«Só nos poderemos comunicar bem se “amarmos bem”»

Pade Miguel Neto, Diocese do Algarve

Foto Agência ECCLESIA/PR, Padre Miguel Neto – V Jornadas Nacionais da Pastoral do Turismo

“Rumo à presença plena – Uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais”[1], é o nome do Documento que o Dicastério para a Comunicação lançou, no passado dia 29 de maio. O Vaticano assume, nestas indicações que dá a toda a comunidade cristã universal, que, no presente, «a questão já não é se, mas como devemos participar no mundo digital» e que essa presença tem de assentar no mais importante dos mandamentos e valores cristãos: o amor ao próximo.

Inspirando-se na parábola do Bom Samaritano (aliás, um dos temas mais abordados e queridos do Papa Francisco), reforça-se, neste documento a ideia, já antes presente no Magistério da Igreja, mas profundamente reforçada com o atual Sumo Pontífice, de que os meios digitais são ambiente de vida. De facto, este tema tem sido profundamente refletido por inúmeros estudiosos, que os veem como forma de fazer circular o conhecimento, mas também espaços de socialização e aprendizagem (Aguaded, 2005[2]) e que, condicionando as nossas representações, tornam possível a sua partilha com os demais (Pérez Tornero, 2020[3]), para além «dos limites do espaço físico» e do tempo (Castells, 2002[4]). Neles todos podem «ser encontrados onde estão», sendo este novo mundo «parte integrante da identidade dos jovens e do seu modo de viver», mas também de todas as gerações. Aliás, esta conclusão de que existe uma barreira geracional entre nativos e imigrantes digitais já é posta, há algum tempo, em causa, por investigadores que trabalham as questões da Literacia Mediática, como Scolari et al. (2018)[5].

Nos media digitais importa, pois, estabelecer uma «comunicação profunda e autêntica», que permita que encontremos o próximo nos que connosco dialogam. E encontrar o próximo implica vencer barreiras, como o tribalismo, que nos leva a querer escutar somente aqueles que têm características, origens, gostos e preferências semelhantes aos nossos. Quer seja porque os algoritmos assim o proporcionam, quer seja porque efetivamente o fazemos de forma deliberada, somos pouco abertos ao contraditório e à diferença, mas, sobretudo, somos pouco capazes de querer um verdadeiro encontro com «”o outro”, que é diferente». E este tipo de comportamentos gera novas atitudes, que nos ferem no âmago da nossa identidade, pois ao invés de proporcionarem a tal conexão profunda e respeitosa, «uma experiência que se fundamenta no encontro mútuo, promovendo a construção da comunidade», promovem o discurso de ódio e a divisão, o insulto gratuito e a ofensa sem pejo. E todos nós conhecemos este fenómeno, que agudiza as divisões dentro da Igreja, que facilita a criação de grupos com agendas muito específicas e pouca abertura ao mundo, sempre prontos a «traçar uma linha entre “nós” e “eles”, entre “alguém que devo tratar com respeito” e “alguém que posso ignorar”» e a transformar o ambiente digital num espaço «tóxico». E, na verdade, «o estilo cristão nas redes sociais deveria ser reflexivo, não reativo», logo, ponderado.

As nossas bolhas não devem ser o único lugar onde vivemos, nem física, nem digitalmente. Deixar-se tocar é fundamental, para que cada um de nós possa «tornar-se próximo no ambiente das redes sociais» e essa atitude «exige intencionalidade», como se salienta neste documento. Ou seja, exige vontade, capacidade de sair de nós mesmos, do nosso conforto, para «ouvir bem» e «permitir que a realidade do outro nos comova». Exige, igualmente, discernimento e capacidade de nos interrogarmos constantemente, bem como «prudência» e «uma ponderação orante», que transforme a rede num «lugar rico de humanidade» e de sentido de comunidade. As redes sociais podem e devem ser lugares onde chamamos a atenção para as «Historias dos outros», sobretudo dos que sofrem, para «construir a solidariedade» e devem, ainda, permitir que se fortaleçam os laços entre os membros das comunidades, aproximando-os e levando-os a agir concertadamente, mesmo quando a distância e as dificuldades não permitem o contacto físico.

Como se diz no documento, «só nos poderemos comunicar bem se “amarmos bem”», se construirmos mensagens baseadas na verdade, em conteúdos de qualidade, com a intenção de dar a conhecer a beleza e de promover ações positivas. Todos entendemos que é preciso existir complementaridade entre as «experiências digitais e físicas» e que há um caminho a percorrer, mas é «cada vez mais urgente» envolvermo-nos nas «plataformas das redes sociais», dando sinais de quem somos chamados a ser pelo batismo, pelo amor a Nosso Senhor.

E termino, citando aquela que me parece ser a tónica na qual a Igreja pretende construir a sua presença neste “continente”, uma tónica em que acredito verdadeiramente, mas que obriga a que todos estejamos dispostos a trabalhar, a aprender, a melhorar o nosso nível de conhecimentos e competências específicas desta área, as competências da Literacia Mediática. «Em síntese, tudo o que fazemos, com palavras e ações, deveria ter em si o sinal do testemunho. Não estamos presentes nas redes sociais para “vender um produto”. Não fazemos publicidade, mas comunicamos a vida, a vida que nos foi concedida em Cristo. Por isso, cada cristão deve ter o cuidado de não fazer proselitismo, mas dar testemunho».

 

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[1] Ruffini, Paolo (2023). Rumo à presença plena – Uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais, Dicastero per la Comunicazione – Libreria Editrice Vaticana, https://www.vatican.va/roman_curia/dpc/documents/20230528_dpc-verso-piena-presenza_pt.html

[2] Aguaded, I. (2005). “Estrategias de edu-comunicación en la sociedad audiovisual”. Comunicar, (24), págs. 25-34. https://bit.ly/3W4dmgk

[3] Pérez Tornero, J.M. (2020). “Introducción”. Pérez Tornero, J.M., Orozco, G. y Hamburger, E. (Eds.) (2020). MILID Yearbook 2018/2019. Media and information literacy in critical times: Re-imagining learning and information Environments. Universidad Autónoma de Barcelona, págs. 15-17. https://bit.ly/43qR2A0

[4] Castells, M. (2002). A Sociedade em Rede. Vol. I, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian

[5] Scolari, C. A., Masanet, M. -., Guerrero-Pico, M. y Establés, M. -. (2018). “Transmedia literacy in the new media ecology: Teens’ transmedia skills and informal learning strategies”. Profesional de la Informacion, 27(4), pág. 801-812. http://dx.doi.org/10.3145/epi.2018.jul.09

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