Paulo Rocha, Agência Ecclesia
A surpreendente eleição do presidente do Estados Unidos da América lançou um sem número de interrogações em conversas de circunstância e no debate público. Entre os vencedores e os vencidos contam-se não só os dois protagonistas, Hillary e Trump, mas também atuais e anteriores líderes políticos, do país e fora dele, meios de comunicação social, redes sociais, extremismos de esquerda ou de direita.
O inesperado remete para olhares mais distantes sobre o decurso da história, sobre tendências sociais em que todos participamos, mesmo sem darmos conta, e que estão muito para lá de episódios construídos em torno de milhões de ‘gostos’ ou dos resultados de qualquer pesquisa num motor de busca. Mas sem sucesso! Porque o futuro está a construir-se e vai continuar a definir-se a partir da popularidade de uma frase ou de uma imagem que se partilha e está na origem de bolas de neve comportamentais que permanecem por decifrar; o amanhã depende também mais da popularidade do que outros dizem do que da reflexão individual a propósito do que quero e do que convém. E, de facto, basta fazer uma pesquisa sobre qualquer assunto, relativo ao quotidiano ou ao futuro da humanidade que as pistas emergem em catadupa! E determinam decisões, orientações, votos!
A antropologia e a sociologia têm muito a dizer ao presente que vivemos e ao futuro que queremos construir. E sobretudo a filosofia e a teologia, pelas perspetivas que abrem no momento de encontrar as razões para o que acontece e pelas possibilidades de dar sentido ao que imediatamente o desconhece.
As decisões surpreendentes que resultam do voto popular mostram que em causa não estão fenómenos do acaso, resultantes de mobilizações de ocasião ou de convocatórias mediadas pelas redes virtuais, mas tendências sociais. O que acontece não se assemelha a ondas de circunstância, mas vagas de fundo cujos efeitos permanecem por descobrir.
Considerações que pouco beliscam o populismo que determinou a escolha do presidente dos EUA e quem votou ou pode vir a votar num líder ou em movimentos partidários semelhantes. Atuam em democracias adormecidas, que têm na abstenção o ambiente ideal para o surgimento de “iluminados” de promessas baratas…
Mais do que uma surpresa, os resultados surpreendentes que refletem o exercício da cidadania são expressão de mobilizações profundas, invisíveis, construídas em torno de um turbilhão de ideias, geridas com indiferença por lideranças populistas. Por esse motivo, o que se segue à eleição norte-americana gera inquietação: trata-se de uma onda provocada por vagas profundas, de alcance desconhecido. Estas, as vagas profundas, permanecem pouco faladas, mas são as que impulsionam a história, em movimento pendulares, de um extremo para o seu oposto, que têm uma consequência natural: geram sociedades pendulares. Resta saber para que extremo caminhamos…