Sociedade: Até 2050, a maioria das pessoas vai nascer em países «onde já há fome»

Fundação Fé e Cooperação promoveu um seminário sobre «Desenvolvimento Global» para desafiar à mudança de comportamentos

Lisboa, 29 jun 2018 (Ecclesia) – O professor do Instituto Superior Agronomia (ISA) Manuel Correia afirmou hoje no seminário promovido pela Fundação Fé e Cooperação sobre «Desenvolvimento Global» que, até 2050, a maioria das pessoas vai nascer em países “onde já há fome”.

Numa intervenção a partir da questão “Será que vamos conseguir produzir alimentos para humanidade da forma que vai crescendo?”, o professor do ISA lembrou que num planeta que vai ser de 9,3 mil milhões de pessoas, 70% é urbana.

Manuel Correia realçou que, “pela primeira vez, em 2016” subiu o número de famintos e há “cada vez mais pessoas e cada vez menos comida para distribuir”.

O docente do ISA referiu que os “alimentos que se perdem entre colheita e consumo dá para 2 mil milhões de pessoas”, e que é necessário “deixar de produzir alimentos onde não são precisos”.

Durante esta sexta-feira, a Fundação Fé e Cooperação (FEC) e o Instituto Marquês de Valle Flôr promoveram um seminário dedicado ao Desenvolvimento Global, desafiando à reflexão sobre soberania alimentar, migrações e alterações climáticas, desafiando depois os participantes à ação.

Foto Guto/Amago

 

Reflexão e acção para o desenvolvimento global: síntese das intervenções

O primeiro painel foi dedicado à relação ‘Segurança e Desenvolvimento’ e Lívia Franco, professora e Investigadora da Universidade Católica Portuguesa, alertou para o “discurso pessimista que, por vezes, não tem razão de ser”.

A professora da UCP salientou que o desenvolvimento tem estado a aumentar, mas nos últimos anos também a decrescer: “desde a década de 90 a disponibilidade media do PIB tem diminuído lentamente”.

Para a investigadora, os indicadores podem “não ser tão positivos” porque nas duas últimas décadas são “menos generosos”, mas pode ser lido na perspetiva que essa diminuição do montante disponível tem sido “a evolução nessas matérias”, os países que têm precisado no último século de apoio ao desenvolvimento tem diminuído.

Como último ponto, a professor Lívia Franco explicou que considera necessário o “apoio para consenso popular”, afinal a maneira como “os recursos são alocados não depende apenas de lideranças políticas” mas da legitimidade das opiniões publicas fazem.

Já Ana Santos Pinto, do Departamento de Estudos Políticos, Universidade Nova de Lisboa, que trabalha essencialmente sobre conflitos e não desenvolvimento, em países do Norte de África e Médio Oriente, afirmou que “há 20 anos” que ouve “o mesmo discurso”, mudam os conceitos mas “a estrutura, objetivos e metas são os mesmos”.

Acabada de chegar da Argélia, a docente considera que a pergunta “é sempre a mesma”, quando “não há segurança sanitária, segurança alimentar, o preço da garrafa de água é extraordinário”: “Que desenvolvimento está a ser promovido?” e como “é possível avaliar projetos numa base administrativa, tecnocrata e burocrata”.

Ana Santos Pinto explicou que cabe à sociedade civil “a noção da responsabilização, da monitorização”, de pedir responsabilidades sobre “determinadas matérias” e avaliar a exportação de modelos.

Foto Guto/Amago

A ligação entre ‘soberania alimentar e desenvolvimento’ levou Alfredo Sendim a apresentar a Herdade do Freixo do Meio que tem a agroecologia como “modelo de interação”, afinal o modelo agrícola “é questão fundamental da sociedade”.

A herdade é uma cooperativa integral que tenta abordar o “bem comum” que tem de “servir muitas pessoas” e tem de se potenciar e ser mais produtivo onde há problemas de “diferentes tipos de utilizadores e interesses” num “espaço de diálogo”.

Neste contexto, Alfredo Sendim defendeu um investimento em atitude que só é possível em termos coletivos, em comunidade, numa lógica de “ajudar e não estar sozinho”.

