Setúbal: Homilia de D. Américo Aguiar na celebração da Paixão do Senhor

Foto Ricardo Perna/Diocese Setúbal

Irmãs e irmãos em Cristo, saudações fraternas a todos, todos, todos.
Escutar a Palavra de Deus é sempre o melhor caminho que podemos percorrer neste acompanhamento que nos propomos fazer em cada Tríduo Pascal. Um caminho que precisa da nossa presença, da nossa escuta atenta, mas, acima de tudo, dos nossos corações abertos. A Páscoa de Jesus é o maior gesto de Amor que a Humanidade já conheceu. E o mais extraordinário é que este gesto de Amor é-me entregue todos os dias, é entregue a cada um de vós, minhas irmãs e irmãos, todos os dias. Numa entrega permanente que não conhece fronteiras, nem é limitada no tempo. Hoje, Sexta Feira Santa, os nossos olhos, ouvidos e coração, contemplam a Cruz de Nosso Senhor.

Ouçamos então as palavras de Paulo, na sua Primeira Carta aos Coríntios:
«Pois a mensagem da cruz é loucura para os que perdem; para os que se salvam é força de Deus. (…) Deus dispôs salvar os fiéis pela loucura da cruz. Porque os judeus pedem sinais, os gregos procuram sabedoria, ao passo que nós anunciamos o Messias crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os pagãos; mas para os chamados, judeus e gregos, um Messias que é força de Deus e sabedoria de Deus. Pois a loucura de Deus é
mais sábia que os homens, a fraqueza de Deus é mais forte que os homens (…) Deus escolheu os loucos do mundo (…) Deus escolheu os plebeus e desprezados (…). Graças a Ele, vós sois de Jesus, o Messias, que se tornou para vós sabedoria de Deus, justiça, consagração e resgate. Assim se cumpre o que está escrito: Quem se gloria, glorie-se no Senhor». (1 Coríntios 1 18-31.)
«Aprouve ao Senhor esmagar o seu servo pelo sofrimento. Ele foi trespassado por causa das nossas culpas e esmagado por causa das iniquidades» (Isaías)
«Apesar de ser Filho, aprendeu a obediência no sofrimento. E, tendo atingido a sua plenitude, tornou-se para todos os que Lhe obedecem, causa de salvação eterna.» (Hebreus)

A celebração de hoje faz-me viajar na memória e na saudade da Peregrinação dos Símbolos da Jornada Mundial da Juventude, por todas as dioceses de Portugal. Tenho gravadas na mente e no coração imagens que peço ao Senhor para nunca me esquecer. Uma CRUZ e um quadro com uma pintura de Nossa Senhora com o Menino Jesus. Uma simples cruz e uma réplica do ícone que existe na Basílica papal de Santa Maria Maior, em Roma, onde o Papa Francisco se desloca para oração no inicio de cada viagem, e no seu regresso, oferecendo flores à Mãe do Céu, e que para os nossos irmãos romanos é de grande devoção com o titulo de “SALUS POPULI  ROMANI”, a Protetora do Povo Romano.

Mas coloquemos agora os olhos e o coração na CRUZ…
No próximo dia 14 de abril comemoram-se quarenta anos do primeiro grande Encontro dos Jovens, no contexto do Ano Santo da Redenção, que constituiu o gérmen das futuras Jornadas Mundiais da Juventude. No fim daquele Ano Jubilar, em 1984, São João Paulo II entregou a Cruz aos jovens ali presentes, com a missão de a levarem a todo o mundo, como sinal e memória de que só em Jesus morto e ressuscitado há salvação e redenção. Como bem sabeis, trata-se duma Cruz de madeira sem o Crucificado, desejada assim, para nos lembrar que celebra sobretudo, o triunfo da Ressurreição, a vitória da vida sobre a morte, para dizer a todos: «Por que buscais o Vivente entre os mortos? Não está aqui; ressuscitou!» (Lc 24, 5- 6).

No passado dia 25 de março, o Papa Francisco escreveu aos Jovens, no V aniversário da CHRISTUS VIVIT: «E vós, contemplai Jesus assim: vivo e transbordante de alegria, vencedor da morte, um amigo que vos ama e quer
viver em vós.»
«Vivo e transbordante de alegria» …Como não agradecer a Deus, a graça de testemunharmos e vivermos o pontificado de Francisco, o homem que assim nos anuncia Jesus?! Mas voltemos à Cruz. Em todo o Portugal, sul e norte, interior e litoral, continente e ilhas, foram milhares e milhares os olhares e os toques que interagiram com a Cruz do Senhor. Acompanhei todo este caminho de Fé, de Alegria, de Emoção, de Interioridade, de lágrimas, de cânticos e de silêncios. E permitam-me lembrar, com emoção e respeito, os olhares dos nossos irmãos reclusos do Estabelecimento Prisional de Lamego. Rostos que, nesses segundos de eternidade, se transfiguraram verdadeiramente. Por segundos, consegui vislumbrar os olhares dos discípulos à volta do Mestre, de Lázaro, de Maria Madalena…
Não posso contabilizar quantos tocaram, quantos se deixaram tocar. Mas sei que o Senhor, pela Sua CRUZ, tocou no íntimo do coração e do ser a todos, todos, todos. E acredito que muitos de vós, que prepararam e viveram a Peregrinação dos Símbolos nesta nossa Diocese, sentem esta mesma certeza: por onde passa Jesus, nada permanece igual.

Permitam-me partilhar a letra de um hino para a Adoração da Cruz, musicado com mestria pelo Cónego Ferreira dos Santos, da Diocese do Porto, que nestes dias me emociona e eleva.
Não a sei cantar, mas acompanha-me sempre neste dia:
Ó Cruz fiel árvore
entre todas a mais nobre,
nenhum bosque tal produz em folhagem flor e fruto.
Doce lenho, doces cravos, doce peso sustentais…
Ó Cruz, Ó minha cruz, nossa, de cada um e de cada uma…cruz fiel, doce
lenho.
Deixemo-nos nós, hoje e aqui, tocar pela Cruz.
Deixemo-nos transfigurar com o transfigurado.

As últimas palavras de Jesus na Cruz revelam-nos o abandono total, a confiança mais pura, mais plena, a confiança que conhece a imensidão do Amor de Deus e que assim se entrega.
«Pai nas Tuas mãos entrego o meu Espírito.»
Entreguemo-nos nas mãos do Pai. Entreguemos as nossas vidas, os nossos medos e angústias. Entreguemos os nossos doentes, os nossos presos, os que sabemos que passam fome ao nosso lado. Entreguemos as nossas famílias, os nossos amigos e aqueles de quem não gostamos tanto. O mistério da Cruz abraça todos por igual. No sofrimento, tal como na alegria transbordante de que nos fala o Papa Francisco, todos somos Filhos muito amados, irmãos em Cristo Jesus.
Este é o tempo de nos darmos por inteiro ao povo que nos está confiado e de nos darmos uns aos outros como irmãos.
Que Nossa Senhora da Graça rogue por nós.
+Américo, Cardeal
Bispo de Setúbal

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