Reflexões do padre Timothy Radcliffe e madre Maria Ignazia Angelini apontam a «tensões» e necessidade de abertura no debate sinodal
Octávio Carmo, enviado da Agência ECCLESIA ao Vaticano
Cidade do Vaticano, 01 out 2023 (Ecclesia) – Os participantes na próxima assembleia sinodal, convocada pelo Papa, iniciaram hoje um retiro espiritual de três dias, com alertas para um “tsunami de solidão” de pessoas que precisam de ver na Igreja uma “casa espiritual”
“Precisamos de renovar a Igreja como a nossa casa comum, se quisermos falar a um mundo que está a sofrer de uma crise de falta de lar”, indicou o padre Timothy Radcliffe, antigo ministro-geral dos Dominicanos, um dos orientadores deste retiro, pedido por Francisco.
A poucos dias do início da primeira sessão da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos (4-29 de outubro), o religioso admitiu que a “tensão” tem marcado o processo lançado pelo Papa, em 2021, com uma consulta global às comunidades católicas.
“Para alguns, a ideia de um acolhimento universal, em que todos são aceites, independentemente de quem são, é sentida como destrutiva da identidade da Igreja. Acreditam que a identidade exige limites. Mas para outros, a abertura é o cerne da identidade da Igreja”, acrescentou Timothy Radcliffe.
Os membros, delegados e convidados especiais para a próxima assembleia sinodal reuniram-se na ‘Fraterna Domus’, em Sacrofano, cerca de 25 quilómetros a norte de Roma, desde a noite de sábado até à tarde de 3 de outubro.
Numa reflexão transmitida pelo canal do Vaticano no YouTube e enviada aos jornalistas, o religioso dominicano sustentou que a tensão esteve “sempre no centro da fé”.
“O Velho Testamento mantém duas coisas em perpétua tensão: a ideia da eleição, o povo escolhido de Deus, as pessoas com quem Deus habita. Esta é uma identidade que é valorizada. Mas também o universalismo, a abertura a todas as nações, uma identidade que ainda não foi descoberta”, detalhou.
O padre Radcliffe admitiu que o grupo de participantes chega ao Sínodo com expectativas “contraditórias”, considerando, no entanto, que essa realidade “não precisa de ser um obstáculo intransponível”.
“Temos de lembrar-nos daqueles que ainda não se sentem em casa na Igreja”, apelou, desejando que estas pessoas “deixem estar à margem, passando a estar no centro”.
O retiro tem também como orientadora a madre Maria Ignazia Angelini, monja da Abadia de Viboldone (Itália), que na sua reflexão inicial, esta manhã, considerou que uma Igreja sinodal é mais do que “troca de opiniões” ou de conversas, mas um regresso “à origem”, ao fundamento do ser cristão.
“É assim que, tomada pelo espanto, a memória gera futuro. E o beco que nos parecia sem saída abre-se para mostrar horizontes inesperados da vida”, declarou.
A religiosa falou numa mensagem que é para “todos”, a começar pelos “pecadores, os pequenos”, que esperam pelo “olhar de Deus sobre as suas vidas.
“A experiência regeneradora leva irresistivelmente a pessoa que reza a chamar outros para o encontro, a iniciar uma procissão, uma viagem festiva – um sínodo, poderíamos dizer”, acrescentou.
O programa de três semanas da assembleia sinodal começa com a Missa presidida pelo Papa, a 4 de outubro, e inclui uma peregrinação (12 de outubro), uma oração pelos migrantes e refugiados (19 de outubro) e a recitação do Rosário nos jardins do Vaticano (25 de outubro).
Os trabalhos vão decorrer em volta de cinco pontos, sobre as quatro partes do instrumento de trabalho e o debate conclusivo.
As reflexões são desenvolvidas em 35 grupos de trabalho linguístico (círculos menores), constituídos por 11 pessoas e um “facilitador”, incluindo um grupo de língua portuguesa.
Aos 365 votantes somam-se, sem direito a voto, 12 representantes de outras igrejas e comunidades cristãs (delegados fraternos), oito convidados especiais e colaboradores da Secretaria-Geral do Sínodo.
Outras 57 pessoas, entre elas 20 mulheres, vão participar como peritos, à imagem do que acontecia no passado, ou “facilitadores”, ou seja, “pessoas especializadas cuja missão é facilitar os trabalhos nas diferentes fases”, sem direito a voto.
A primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos tem como tema ‘Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão’; Francisco decidiu que a mesma terá uma segunda sessão, em 2024.
O Sínodo dos Bispos pode ser definido, em termos gerais, como uma assembleia de representantes dos episcopados católicos de todo o mundo, a que se juntam peritos e outros convidados, com a tarefa ajudar o Papa no governo da Igreja.
Parceria Consistório e Sínodo/OC