Sociedade: «Hoje há um mundo que fabrica pobres» – D. Nélio Pita

Novo bispo auxiliar de Braga olha para o sistema económico «que exclui», pede acolhimento aos imigrantes «com dignidade», reconhece «enriquecimento cultural e eclesial» com a chegada de comunidades diversas e afirma a sua génese de «vicentino missionário»

Foto: Agência ECCLESIA/PR

Lisboa, 26 jul 2025 (Ecclesia) – D. Nélio Pita disse que o mundo “fabrica pobres”, lamentou o modelo económico que “exclui” e a “discrepância salarial” que perpetua a indignidade de tantas vidas, e assume a vocação missionária na missão episcopal que vai iniciar.

“Como vicentino poderei dar um contributo também para que a arquidiocese de Braga encontre essas estruturas de acolhimento, de crescimento, de desenvolvimento na fé”, indica em entrevista à Agência ECCLESIA.

D. Nélio Pita vai ser ordenado bispo, numa celebração na Sé de Braga, marcada para domingo, às 16h, com a missão de auxiliar a arquidiocese de Braga, juntando-se a D. José Cordeiro e D. Delfim Gomes.

“Hoje há um mundo que fabrica pobres, há um sistema económico que produz, que favorece uma pequena percentagem da população mas onde a grande maioria vive pobre, com muitas dificuldades para pagar a casa, alimentação, ter uma vida digna. E, nesse sentido, como católicos, evidentemente, como vicentinos, estamos empenhados em superar este modelo que é desigual, desumano, anti-evangélico”, sublinha.

O responsável alude ao drama de “trabalhar oito horas por dia e não ter salário para pagar casa e alimentação” e fala numa “discrepância de salarial completamente escandalosa” e de um sistema que “favorece uma pequena percentagem da população”.

“Devemos realmente repensar no modelo económico que exclui a grande maioria do direito fundamental de ter uma habitação digna. As cidades estão vazias, na parte histórica, ou apresentam empreendimentos turísticos, obrigando muitas pessoas a deslocar-se para as periferias, mas só que as periferias também já não têm lugar para os pobres. É preciso criar condições de habitação social, habitação económica, para que as pessoas possam viver de uma forma digna. E isto deve ser um desígnio nacional, um desígnio de todos nós, porque é algo fundamental da existência humana. Não deve ser um sonho, deve ser uma utopia, deve ser algo acessível a todos”, sublinha.

D. Nélio Pita, natural da ilha da Madeira, entrou para a Província Portuguesa da Congregação da Missão, os padres Vicentinos, e emitiu os votos perpétuos no dia 25 de março de 1999, tendo sido ordenado sacerdote a 29 de julho de 2000, na Sé do Funchal.

“Os pobres não são um passatempo, fazem parte da estrutura, fazem parte do coração, são um tesouro, são um património da Igreja, desde o princípio. Desde o princípio”, mas, indicou, que por vezes são olhados como uma atividade caritativa de “fim de semana”.

Na vocação vicentina, reconhece, assim como a devoção à “Eucaristia é muito séria e é o centro da vida cristã”, também a “devoção em relação ao pobre”, uma vez que, “Cristo está na figura do pobre, na imagem do pobre”.

O novo bispo auxiliar de Braga era, desde 2022, assistente geral da Congregação, da qual tinha sido superior provincial em Portugal, e residia em Roma, recordando ter-se sentido estrangeiro e pouco acolhido quando ali chegou.

“Nos primeiros dias fui a uma paróquia celebrar a Eucaristia e como não sabia falar italiano, era tudo novo, sentei-me num banco e começou a missa. Passados uns minutos, a missa já estava no ato penitencial, uma senhora entrou, pediu-me licença e pôs-se a olhar para mim e disse ‘você está sentado no meu lugar, você está sentado no meu canto’. E disse-se de uma forma tão agressiva que eu não tive vontade de voltar àquela comunidade”, recorda.

“O outro não é um outro do outro mundo, o outro sou eu também”, resume, indicando a necessidade de acolhimento e integração da população imigrante que chega a Portugal.

O responsável reconhece serem necessárias “regras”, “o espaço é limitado”, mas indica que os mecanismos devem “ter em conta a dignidade humana” exemplificando o reagrupamento familiar como essencial.

“Sabemos que o país precisa de imigrantes, que o crescimento económico depende deles; é preciso mais humanidade na hora de criar regras que são, para os outros, tão desumanas que, se fossem essas regras aplicadas aos nossos familiares, provavelmente estaríamos aqui muito desanimados e muito escandalizados”, reconhece.

A realidade da arquidiocese de Braga apresenta uma comunidade “com cerca de 20% da população vinda do Brasil”, e D. Nélio sublinha o “enriquecimento cultural e eclesial” que isso representa.

“Há uma tensão entre a manifestação religiosa secular e tradicional, na forma de procissões, confrarias, devoções, há muitos santuários, representando um património belíssimo que não podemos descuidar, mas há ensaios para dar respostas concretas à vida das pessoas. E eles enriqueceram as comunidades cristãs. As expressões de fé são muito diferentes das nossas mas acolher pessoas com essas expressões não é uma ameaça, é um enriquecimento”, sublinha.

A entrevista a D. Nélio Pita pode ser acompanhada no programa 70×7, emitida este domingo, na RTP2, pelas 7h31.

PR/LS

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