Padre Vítor Pereira, Diocese de Vila Real
De vez em quando, lá vão deixando escapar: «eu até ia à missa, mas aquilo também é sempre a mesma coisa, a missa é uma seca». Até os pais que têm os filhos na catequese, quando questionados sobre o escândalo que é andar na catequese e não ir à missa – eu digo mesmo escândalo, porque catequese que não chega à missa do Domingo e à comunidade é uma aberração, é uma catequese incoerente e sem sentido, é uma catequese de pernas para o ar – lá vão dizendo também: «O meu filho diz que a missa é uma seca». Não é o filho que diz. De certeza que já o ouviu muitas vezes aos pais e no seu grupo de amigos e até da boca de muitas pessoas que se dizem cem por cento católicas.
Saberão muitos católicos por que é que se vai à Missa e como se deve ir à Missa? É um sacrilégio dizermos uma coisa destas! Como é possível que a celebração do maior acontecimento da vida de Jesus Cristo, logo também dos cristãos, que trouxe salvação, vida nova, libertação, paz e reconciliação à vida de todos e do mundo, seja visto como uma seca? Como é possível que a atualização do maior gesto de amor que jamais alguém teve pelos outros e pela humanidade seja encarado quase como insignificante e merecedor de desprezo? Como é possível que cristãos que receberam o batismo e aprofundaram a sua fé na catequese (será que sim?) não tenham gosto em estar com Jesus Cristo ressuscitado na Eucaristia e ouvir a sua palavra, e não tenham gosto de se encontrar uns com os outros, à volta daquele que é a fonte da vida? Como é possível?
Na verdade, este pobre e triste desabafo de muitos cristãos põe a nu, mais uma vez, a falta de formação, a falta de maturidade e a falta de espiritualidade de muitos cristãos, que nunca, possivelmente, na sua vida entenderam uma missa, que muito provavelmente foram «obrigados a ir à missa», mas nunca entraram na beleza do seu mistério. Temos assim muitos cristãos. A missa acaba por sofrer com alguns defeitos deste tempo: ausência de vida interior e de espiritualidade, falta de oração e de contemplação na vida das pessoas, dificuldade em fazer e viver o silêncio, pouca reflexão e incapacidade para pensar, falta de atenção e de concentração, indisciplina mental, tédio pelo excesso de oferta, afastamento da linguagem simbólica. Para além disto, temos depois as características deste tempo, que não deixam entrar na vivência da eucaristia: individualismo, que tolda e atrofia a capacidade de se viver para um ideal e de pensar e viver para os outros, para a comunidade; o hedonismo, que confunde alegria e festa e até celebração só com euforia, prazer, sensação e diversão; a valorização excessiva do movimento, que vai convencendo tudo e todos que só aquilo que põe as pessoas aos pulos e aos gritos é que tem graça, sendo até «original» e «inovador», sendo o seu contrário uma «seca» ou cinzentismo. Enfim, a textura da suave superficialidade que vai reinando um pouco na vida de todos.
Saberão muitos cristãos o que vão fazer à missa? A Eucaristia é o sacramento central da vida dos cristãos e da vida da Igreja. Como diz o Vaticano II, ela é o cume e a fonte da vida da Igreja: é dela que parte e nasce a vida do cristão e da Igreja e é para chegar a ela que tudo se faz e desenvolve. Foi instituída por Jesus Cristo (não somos nós os donos e os protagonistas da eucaristia) para celebrarmos o principal acontecimento da sua vida, o seu sacrifício na cruz e a sua ressurreição, e para Ele mesmo se encontrar e alimentar, fortalecer e constituir a sua Igreja. Em ordem a isto, está organizada em duas partes, em duas mesas, de que somos os felizes convidados: liturgia da palavra, em que nos é servido o pão da Palavra de Deus, para ser escutada, ruminada e vivida por todos, e a liturgia eucarística, parte em que se atualiza o sacrífico e a entrega de Jesus a Deus Pai na cruz, ao qual nos unimos com a nossa vida, o nosso ofertório, e em que damos graças a Deus e apresentamos a Deus as necessidades da Igreja e do mundo, atingindo esta parte o seu ponto culminante na comunhão, momento em que a Igreja é unida a Cristo e constituída como seu corpo e se torna Povo de Deus. Repare-se no que celebramos em cada Eucaristia!
