Obra Nacional realiza encontro para debater estratégias de integração. Habitação e escolaridade são áreas prioritárias
Lisboa, 17 nov 2011 (Ecclesia) – A Igreja imita o Estado na discriminação da população cigana, considera o diretor executivo da Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos (ONPC), organismo católico que esta sexta-feira inicia em Castelo de Vide o seu 38.º encontro.
Em Portugal há um “racismo subtil e estúpido que não dialoga, a começar pela Igreja”, afirmou Francisco Monteiro à Agência ECCLESIA, referindo como exemplo um padre que “deu ordens para que os cabazes de Natal não sejam dados aos ciganos”.
A atitude terá sido tomada depois de o sacerdote se ter “fartado” de trabalhar para a comunidade gitana, contou o responsável, que questiona: “Até que ponto é que nós, Igreja, temos direito a fartarmo-nos de alguém?”.
“A Igreja não quer os ciganos e convive com uma minoria, a ONPC, que resolve o espinho de lidar com pessoas que são incómodas”, diz Francisco Monteiro, acrescentando que o povo zíngaro é “frequentemente objeto de discriminação” nas estruturas católicas.
O diretor aponta dioceses onde “estranhamente” não existe um setor de apoio aos ciganos, como sucede em Braga, cujo arcebispo, D. Jorge Ortiga, foi recentemente nomeado presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana, departamento que desde 8 de novembro coordena a ONPC.
Francisco Monteiro “confia” no prelado, realça que a Conferência Episcopal apoia o trabalho da Obra Nacional e lembra que o bispo de Viana do Castelo denunciou, em outubro, as condições de vida de um acampamento cigano.
O encontro da ONPC, que decorre até domingo, tem em agenda o debate sobre as estratégias a seguir em Portugal para a inclusão dos ciganos, na sequência do programa com o mesmo objetivo que a União Europeia (UE) quer implementar até 2020.
O responsável recorda que o Comité Europeu dos Direitos Sociais do Conselho da Europa condenou Portugal, a 7 de novembro, por não assegurar soluções adequadas de habitação para os ciganos em mais de 15 concelhos.
A ONPC, que em 2012 completa 40 anos, dirige-se “sobretudo às autoridades” para resolver os conflitos: “Conseguimos converter algumas câmaras que queriam expulsar os ciganos mas voltaram atrás”, explica Francisco Monteiro.
No âmbito do ensino também subsistem dificuldades: “O grau de educação é muitíssimo baixo e a nossa luta permanente é com a escolarização”, diz o diretor, adiantando que os ciganos licenciados em Portugal “contam-se pelos dedos da mão”.
“Fiquei muito satisfeito por saber da existência de várias raparigas que estão quase a ir para o terceiro ciclo [do 7.º ao 9.º ano]. É absolutamente notável que elas continuem a estudar porque a tradição cigana transmite-se pelas mulheres”, assinala.
O trabalho de integração “tem de ser feito com a participação dos ciganos” e estes, por seu lado, “têm de mudar de atitude”, transformação que Francisco Monteiro diz ser “muito difícil”.
A realidade gitana condiciona a abordagem pastoral: “Como é que vamos evangelizar uma pessoa que mora numa barraca, que não está minimamente estruturada e que vive na maior das misérias?”, interroga.
“Vou dizer a quem me pede ajuda: ‘vai à igreja rezar para resolveres o teu problema’? Isso é gozar com as pessoas. Não digo que não o façam, mas é preciso lembrar que o espiritual radica no humano”, vinca Francisco Monteiro, salientando que a ação da ONPC tem incidido no “âmbito social”.
RJM