Sociedade: «Igreja está a afastar-se da realidade das pessoas» – padre Luís Martins Ferreira

Autor do livro «O torno e o altar», padre operário que testemunhou momentos da história, recorda o percurso de proximidade e partilha com a vida das pessoas

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 07 mai 2025 (Ecclesia) – O padre Luís Martins Ferreira, autor do livro «O torno e o altar», lamentou hoje “a pastoral da selfie” e o facto de a prática cristã ter deixado de ter “no centro a pessoa de Jesus”.

“Aquele contato pessoal que o padre deve ter com as pessoas e que, por ser pessoal, vê-se no olhar, na forma do sorriso que a pessoa faz ou na atenção que a pessoa tem, este contato pessoal está-se a perder. E isso a mim preocupa-me muito, porque é uma Igreja que se afasta das pessoas, da realidade das pessoas”, lamentou à Agência ECCLESIA o sacerdote da diocese de Setúbal.

Num território que indica ter uma prática religiosa a rondar os “3% ou 4%”, o padre Luís Martins Ferreira lamenta que as pessoas “que já faltam na Igreja” não sejam acolhidas quando ali se dirigem “com atenção”.

“O padre deve ser o pai, deve ter um certo carinho do pai ou da mãe por seus filhos. Se as pessoas são recebidas de forma fria, nunca mais voltam à Igreja”, regista.

O padre Luís Martins Ferreira publicou o livro «O torno e o altar» onde recorda o seu percurso como padre operário, afirma ter estado “no local certo à hora certa” quando testemunhou o ‘Maio de 1968’ em Paris, a revolução estudantil em Coimbra, um ano depois, e a revolução de abril de 1974, em Lisboa.

Em entrevista que pode ser acompanhada no programa ECCLESIA na Antena 1, o padre, natural de São Martinho da Cortiça, na diocese de Coimbra, recorda que a esperança do Concílio Vaticano II marcou o seu percurso.

“Antes do Concílio Vaticano II, a Igreja muito virada para dentro. O mundo era o sítio onde havia o pecado e na educação dada no Seminário, eramos a tentar evitar o contato com o mundo. Não sie se tinha sido ordenado padre sem o Concílio”, regista.

A entrada no Seminário em Coimbra coincide com a eleição de João XXIII, o Papa que convocou o Concílio Vaticano II, e os “professores jovens aderiram ao espírito do concílio com entusiasmo”.

“O Vaticano II reconciliou a Igreja com o mundo. Como se dizia na altura, a Igreja passou a bater o passo com a humanidade. Todos os problemas da humanidade eram problemas da Igreja”, recorda o sacerdote.

Terminados os estudos, e antes ainda de ser ordenado sacerdote, o padre Luís Martins Ferreira quis conhecer a realidade das famílias trabalhadoras, “as dificuldades e o esforço”, e procurou empregar-se, abrindo assim caminho para se tornar padre operário, e entrar na congregação dos Filhos da Caridade.

Em 1967, faz o “caminho do imigrante” e chega a Paris para se empregar numa fábrica onde “passava nove horas em pé, num ambiente muito ruidoso”; durante a guerra Irão-Iraque foi obrigada a produzir bombas, facto que lhe causava “muitos problemas e consciência”, e mais tarde, a partir de 1972 em Portugal, a residir na diocese de Setúbal empregou-se numa fábrica em Cascais.

“Na vida escondida de Jesus, nos relatos da família de Nazaré, Jesus foi um trabalhador, um operário e, provavelmente, trabalhou na construção de cidades romanas”, indica.

Quando regressa a Portugal encontra um país “amordaçado” mas, na diocese de Setúbal, integra uma “Igreja conciliar, com padres e leigos a viver a fé cristã de acordo com o Vaticano II” e acompanha a prisão de alguns colegas sacerdotes.

O padre Luís Martins Ferreira dá conta da importância de relatar a história, vivida por protagonistas, para que o percurso dos padres operários se conte e fique registada a vontade de construir uma Igreja sinodal “antes do Papa Francisco”.

“Há uma história da Igreja em Portugal que não é muito conhecida, mas que existiu e foi muito importante. O historiador Albérico Afonso regista que entre 1970 e 1974, na região de Setúbal, os católicos foram quem mais lutou pela mudança e pela transformação da vida social e política, pessoas que integraram a JOC e a LOC”, sublinha.

A conversa com o padre Luís Martins Ferreira pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA, emitido na Antena 1, depois da meia-noite, e disponibilizado no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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