Seminários, coração das dioceses

O padre José Miguel Barata Pereira, reitor do seminário dos Olivais de Lisboa, explica os objetivos da Semana dos Seminários, que decorre de 10 a 17 de novembro

Agência Ecclesia (AE) – O que pretende a Igreja ao propor uma semana de reflexão especificamente nesta instituição seminário?

Padre José Miguel Barata Pereira (JMBP) – É uma chamada de atenção para uma realidade que é de todo o ano e de todos os dias, o seminário como casa de formação que os documentos da Igreja chama de “coração da diocese”, onde se formam os sacerdotes para o serviço em cada tempo do povo de Deus mas chamar a atenção de uma forma mais cuidada para a necessidade de rezarmos pelos seminários, de cuidarmos do sentido vocacional na vida, nas famílias e nas comunidades.

De partilharmos os bens espirituais e materiais com estas casas de formação que vivem da generosidade do povo de Deus e portanto de cuidarmos de uma forma mais atenta desta realidade importante na vida da Igreja.

 

AE – A intenção é mesmo envolver as comunidades cristãs para que elas tenham presente ainda mais esta realidade seminário?

JMBP – Sim, através das iniciativas seja de oferecer alguns subsídios para ajudarmos localmente que se lembre, se cuide, se reze, se peça pelas vocações sacerdotais, seja às vezes abrindo também as portas e fazendo atividades de convidar as pessoas a vir aos seminários e durante esta semana a passar algum tempo com o seminário, a conhecer, a tirar às vezes algumas ideias menos certas acerca do que é um seminário.

 

AE – Até porque é no seio da comunidade cristã que naturalmente deverão despontar as vocações consagradas?

JMBP – Natural e sobrenaturalmente (risos) porque é uma realidade do chamamento de Deus que é sobrenatural mas sim, é no seio da comunidade cristã, da família cristã que surgem aqueles que o Senhor chama ao sacerdócio.

 

AE – Referia que ainda há por vezes mentalidades algo distorcidas em relação à realidade seminário, pesa uma tradição, ideias do passado. O Seminário teve de adaptar-se e fazer esta leitura contínua?

JMBP – Sim, não no sentido de se adaptar para estar igual ao mundo mas no sentido de responder às realidades concretas que o mundo precisa porque os sacerdotes existem para servir a Deus e ao povo de Deus nas realidades concretas que as pessoas vivem e crescem. E portanto com certeza que o seminário recebe todas as influências e indicações que veem com os jovens deste tempo e procura responder dando-lhes uma estrutura de fé e vida eclesial adequada ao ministério mas a responder à realidade que têm à frente e não apenas a modelos teóricos ou ficcistas do que quer que seja.

 

AE – Para que esta Semana dos Seminários seja vivida de forma intensa há a publicação – Para que Cristo se forme em nós – com o tema que preside esta semana.

JMBP – O tema surge na sequência da reunião de formadores dos seminários, que todos os anos acontece no fim de agosto, princípio de setembro, e que este ano fio centrado no crescer até à estatura de Cristo e que depois deu esta tradução de forma mais comum e inspirada numa passagem de São Paulo – “para que Cristo se forme em vós, sofro as dores de parto e maternidade até que Cristo se forme em vós” – e que depois deu este tema. E que de facto tem um conjunto de ajudas, seja do nível e oração da catequese ou até de propostas, de visitas e de outras atividades para ajudar a refletir e meditar um bocadinho acerca da vocação, da vocação sacerdotal, do lugar do sacerdócio na vida da Igreja e como isso desabrocha e desponta no seio da Igreja.

