José Augusto Leitão, svd Bento XVI publicou a sua terceira encíclica dedicada ao desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade: "Caritas in veritate".
É uma reflexão profunda que apresenta a Doutrina da Social da Igreja, tendo como base a encíclica de Paulo VI: "Populorum progressio" (1967) e a sua noção de desenvolvimento do "Homem todo e todo o homem".
O contexto actual da globalização e da crise económico-financeira justificam uma reflexão nova que nasce da fé e da razão dum Pastor com coração e solicitude universal.
Como homem de fé, Bento XVI, alerta para os perigos dum humanismo sem Deus, nem referência ao "mais" da transcendência: "Um humanismo que exclui Deus é um humanismo desumano. (…) O amor de Deus chama-nos a sair daquilo que é limitado e não definitivo, dá-nos coragem de agir continuando a procurar o bem de todos" (nº78). Quem perde o sentido de Deus, facilmente cai no relativismo, no laicismo e na idolatria da técnica e da ciência. Por outro lado, o fundamentalismo ou expressões religiosas que negam o valor da criação alienam-nos da construção do bem comum. Só a caridade na verdade, que nasce da fé no Deus Trindade, nos pode ajudar a superar a visão materialista da realidade e a reconhecer no outro um irmão, membro da mesma família que chama a Deus: Pai-Nosso (cf. nº71, 79).
O Papa, convida-nos ao discernimento guiado pela razão, pois o desenvolvimento integral e universal é uma vocação que exige uma boa fundamentação ética, uma análise interdisciplinar e uma participação responsável de todos. "O actual quadro do desenvolvimento é policêntrico" e devemos libertar-nos das "ideologias que o simplificam" (nº22). Daí a importância da formação e da educação para o desenvolvimento e a sensibilidade para o bem comum, baseados na caridade e na verdade. "A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos" (nº 19).
O desenvolvimento deve ser integral e universal, inclusivo e participativo, subsidiário e solidário, justo e amigo do bem comum, ecológico e sustentável, fundado no amor e na verdade. Por outro lado, Bento XVI identifica algumas opções que não contribuem para o desenvolvimento e que enumero sumariamente: o assistencialismo e a dependência, a exclusão e o monopólio, a exploração e especulação, a ilegalidade e a corrupção, a falta de transparência e o autoritarismo, a violência e a procura desenfreada do lucro, as políticas contra a vida e o meio ambiente, as relações desiguais por motivos culturais, religiosos, de poder ou tecnológico.
Como membro de uma organização missionária (Rede Fé e Justiça Europa-África – AEFJN) que procura mais justiça nas relações entre a Europa e a África, gostei de ler que a doutrina social da Igreja é um elemento essencial da evangelização: "O testemunho da caridade de Cristo através de obras de justiça, paz e desenvolvimento faz parte da evangelização, pois a Jesus Cristo que nos ama, interessa o homem inteiro." (nº 15)
A encíclica aprofunda temas como a globalização, o mercado, o ambiente e a técnica: "É preciso empenhar-se sem cessar por favorecer uma orientação cultural personalista e comunitária, aberta á transcendência, do processo de integração mundial" (nº 42).
O ser humano, presente e futuro, é o centro de todas estas reflexões: "Nas intervenções em prol do desenvolvimento, há que salvaguardar o princípio da centralidade da pessoa humana, que é o sujeito que primariamente deve assumir o dever do desenvolvimento" (nº47). Por isso, o Papa preocupa-se com as desigualdades entre pessoas e povos, as migrações e o desemprego, o turismo e exploração sexual, a falta de respeito pelos direitos humanos, a deslocação de empresas, as formas de participação da sociedade civil, a regulação nacional e internacional do mercado, a interacção das culturas e a paz, a fome e a pobreza, o acesso à água e à educação, o respeito pela vida e pela liberdade, a bioética, a finança ética e o microcrédito, os meios de comunicação social e a democracia económica.
A cooperação e ajuda internacional têm neste documento critérios e análises fundamentais para uma reflexão e avaliação das práticas dos Estados, empresas e organizações não governamentais (cf. Nº 47, 57-60).
Termino, citando um parágrafo com o qual a AEFJN se identifica totalmente: "Sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para actuar o princípio da responsabilidade de proteger e para atribuir às nações mais pobres uma voz nas decisões comuns" (nº 67).
José Augusto Duarte Leitão, svd, Responsável da AEFJN Portugal