Clara Vilhena analisa o impacto do IVA zero e indica que o número de pessoas em situação de sem-abrigo está a aumentar na região
Lisboa, 16 abr 2023 (Ecclesia) – A coordenadora do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo da Cáritas Diocesana de Setúbal considera que o IVA zero “pode ajudar” mas não é suficiente é e disse que “o Estado tem de intervir” no mercado da habitação, que está a atirar famílias para a rua.
Em entrevista à Renascença e à Agência ECCLESIA, Clara Vilhena alertou para os pedidos de ajuda que chegam à Cáritas de “famílias com crianças que ficaram desalojadas por causa do mercado da habitação”.
“Isto é como se fosse um vulcão e eu acho que estamos agora a entrar na problemática, mesmo”, afirmou a diretora técnica da Cáritas Diocesana de Setúbal, lamentando que não se tenha avançado com medidas de regulamentação do mercado imobiliário, assim como com a construção de habitação social.
Clara Vilhena alertou para o aumento de pessoas em situação de sem-abrigo, onde se incluem também pessoas que trabalham e têm o seu ordenado, mas que é insuficiente para suportar a renda da casa e a alimentação, nomeadamente mulheres.
“Nós temos pessoas a pedir ajuda a nível alimentar que trabalham, têm o seu ordenado, o ordenado mínimo, mas tem o seu ordenado. Mas, como pagam um valor de 450 EUR de renda de casa, não lhes permite fazer face depois à alimentação. E, neste momento, é o que mais nos preocupa, pois são famílias inteiras, inclusivamente com crianças”, afirmou a diretora técnica da Cáritas de Setúbal.
A nossa preocupação tem a ver agora com estas novas famílias que nos chegam, porque as nossas respostas não estavam direcionadas para este tipo de população”.
Diante do aumento da procura de casa, a Cáritas Diocesana de Setúbal avançou com duas respostas sociais: em 2021, os apartamentos partilhados e, em 2022, o “housing first”.
No projeto de apartamentos partilhados, a Cáritas “aluga o apartamento e depois as pessoas que nós acompanhamos pagam um x por um quarto”.
“Só para ter assim uma ideia, quem recebe o rendimento social de inserção, que agora subiu para 200 euros, paga 75 EUR do quarto”, sendo o restante suportado pela Cáritas, que tem um protocolo com a Segurança Social.
Apesar de resultar também de um protocolo com a Segurança Social, a Cáritas de Setúbal ainda não recebeu apoios para a concretização do projeto “housing first”, que tem uma metodologia “completamente diferente” da que é usada em respostas sociais para pessoas em situação de sem abrigo.
“Este projeto do ‘housing first’ são casas em que as pessoas que estão na rua entram diretamente para as casas e a partir daí é que nós começamos a trabalhar com elas outras questões como a da saúde”, referiu.
A Cáritas de Setúbal, que alugou 5 apartamentos para concretizar o projeto “housing first” e a autarquia sadina disponibilizou uma habitação, espera a concretização do apoio da Segurança Social para poder ajudar “muitas mais famílias” a ter um teto.
“O que nós sentimos com a atribuição de casas é que a casa dá segurança, e é a partir dessa segurança que nós conseguimos fazer outro tipo de trabalho”, afirmou.
Clara Vilhena lembrou que, para ter rendar mais baixas, “não têm um contrato de arrendamento” e, quando o proprietário pretende vendar a casa “ficam desprotegidas”.
A diretora técnica da Cáritas de Setúbal denunciou também que os preços de aluguer dos quartos “dispararam” e impedem o acolhimento de pessoas que estão na rua, nomeadamente a partir de Maio, com a chegada dos turistas.
“Neste momento, em Setúbal, o apoio da Cáritas é o único para estas pessoas que chegam ao fim da linha, ou seja, que chegam à situação da rua. E não temos resposta suficiente”, lamentou.
Mas nós não temos resposta! E isto é um sentimento de impotência que, no dia a dia, começa a ser muito complicado, para conseguirmos gerir o estar permanentemente a dizer, ‘eu não tenho vaga’, ‘não tenho sítio onde colocar essa pessoa’”.
Clara Vilhena considera também que a entrada em vigor o diploma que introduz o IVA zero para mais de 40 bens essenciais por um período de meio ano, esta terça-feira, é uma medida que “pode ajudar”, mas não é suficiente e o fundamental é garantir um teto para as pessoas, sobretudo as famílias.
“Este tipo pessoas de que eu falo, mais do que a alimentação – porque para alimentação, as instituições ainda se vão organizando e vão conseguindo dar uma resposta. Pode não ser uma resposta total, mas vamo-nos conseguindo organizar – a grande questão é mesmo o teto, estas pessoas terem um teto”, afirmou.
Clara Vilhena lamenta as desigualdades sociais crescentes na sociedade, com “uns a encherem-se mesmo numa altura em que outros estão a empobrecer cada vez mais” e afirma estar “muito apreensiva” com o agudizar da crise que atinge cada vez mais pessoas.
Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença) e Paulo Rocha (Agência Ecclesia)
PR