«As atitudes de escuta, de acolhimento, de diálogo e de caminhar em conjunto são uma aquisição para a Igreja que todos desejam amplamente» – pedem participantes que saúdam processo sinodal
Lisboa, 26 ago 2022 (Ecclesia) – A síntese sinodal da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) reconhece uma Igreja “em declínio social” e lamenta que esta não tenha sabido “utilizar a força transformadora do Evangelho numa oportunidade de conversão social, valorizando uma cultura humanista”.
O documento da síntese sinodal da Igreja em Portugal, enviado hoje à Agência ECCLESIA, fala numa “atitude demasiado hierárquica, clerical, corporativa, pouco transparente, estagnada e resistente à mudança, que prioriza a manutenção da sua imagem ao invés de preservar a segurança da sua comunidade, surgindo os casos de pedofilia como o exemplo mais evidente”.
“Uma atitude algo soberba e que se mostra pouco disponível para a escuta, marginalizando os anseios e as expectativas dos membros da sua comunidade, atribuindo-lhes, demasiadas vezes, um papel de recetores passivos”, acrescenta o documento.
A síntese, “enviada para a Secretaria-Geral do Sínodo dos Bispos dentro dos prazos previstos”, foi elaborada a partir das sínteses das dioceses, grupos e movimentos”, e demais pessoas que se sentiram “interpeladas por esta dinâmica” e que, “de forma direta ou indireta foram questionados e acederam ao desafio, sem medo nem complexos”, resultando num claro desejo de uma “Igreja renovada, mais amiga dos necessitados, mais santa e mais evangélica, que propicie o envolvimento de todos”.
O documento assinala, no entanto, “maior indiferença” entre os jovens, fruto da dificuldade da “Igreja em fazer caminho” com eles, resultado também da falta de confiança no processo sinodal “por acreditar que não serão implementadas mudanças na Igreja, ao ritmo e visibilidade que anseiam”; o documento afirma que os jovens reconhecem uma “diferença existente entre o seu modo de pensar e a doutrina da Igreja Católica, referindo que a Igreja tem uma mentalidade retrógrada e desajustada dos tempos em que vivemos”.
A síntese aponta uma “Igreja espiritual e humanamente pouco inclusiva e acolhedora”, que discrimina “quem não está integrado ou não vive de acordo com a moral cristã”, evidenciando o lugar dos “divorciados, recasados e pessoas com diferentes orientações sexuais, identidades e expressões de género LGBTQi+” e lamenta que as pessoas “com deficiência, os mais pobres, os marginalizados e, consequentemente, desprotegidos”, sejam colocados em “segundo plano”, “privilegiando atitudes assistencialistas nas situações de pobreza e institucionalização nos grupos mais vulneráveis”.
O documento fala em “pouca” disponibilidade para “discutir de forma aberta e descomplexada a possibilidade de tornar opcional o celibato dos sacerdotes e a ordenação de homens casados e das mulheres”, assinalando estar ainda “muito presa a um modelo teórica e doutrinalmente assente numa conceção tradicional e assimétrica que concebe o humano a partir do masculino”.
“Uma Igreja que não considera as mulheres em igualdade com os homens na missão, sendo ambos batizados e, portanto, discípulos, e que é pouco aberta à atualização dos rituais e da linguagem litúrgica, muito fechada e codificada”, pode ler-se.
A síntese, disponível no site da CEP, crítica “os processos de tomada de decisão e escolha de lideranças”, que afirma serem “pouco transparentes e inclusivos”, e dessa forma, restritos “ao corpo composto pelo sacerdote e os leigos que desempenham uma função nos grupos paroquiais/movimentos eclesiais, geralmente tidos como um corpo demasiado elitista”, impedindo, por isso, “mudanças sociais” e capacidade de acolhimento de “pessoas novas que se aproximem e integrem nas comunidades”.
O documento assinala a falta de formação adequada dos ministros ordenados, visível na incapacidade para “responder a questões emergentes, como as que resultam da diversidade de género”, uma falta de preparação para “para lidar com os problemas humanos da vida contemporânea, quer para trabalhar com os leigos, que exigem trabalho em equipa, corresponsável e de partilha de autoridade”.