 

AE – No guião que é distribuído pelas comunidades cristãs e também pode ser consultado online, fala-se da vocação logo nos bancos da catequese…

JMBP – Sim, Deus chama na hora que quer e pode chamar desde pequenino e pode chamar numa fase mais tardia, agora, se a fé cristã é a vida de Cristo que vai sendo chamada na existência concreta de cada fiel, desde pequenino que Cristo tem um projeto e um sonho que vai fazendo acontecer na vida de cada pessoa a sua própria santidade, a sua própria plenitude de vida pela qual ele veio, pregou, morreu e ressuscitou para que nós tenhamos a vida Dele. E isto acontece desde a mais tenra idade, claro que não se espera que uma criança já tome decisões vocacionais nessa idade mas é nessa idade que aprende a conhecer a Jesus Cristo, aprende a escutá-Lo, aprende a confiar Nele, aprende a querer o que Ele quer, aprende a descobrir que quem está com Cristo e em Cristo dá uma vida nova, tem uma forma nova de estar na vida e isso vai-se ganhando na confiança da relação desde a mais tenra idade. E por isso as propostas são para todas as idades. Tem de facto alguns subsídios para a catequese da primeira infância, tem outro para adolescentes e jovens, tem outro para adultos e famílias, procuramos abarcar o leque variado das pessoas.

 

AE – Os jovens que chegam são diferentes dos que chegavam há 20, 30 anos?

JMBP – A Igreja foi encontrando várias propostas de acompanhamento exatamente para responder a esta pluralidade de origens e de proveniências. Foram desenvolvidos os pré-seminários que são formas de acompanhamento em ritmo externo mas que vão desde a segunda infância, a adolescência e da juventude vão ajudando a olhar a vida em chave vocacional, em termos de escuta e de decisão como resposta e não apenas como construção a partir de mim, da minha própria vida. E isso acontece muitas vezes com os jovens inseridos no seio familiar, na comunidade cristã, na sua escola, na sua terra. Ao mesmo tempo coexistem os seminários menores que em Portugal e nas dioceses portuguesas variam, uns ainda recebem na fase do ensino básico, outros do ensino secundário mas que é uma proposta de uma primeira comunidade cristã com outros laços que não os familiares onde se pode estruturar a fé e a vida eclesial naqueles onde porventura a história familiar e comunitária é mais debilitada para ajudar a isso ou outros onde já houve um caminho com alguma consistência e pedem um passo mais. Ainda existem estes seminários menores que caso a caso vão oferecendo resposta. Depois existe o tempo propedêutico de iniciação, para uns já é iniciação do seminário maior, outros é prévio ou seminário maior, varia um pouco de diocese para diocese, mas que procura dar a cada história, a cada itinerário cristão e vocacional que hoje é muito variado e plural algum sentido de comunhão, de sentir comum e de alguma fundamentação catequética acerca do que é que é a vocação, como é que a Igreja entende, o que é que é sacerdócio e o sacerdócio para os tempos de hoje. E estas formas de acompanhamento podem demorar mais ou menos tempo de acompanhamento antes de entrar no seminário, podem ser numa primeira fase mais pessoal e numa segunda fase com um grupo vocacional ou já numa residência de ano propedêutico ou tempo casa e depois o seminário maior onde a par da formação teológica nas Universidades Católicas ou nos Institutos de Teologia, onde ainda existem, depois existe também a vida comunitária, a solidez da vida espiritual, a iniciação pastoral que procura ir acompanhando e dando essa formação adequada aos tempos de hoje.

 

AE – Hoje em dia ainda faz sentido falar de crise de vocações?

JMBP – Eu creio que os tempos são diferentes e que era bom nós ultrapassarmos essa linguagem. De facto a palavra crise apareceu muito de comparação ao tempo que os seminários estavam cheios e as pessoas iam para o seminário para continuarem os estudos e depois alguns ganhavam ai mesmo dinamismos e consistência vocacional, outros nem por isso mas havia um tempo cheio e depois houve um esvaziar dos seminários e esse tempo de crise.

