Presidente do Conselho Fiscal da Cáritas Portuguesa recorda princípio da subsidiariedade e da dignidade humano no combate à pobreza

Lisboa, 18 mar 2025 (Ecclesia) – Guilherme d’ Oliveira Martins, presidente do Conselho Fiscal da Cáritas Portuguesa, lamentou hoje o “tempo perigoso” que o mundo atravessa, impactado pelas “consequências de tremendos cortes internacionais” no apoio ao desenvolvimento e convidou a recusar o “discurso fácil do medo”.
“É preciso que nós, Caritas, nós, cristãos, compreendamos exatamente que esse discurso que por aí anda, que é um discurso do medo dos outros, o medo da diferença, o medo da integração, o medo da diversidade, há medo relativamente a essas situações… E temos que recusar esse discurso fácil, que é o discurso de dizer cada um por si, cada um por si. Não”, afirmou durante a conferência «Retrato da pobreza em Portugal e na Europa: da Realidade à Esperança», organizada durante a Semana Nacional da Cáritas.
O responsável falou das consequências que os cortes do financiamento têm provocado, indicando o exemplo de Moçambique: “São milhões e milhões de dólares, de euros, mas isso para mim não importa. São milhões de mortos por falta do essencial. Não é apenas o problema do desemprego nos Estados Unidos, que é um grande problema, mas o problema da ajuda internacional, principalmente na África”.
“Vivemos um período perigoso e a Caritas tem aqui um papel fundamental”, indicou.
Inserida na Semana Nacional da Cáritas, que decorre até domingo, a conferência apresentou um estudo onde alerta para uma prevalência “estruturalmente elevada” de situações “extremas” de exclusão social, no país.
“Em 2024, de acordo com as estatísticas do INE, cerca de 500 mil pessoas viviam em privação material e social severa, 266 mil não tinham capacidade financeira para terem uma alimentação adequada, 649 mil não tinham capacidade para comprar roupa nova, mais de 1 milhão não tinham meios para gastar uma pequena quantia consigo e mais de 1,6 milhões não conseguia manter a casa devidamente aquecida”, refere o documento, enviado à Agência ECCLESIA.
Guilherme d’ Oliveira Martins explicou que a prevenção e o combate à pobreza se concretizam pela “subsidiariedade” e pela proximidade.
“Tomando consciência, exatamente, de que o fenómeno da pobreza é um fenómeno complexo, difícil, mas que só pode ser solucionado a partir de um empenhamento, em vários níveis, na União Europeia, nas Nações Unidas, nas nações e nos países, a nível local”, indicou.
O responsável reconheceu a globalização como “demasiado importante” para ser “ingovernada”, lamentou o agravamento das desigualdades que os avanços tecnológicos não contrariaram e convidou a “libertar os pobres”.
“O que é libertar os pobres hoje? É combater e resolver a privação, a fome, a sede, a nudez, a falta de abrigo e a falta de recursos de um modo a garantir a autossuficiência, a autonomia e a defesa do bem comum. Mas matar a fome, sendo indispensável, não conduz só por si à autonomia. Daí a necessidade de percebermos que a pobreza só pode ser prevenida, só pode ser vencida quando o pobre sai da situação de privação por seus próprios meios. A autonomia é absolutamente fundamental. Se não, estamos a criar um sucedâneo da escravidão”, sublinhou.
Guilherme d’Oliveira Martins lembrou que a dignidade humana decorre de um “desenvolvimento sustentável”, da “erradicação da pobreza” a partir do “destino universal dos bens da terra e da exigência de sobriedade”.
O combate à pobreza obriga a haver metas claras, uma definição de meios que nos permitam superar as condicionantes que nos afetam, sobretudo depois da pandemia, que agravou as disparidades, que tornou mais difíceis os objetivos anteriormente definidos e é indispensável, afinal, não baixar os braços, não cair no fatalismo e temos muito, muito para trabalhar”, finalizou.
LS
Portugal: Estudo da Cáritas alerta para elevado número de situações «extremas» de exclusão social