“Uma Igreja que ainda não consegue formar os seus presbíteros através da via da beleza e da cultura, tornando-os homens do seu mundo e do seu tempo, com uma dimensão humana, espiritual e social, que lhes possibilite entender e interagir com a sociedade de forma credível, madura e relevante”, pode ler-se.
O retrato apresentado na síntese fala de uma Igreja que “não se adapta aos ritmos e às exigências da família de hoje”, “desde as questões relacionadas com a vivência da sexualidade conjugal aos novos ritmos das famílias, sobretudo as que têm filhos”, e sublinha a contraceção como “um elemento contrastante entre a tradição versus a normalidade trazida pela secularização”.
Os participantes, na reflexão sinodal, apontam ainda uma Igreja “pouco atenta aos ritmos e desafios da sociedade”, inclusivamente “do ponto de vista funcional”, com “horários de funcionamento desajustados, sobrepostos e pouco convidativos a uma verdadeira participação”.
O documento assinala uma “ambiguidade relativamente a alguns movimentos e grupos, reconhecendo-se, por um lado, a existência de uma experiência espiritual positiva e, por outro, um trabalho ausente de dinâmicas de comunhão e sem diálogo” e lamentam que a Igreja não assuma “como um imperativo” a ecologia integral e a “defesa da casa comum”.
O documento foca também a falta de harmonização na definição e cumprimento dos “requisitos para o acesso aos sacramentos”, provocando disparidades que “alimentam a convicção da falta de comunhão entre sacerdotes” e propiciam a “leitura que existem dois mundos: um onde tudo é possível e outro onde tudo é proibido, com a proibição a sobrepor-se como fator negativo sobrevalorizado na perceção geral da Igreja”.
A falta de diálogo com instâncias sociais e ecuménicas, “revelador de enorme ignorância em relação a outras religiões” é também assinalado no documento que lamenta “audácia no estabelecimento de pontes entre crentes e não crentes”.
Sobre a pastoral, a síntese critica a “notória a dissociação entre o que é ensinado e o que é praticado”, uma realidade que “inviabiliza a evangelização”, focando a catequese como um “prolongamento da escola, onde se aprendem conteúdos religiosos mas não se promove o verdadeiro encontro com Jesus” e lamenta uma comunicação “deficiente para dentro e para fora”, que reage mais do que propõe, “mais informativa do que comunicativa”.
Os participantes reconhecem uma “instituição credível, presente nos locais onde ninguém ousa ir e solidária com os mais desfavorecidos, a quem presta assistência, mesmo quando falham todas as outras respostas sociais”, com destaque nas áreas da educação, saúde e apoio à terceira idade.
O documento lamenta que os Centros Sociais e Paroquiais continuem ser presididos por sacerdotes, “quando o deveriam ser por leigos competentes e contratados a tempo inteiro, motivados a estimular parcerias entre várias instituições”, e libertando os padres para “a missão pastoral na dimensão que a comunidade o exige”.
A participação no processo sinodal mostra o pedido de mudança de uma Igreja “exageradamente centrada na autoridade e ação do clero para uma Igreja sinodal e missionária, na comunhão e participação ativa de todos os seus membros” e o documento assinala que a assunção e correção de “erros do passado, como no caso dos abusos de menores, a Igreja continua a ser uma referência positiva no seio da sociedade”.
“O principal fruto do processo sinodal é o prolongamento do sínodo até o estabelecer como modo de viver na Igreja. As atitudes de escuta, de acolhimento, de diálogo e de caminhar em conjunto são uma aquisição para a Igreja que todos desejam amplamente”, pode ler-se.
O percurso para a celebração do Sínodo, convocado pelo Papa Francisco, está dividido em três fases, entre outubro de 2021 e outubro de 2023, passando por uma fase diocesana e outra continental, que dará vida a dois instrumentos de trabalho diferentes distintos, antes da fase definitiva, ao nível mundial.
LS