“Independentemente de políticas e trabalhos é possível atuar rapidamente organizados em comunidades focados na comida, parcerias com agricultores”.

‘Migrações e Desenvolvimento’ juntou o diretor do Serviço Jesuíta aos Refugiados em Portugal (JRS Portugal) e o Alto-comissário para as Migrações que a partir do tema do seminário disse que “ação” é um verbo que “tanta falta tem feito nos últimos tempos”.

Segundo Pedro Calado para perceber o tema das migrações e refugiados, “com soluções duradouras”, importa “perceber como os indicadores se interligam em diversas zonas do planeta”.

Neste contexto, realçou que a Europa e Portugal estão envelhecidos e vive-se o “paradoxo do planeta em expansão demográfica”, num “mundo a duas velocidades”.

Na hora e meia do painel, referiu os números que apontam para 12 crianças que nascem em Portugal, mas morrem 15 pessoas, enquanto na China iam ser 3 mil e 600 nascimento e Índia 5665.

A partir dos dados, o Alto-comissário para as Migrações explicou que a “maioria” dos 7 mil milhões de habitantes “não migra”, “97% vive dentro das suas fronteiras” e os fluxos sul-sul “foram os que mais aumentaram”, sendo, na última década, a maior mulheres.

Pedro Calado, há 4 anos no cargo, realçou a importância da “memória” como “antídoto” e contabilizou que por cada estrangeiro em Portugal há “10 portugueses pelo mundo”.

“Tentamos construir uma narrativa baseada em factos, na perceção dos números e não das pessoas; O último relatório anual mostra que migrantes não consomem a nossa Segurança Social, contribuem positivamente, não tiram trabalho, e a criação de negócio é 6 vezes superior”.

Já André Costa Jorge, diretor JRS Portugal, realçou que as migrações “são matéria de grande complexidade”.

“É preciso olhar para as migrações como um dado da humanidade incontornável do presente e do futuro e é preciso olhar como realidade cada vez mais presente. Somos chamados a ter opções que promovam a dignidade da pessoa humana e olhar de forma positiva”.

Neste contexto, alertando para a “distorção sobre realidade migratória” afirmou que se pode “fazer muito mais do que os 11% de capacidade de acolhimento que a Europa tem”.

Foto Guto/Amago

André Costa Jorge realçou também dois aspetos positivos de Portugal sobre os migrantes e refugiados: “A possibilidade de criar redes de acolhimento, como a PAR – Plataforma de Apoio aos refugiados, e uma mobilização da sociedade civil sem precedentes.”

As ‘Alterações Climáticas e Desenvolvimento’ trouxeram a Portugal a italiana Giulia Bondi que pediu “politicas ambiciosas” porque é “urgente agir”.

A Climate Justice and Energy Officer da CIDSE, a rede internacional de organizações católicas para o desenvolvimento, afirmou que é preciso um “financiamento para países em desenvolvimento” que são os que “menos contribuem para a crise”, e realçou a importância de haver “mudança no setor da agricultura”.

Alertando e elencando diversos impactos originados pelas alterações climáticas, segundo Giulia Bondi, a CIDSE espera e incentiva a um alinhamento dos Acordos de Paris com a Agenda 2030 dos objetivos de desenvolvimento sustentável.

O presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável afirmou que é possível fazer uma “revolução à escala global para 100% de energias renováveis”.

O professor universitário Filipe Duarte Santos realçou que o aumento da esperança média de vida, “nunca se viveu tanto como agora”, “não só nos países desenvolvidos”, mas também em desenvolvimento, onde a educação também tem aumentado, assim como a “pobreza extrema”.

“Porque necessitamos de garantir processos de desenvolvimento coerentes, transformadores e mobilizadores?”, foi a perguntaque abriu o semináriocom o diretor da Cooperação para o Desenvolvimento – OCDE, Jorge Moreira da Silva, a reflexão de Susana Réfega, diretora Executiva da Fundação Fé e Cooperação, e Gonçalo Teles Gomes do Instituto Camões.

O encontro terminou com a reflexão sobre a “importância do Desenvolvimento Global na construção de um mundo mais justo, mais inclusivo, mais digno e mais sustentável”.

CB

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Agência ECCLESIA

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