Muitos cristãos argumentarão que até têm consciência dos grandes momentos e dos grandes acontecimentos da Eucaristia, mas que fica sempre a sensação que é sempre a mesma coisa. Não é, meus amigos. Em cada Eucaristia é-nos servida uma palavra sempre diferente, sempre nova e interpeladora, e cada Eucaristia é sempre um novo encontro e uma nova ação de Cristo em nós. Se calhar, muito provavelmente, o problema está em nós, que não vivemos uma vida centrada em Jesus Cristo e no seu Evangelho e vamos para a Missa sem motivação, sem vontade em estar com Cristo e de receber dele para viver melhor e sem vontade para crescer e viver mais para Deus, para os outros e para Igreja. É verdade que ela se celebra sempre da mesma forma, mas não é sempre a mesma coisa. Nem tudo que se faz sempre da mesma maneira é uma seca. Se assim fosse, então temos de chegar à triste e desoladora constatação de que toda a nossa vida é uma seca: dormimos todos os dias na mesma cama, comemos todos os dias na mesma mesa, habitamos sempre na mesma casa, vamos todos os dias ao mesmo café, estudamos sempre na mesma escola, juntamo-nos sempre nas mesmas ruas e nos mesmos lugares, celebramos os anos sempre da mesma maneira, fazemos tanta coisa sempre da mesma maneira. E, no entanto, a nossa vida não é uma seca. Importa, sobretudo, é o sentido, a motivação e a finalidade que pomos naquilo que fazemos.
Em tempos, o arcebispo de Nova Iorque contava: «Um homem contou-me, uma vez, sobre o seu jantar de domingo em família, a melhor parte da semana enquanto cresceu. A comida era ótima, porque a sua mãe cozinhava tão bem, e todos eram muito felizes, porque o pai estava sempre presente! Mesmo depois de casar e de ter os seus próprios filhos, todos iam a casa dos pais para aquele jantar de domingo. Quando os filhos ficaram um pouco mais velhos, perguntaram se “tinham de ir,” porque às vezes achavam o jantar um bocado “chato”. Sim, respondia, têm que ir, porque não vamos pela comida, mas por causa do amor, porque a mãe e o pai estão lá! Sentia uma angústia enquanto se lembrava que, conforme a mãe e o pai foram envelhecendo, a comida já não era assim tão boa e nem a companhia era tão agradável, mas ele nunca faltou, porque aquele acontecimento de domingo tinha uma enorme profundidade de sentido mesmo quando a mãe queimava a lasanha e o pai dormitava. E agora, concluiu, daria tudo para estar lá novamente, porque a mãe morreu e o pai está num lar. Por isso, ele e a sua mulher são agora os anfitriões e esperam ansiosamente que, um dia, os seus filhos tragam também os seus cônjuges e os seus próprios filhos para a sua mesa ao domingo. É que o valor daquele jantar de domingo não depende de quão boa é a comida; de quão caro é o vinho; de quão interessante é a conversa. Tudo isso ajuda, com certeza, mas é o acontecimento em si que tem o real valor».
Este homem diz-nos a todos como sabia sempre bem aquele encontro e aquele jantar sagrado, à volta do pai e da mãe. Que saudades sentia daquele jantar! Era sempre no mesmo dia e da mesma maneira, mas era sempre novo. Daria tudo para estar lá novamente, todos os Domingos, com o pai e a mãe. Como eram tão bons aqueles momentos familiares! Experimentavam e aprofundavam a alegria de serem família e de se terem uns aos outros. É até aqui que muitos cristãos ainda não chegaram.
Na celebração da eucaristia, celebramos a admirável obra de Jesus Cristo e o grande amor de Deus pela humanidade. Como celebração sagrada, ela tem de ser expressão do sagrado, do transcendente e da santidade de Deus. Não podemos ceder à tentação de a querermos domesticar como muito bem nos apetece, com invenções e improvisos tontos e com teatralidade para divertir, intoxicando-a com o ruído do mundo e com a nossa mediocridade. Ela não é nossa, é de Cristo e para ser sempre expressão da beleza e da grandeza do seu amor e da sua vida. No livro «Diálogos Sobre a Fé», o Cardeal Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI, afirma: «A liturgia não é um show, um espetáculo que necessite de diretores geniais e de atores de talento. A liturgia não vive de surpresas simpáticas, de invenções cativantes, mas de repetições solenes. Não deve exprimir a atualidade e o seu efémero, mas o mistério do sagrado. Muitos pensaram e disseram que a liturgia deve ser feita por toda a comunidade para ser realmente sua. É um modo de ver que levou a avaliar o seu sucesso em termos de eficácia espetacular, de entretenimento. Desse modo, porém, terminou por dispersar o proprium litúrgico, que não deriva daquilo que nós fazemos, mas do facto de que acontece. Algo que nós todos juntos não podemos, de modo algum, fazer. Na liturgia age uma força, um poder que nem mesmo a Igreja inteira pode atribuir-se: o que nela se manifesta é o absolutamente Outro que, através da comunidade (que não é, portanto, dona, mas serva, mero instrumento), chega até nós.» Não é a eucaristia que é uma seca. Nós é que talvez andemos secos e acabamos por espalhar a nossa secura em tudo o que tocamos e vivemos.