Eu penso que já estamos noutra fase, não temos de facto o número de vocações necessárias ou adequadas às necessidades do acompanhamento efetivo dos cristãos, nós temos muitas vezes paróquias sem pároco e a terem de o partilhar por vezes até seis paróquias, depende das zonas de Portugal, mais do interior ou litoral, e temos falta de sacerdotes. Não creio que podemos falar de crise, pelo menos de vocações porque a haver alguma crise é de civilização de nos reentendermos outra vez, já não estamos em cristandade, e porventura, às vezes, uma crise de solidez da fé, uma fé que é inspiradora dos valores mas que depois não se traduz numa conversão de vida concreta a partir desses valores que ficam apenas no campo da inspiração. Portanto, não creio que haja uma crise de vocações, pode haver e há algumas debilidades de uma estrutura comunitária, hoje é muito difícil a estrutura institucional e é preciso que as comunidades cristãs muitas vezes se repensem, as famílias também estão muitas vezes em fase de se entenderem. A Igreja tem um projeto claro sobre o que pensa ser a família mas depois há a realidade concreta das famílias que caminham com as suas vicissitudes e isso também traz perturbações a uma decisão definitiva, a uma decisão de uma entrega gratuita com medo de não ser retribuído. Há uma contingência de fatores que fazem com que não tenhamos as respostas que gostávamos de ter em número.

 

AE – Esta provisoriedade dos dias, dos tempos que vivemos afetam também grandemente os candidatos?

JMBP – Essas dificuldades não são mal intencionadas. As pessoas muitas vezes, no momento de decidir desejam que seja para sempre mas sempre com a ressalva “se der”. E esta ressalva permite ou dificulta muitas vezes que depois diante das tensões normais, diante das euforias ou das dificuldades permite que se esqueça quais são as ferramentas que ajudam a levar por diante aquilo que entrou numa fase de dificuldade mas em várias dimensões da nossa vida e por isso também muitas vezes no tempo de discernimento vocacional prévio à ordenação sacerdotal as dificuldades muitas vezes levam a não perseverar outras vezes até já depois da ordenação sacerdotal e algumas situações de abandono que sofrem dessa mesma dificuldade de confiar de que as ferramentas que se aprendeu que respondiam de facto respondem no momento da necessidade e não apenas quando tudo está bem.

 

AE – É comum dizer que o seminário é a sementeira, que as vocações estão a despontar, enfim, estão num clima protegido de alguma forma mas depois os candidatos não serão candidatos depois da ordenação já serão presbíteros. Serão enviados às comunidades, até já antes, têm essa experiência mas depois terão embates com realidades diversas. A realidade do seminário também estão atenta e vai trabalhando estas questões?

JMBP – Sim, procura estar. Primeiro porque tentando manter alguma oferta de recolhimento e ambiente de centração no essencial antes do envio o seminário não é uma realidade fechada, seja porque os seminaristas frequentam uma universidade que sendo a Católica está no espaço público e portanto com outras faculdades e outros estudantes, seja porque frequentam na sua formação pastoral as realidades paroquiais dos jovens e dos adultos do seu tempo, seja da paróquia propriamente seja depois dos âmbitos familiares e sociais à volta daqueles com quem se encontram no trabalho pastoral e nas paróquias, seja porque a internet e a comunicação hoje é global e entra no seminário, está no seminário, também condiciona a própria vida do seminário até muitas das vezes as provocações à fidelidade e à vida dos seminaristas tem a ver com essas sugestões que se vão recebendo naturalmente e espontaneamente e depois com é que se aprende a lidar com isso e a canalizar tudo isso para um projeto definido e portanto neste realismo os seminaristas apesar de alguma proteção estão também expostos aquilo que depois serão os desafios da vida pastoral. Claro que depois há sempre uma transição que ai já não será o seminário mas o presbitério enquanto corpo fraterno de irmãos unidos na mesma consagração e com vínculos de fraternidade que depois ajudará também a lidar com esses desafios. Assim como, e ai é muito importante que o seminário ajude a estruturar para um sentido de comunhão na forma de viver o ministério, de comunhão entre os padres mas de comunhão entre os demais cristãos, com os demais carismas e vocações, portanto comunhão eclesial, que fazem com que o sacerdote também encontre as respostas aos desafios na própria vivência do ministério com a comunidade onde cresce, quer dizer, que a comunidade não seja só a fonte de problemas, porque não é, mas que seja também a família dos irmãos na fé que encontra a resposta para a dificuldade. E ai é importante que o padre e o seminarista aprendam que há respostas que se encontram nesta comunidade alargada dos irmãos e outras que se encontram na comunidade do presbitério, da fraternidade sacerdotal com o seu bispo e aprender a usar e depois há sempre aquelas respostas que se encontram na intimidade a sós com Deus e ai tem que haver uma estrutura de vida espiritual e solidez de encontro com Jesus, que é um realidade pessoal, que é uma relação pessoal e não é apenas uma ideia que depois estrutura também o enfrentar dificuldades. Há sempre dificuldades que são dessa ordem e é ai que se encontram as repostas e o seminário por muito que prepare não substitui.

