Jorge Teixeira da Cunha, Diocese do Porto
A cada passo se discutem as razões da popularidade dos jogos sociais no nosso país. A evidência dessa popularidade é intrigante. A vontade de jogar não é de hoje. Pode-se comprovar que vem de longe esse gosto pelo jogo. Seja o jogo da lotaria, sejam as apostas desportivas relativas a jogos de futebol ou outras corridas, tudo serve para promover apostas e tentar a sorte. Onde aprenderam os portugueses o gosto pelo jogo? Tê-lo-ão trazido das suas voltas pelo mundo? Terá sido desenvolvido ao longo do tempo, tendo em conta algum modo de ser que justifica esse comportamento. Reparemos que o jogo não é só informal, mas é também um sistema implantado e habilmente explorado por um organismo oficial, uma empresa pública, que tem o monopólio da actividade e até é sucessora de uma conhecida instituição de caridade. O que leva os portugueses a gastar o que têm e, às vezes, o que não têm, na esperança de um ganho, cuja promessa é amplamente promovida por uma publicidade cuidada e massiva?
O ímpeto para o jogo é um velho tema da literatura. A pessoa que se deixa cair no vício do jogo está na base de muitas personagens de ficção. De um modo geral, o jogo é um elemento desestruturante da personalidade, encaminhando o seu sujeito para desfechos trágicos ou, pelo menos, para o plano inclinado que leva nessa direcção.
Alguma vez, os estudiosos de ética social se interessaram pela moralidade do jogo. Recolher uma pequena quantia de muitos apostadores e distribuir o produto acumulado por um ou por alguns deles tem uma remota ideia de graça e de justiça. A ideia de graça pode ser vista na expectativa, um pouco apocalíptica, de um bafejo inesperado da fortuna que alguma vez recompensa de maneira desmedida alguém. Justiça, no caso do jogo, é uma remota alusão a que cada um terá o que lhe é devido, tendo em conta que todos terão a sua vez de ganhar. Mas a raridade das contemplações do jogo e a distensão no tempo da vez da grande maioria dos jogadores torna quase completamente inoperante esta alusão do jogo a uma ideia de justiça.
O jogo, portanto, não tem uma justificação ética convincente e a sua moralidade é duvidosa. Com é possível então que seja promovido, a nível oficial, no nosso país um sistema de jogos sociais que levam alguns à ruína, que distribuem ilusões pela maioria dos que jogam, que induz à dependência doentia um grande número? A ideia de centralizar os jogos num organismo oficial visa certamente evitar a exploração clandestina do jogo e destinar o produto financeiro do jogo para causas de manifesto interesse, como as obras sociais e a sustentação de instituições de saúde. De qualquer modo, este raciocínio é muito resvaladiço e não pode ser usado pela instituição estatal que se funda na justiça e não pode sustentar-se na ideia de que de um mal pode resultar um bem. Por isso, não parece legítimo que uma instituição pública jogue com a legitimação do jogo nem justifique o aumento da promoção do jogo com causas de utilidade para o bem comum.
Mas a pergunta permanece: o que leva os portugueses, e outros povos, a apostar em jogos de sorte e azar com tanta dependência? A nosso ver, essa tendência contém em si uma ânsia e um protesto. Uma ânsia que mostra a nostalgia da justiça, uma justiça que tarda em triunfar, uma justiça social que será mesmo impossível de conseguir nesta vida. Jogar significa confiar num absoluto de substituição, talvez num ídolo. Por outro lado, há no jogo um protesto contra as condições reais da vida, um protesto contra a pobreza, tanto merecida como imerecida, um grito de alma contra uma instituição estatal que não funciona, contra uma organização económica madrasta e corrupta, e até um testemunho do jogador contra si próprio, enquanto incapaz de se empenhar com força em ganhar honestamente a sua vida.
O jogo mostra mais o nosso pior do que o nosso melhor. Importa robustecer as energias do espírito contra entropia do jogo e a tragédia do vicio que leva em si. A verdadeira atitude religiosa pode dar um grande contributo para isso.