Diretor geral da organização não-governamental em Portugal, participou em 17 missões, conheceu as fragilidades dos cuidados de saúde e afirma que todos, à sua escala podem fazer a diferença num mundo «humanizado»

Lisboa, 18 jun 2025 (Ecclesia) – João Antunes, diretor-geral dos Médicos sem Fronteiras (MSF) Portugal diz que a organização não-governamental é uma “testemunha direta” em situações de conflito e que não desiste das pessoas porque a “saúde é um bem público”.
“Trata-se da transmissão de solidariedade. Este importar-se por outro ser humano que passa por um momento difícil, onde não há hospitais a funcionar, não há medicamentos numa distância de 300 e 400 quilómetros, não há estradas nem o mínimo para oferecer ou dizer, e continuas a sofrer dos mesmos males… trata-se de nos reconhecermos humanos”, explica à Agência ECCLESIA.
O responsável diz que a organização “não desiste de ninguém” e em zonas de conflito recebe “cidadãos da Ucrânia e da Rússia”, tal como acontece na Faixa de Gaza ou e outros locais onde situações de emergência médica são necessárias.
A MSF é uma organização humanitária internacional criada em 1971, em França, por jovens profissionais da medicina e do jornalismo, que leva cuidados de saúde a pessoas afetadas por conflitos armados, desastres naturais, epidemias, migrações, ou sem qualquer acesso a assistência médica.
Trata-se de uma ONG que afirma não estar “subordinada a poderes políticos, militares, económicos ou religiosos e tem liberdade de ação”, vivendo de donativos.
“Quando sentimos que há um dano coletivo muito grande que está a ser imposto a uma população civil, quando a ajuda humanitária está a ser desviada para interesses específicos, quando sentimos que com a própria ajuda humanitária a situação se está a prolongar, tornando-se numa crise crónica por falta de interesse político em resolver, pois aí sim que a MSF toma uma posição política pública”, explica.
“O discurso político e a análise geoestratégica militar obviamente está presente, temos que o fazer no nosso trabalho; isso não nos pode moldar nem a nível de discurso, nem a nível de tomada de posições. Temos que trabalhar em função daquilo que é o melhor interesse das pessoas e o seu estado de saúde, e isso não tem cor política”, assume.
Com formação em Economia e Gestão, João Antunes pensou em redirecionar o seu estudo quando contactou com organizações para o desenvolvimento em Moçambique que estavam no terreno a trabalhar no setor da saúde mas percebeu a necessidade de trabalhadores de áreas diversas, de logística a financeira, que ajudassem os profissões de emergência médica a ter condições para prestar cuidados.
De coordenador financeiro, na primeira missão no Uíge e em Luanda, Angola, rapidamente passou a coordenador de projeto em diversos contextos que, determinam por si o decorrer da missão.
“Há um processo de readaptação no médico ou a enfermeira que está na linha da frente que lhe permite dar consultas, que está definido como uma zona de conforto: implica ter água, ter luz, ter limpeza num hospital, ter uma equipa que possa fazer turnos de 24 horas. As pessoas com quem trabalhamos são profissionais recrutados localmente, e é preciso enquadrar-se numa equipa de trabalho, de oito, 10, 15 ou 20 pessoas, dependendo dos projetos em curso”, conta.
Até 2018, altura em que com os MSF Espanha e MSF Brasil iniciou a abertura dos MSF Portugal, João Antunes realizou 17 missões tendo estado, por períodos diferentes, em países como Índia, Guiné- Bissau, Serra Leoa, Ruanda, Angola, Nigéria, Sudão e Sudão do sul, Senegal, Mali, Etiópia, Zâmbia.
Em 1999 a organização recebeu o Prémio Nobel da Paz – João Antunes aponta o reconhecimento como uma oportunidade para sublinhar o valor da “palavra” que, apesar de “não salvar vidas” podia contrariar um “silêncio que mata”.
“Procurámos com o reconhecimento dar conta de testemunhos e denúncias de situações que estávamos a viver e a presenciar – situações de extremas injustiças”, dá conta.
O responsável lamenta inúmeros conflitos e situações em que os MSF são chamados, dado o seu caracter de emergência, que tantas vezes provocam uma “avalanche de informação” que afasta as pessoas e as leva, mais do que rostos, a estatísticas: “Perante tantos conflitos, o que posso eu fazer? Acho que as ONG mostram que são uma resposta que faz a diferença”.
“Não podemos perder as ligações entre nós. A distância faz-nos mais infelizes, sentir mais limitados, faz-nos mais pequenos, faz-nos ficar mais virados em nós mesmos. Eu acredito que uma das partes como ser humano é a maneira como nos relacionamos, de abraçarmos causas, de no reconhecermos, e isso pode ser a fazer voluntariado, trabalhar em organizações ambientais, combater a xenofobia, qualquer apelo que nos leve a algo maior do que nós”, acrescenta.
A conversa com João Antunes pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA, emitido na Antena 1, pouco depois da meia-noite, ficando disponível no podcast «Alarga a tua tenda».
LS