o fogo “estava numa zona que poderia ficar muito próximo da igreja”, e as autoridades civis decidiram deslocar as pessoas para outro lugar.
A igreja do Curral das Freiras, para além de acolher pessoas, foi também um ‘centro de logística’ onde concentraram os bens doados que depois foram distribuídos por “todas as pessoas que estavam no terreno, na linha da frente” do combate ao incêndio, “os lanches, o pequeno-almoço, lanches, almoços e jantares”.
“Não foi só a paróquia a fazer comidas, também a Casa do Povo do Curral das Freiras deu um apoio extraordinário, e também muita gente, muitas instituições de fora do Curral das Freiras e de dentro. Muitas instituições contribuíram com águas, com snacks, com fruta, com muita coisa para que nada faltasse. E nós articularmos com as instituições e com a Proteção Civil e fizemos o que estava a nosso alcance, com muitos voluntários a trabalhar para isso”, salientou o padre João Gonçalves.
“Eu apenas pus-me ao serviço e pus-me à disponibilidade de fazer o que fosse preciso e o que as autoridades indicassem”, acrescentou.
O sacerdote, que é também formador no Seminário diocesano do Funchal não costuma ficar na paróquia, mas, nestes dois dias, por causa do incêndio, ficou com a sua comunidade paroquial, assumindo o papel de “tentar acalmar, tentar ouvir, tentar estar junto das pessoas e que elas não entrassem em desespero e em pânico”. “Essa realidade, essa dimensão, marcou muito estes meus dias, e, depois, tentar fazer com que nada faltasse a quem estava na linha da frente, na linha da frente do combate às chamas”, acrescentou o padre João Gonçalves, que foi ordenado em 2021. O sacerdote recordou que “já tinha vivido uma situação muito dramática de fogos” em 2016, quando a casa dos seus pais “esteve em risco”, e teve “essa má experiência”, que “é sempre uma situação muito difícil, muito imprevisível”. Segundo o pároco do Curral das Freiras esta situação “só mostrou o quão forte a comunidade é”, porque, nestes momentos, percebem que a solidariedade de uns e de outros, dentro daquela freguesia, “é extraordinária, excecional”, com as pessoas “todas preocupadas uns com os outros, e isso foi verdadeiramente um grande testemunho”. |
A Paróquia do Curral das Freiras, em articulação com as autoridades locais, decidiu cancelar a tradicional a Festa do Santíssimo Sacramento, que iria decorrer este sábado e domingo.
“Em primeiro lugar, tínhamos de analisar todos os meios que tínhamos, recursos humanos, autoridades para os incêndios, para garantir a segurança das pessoas, o seu bem-estar e a segurança da população. Em segundo lugar, não havia espírito para qualquer tipo de animação musical e, portanto, foi uma decisão bastante óbvia cancelar as festas deste fim de semana”, refere o sacerdote.
No domingo, com maior calma e o fogo controlado, foi possível celebrar a Missa, pelas 15h00, registando-se “uma participação muito boa das pessoas”.
“Superou as minhas expectativas, porque muita população estava a ver se havia reacendimentos, estava a tentar perceber como estavam as suas coisas, e mesmo assim ainda veio muita gente. Percebi que, apesar do cansaço físico, as pessoas vieram procurar na Missa um recobro espiritual, um alento, e foi importante”, salientou o pároco.
O habitual tapete de flores, que acompanha esta celebração, foi este ano colocado, simbolicamente, apenas à frente da porta da igreja.
“As pessoas desse sítio juntaram-se com outras e fizeram um bocadinho de tapete, só mesmo como sinal de emoção, de agradecimento, por aquilo pelo qual tinham passado e que não tinha sido pior”, acrescentou o jovem sacerdote, revelando que este foi um dos gestos que “mais marcaram” esta celebração.
No sábado, D. Nuno Brás, bispo do Funchal manifestou a sua solidariedade com as populações atingidas pelo fogo na Madeira e com todos os que estão empenhados no combate ao incêndio, em declarações ao ‘Jornal da Madeira’, à margem do 34.º Acampamento Regional do Corpo Nacional de Escutas (CNE) da Madeira (ACAREG).
CB/OC