 

AE – O candidato já depois de ser sacerdote e estar numa comunidade nunca termina oprocesso de configuração com o próprio Cristo…

JMBP – Claro, e por isso ele chama a atenção, logo no início que o primeiro ponto, é o encontro verdadeiro com o próprio Jesus Cristo. A configuração só acontece se me encontrar com Jesus se não é uma colagem de características postiças que depois não configuram nada, podem perfeitamente até me iludir, sem maldade, sem má intensão mas até me iludir durante o caminho do seminário: Vou fazendo isto, vou cumprindo aqui, vou fazendo bem feito isto aqui mas no fundo não há uma transformação interior fruto desse encontro com Jesus Cristo mas que não é apenas um encontro eu-tu. É um encontro que gera uma unidade de vida. Deixe-me dizer um bocadinho que aquilo que se passa, que aquilo que a Igreja acredita na relação esponsal, que os dois passam a ser um só, mudando tudo o quer deve ser mudado mas há qualquer coisa aqui que importa que no futuro sacerdote também aconteça na sua relação com Cristo. Não há uma fusão, eu não me fundo em Jesus Cristo, nem Jesus me anula mas é importante que em muitas coisas eu perceba que é Cristo a ser em mim e a fazer-me ser mais verdadeiramente. E essa experiência é fundamental que aconteça no seminário, que tenha começado porventura se for possível antes mas se não foi que aconteça no seminário e depois é um desafio para a vida toda também no exercício do ministério sacerdotal onde ai depois alguns dinamismos diante do Cristo cruxificado, diante do mundo só tem os braços abertos para se oferecer confiado no Pai e nessa solidão profundamente habitada de uma vida que passa por nós para o mundo, isso depois também hão-de ser formas permanentes de configuração. Depois também da cruz, tudo o resto do preenchimento das relações, do entrar na vida das famílias, das comunidades, dos grupos de oferecer este ou aquele instrumento, esta ou aquela ferramenta, isso depois hão-de ser as formas como no exercício do ministério o sacerdote se vai configurando com Jesus pela caridade pastoral de Jesus.

AE – Nota que os candidatos quem chega ao seminário e estou a recordar-me particularmente e vai sendo significativo nas diversas dioceses gente que chega mais velha, já no final de um curso universitário chega-se com as opções mais amadurecidas?

JMBP – Não é assim tão liquido terá alguma relação direta com a idade mas não é tão imediata até porque algumas vezes as motivações com que se chega ao seminário é mais de um sentimento que eu alimentei durante tanto tempo e que durante tanto tempo não me permitiu pensar em mais nada afinal não respondeu aquilo que eu esperava e agora preciso de ir à procura de outra coisa. Portanto, não é ainda tão amadurecida pelo sacerdócio ainda que apareça claramente que eu quero ser padre mas eu quero ser padre a partir de uma imagem de padre que tenho a partir de uma ideia que fui aprendendo a construir a partir das relações que fui lidando mas que muitas vezes ainda é muito a procura à resposta da minha realização pessoal porque aqueles sonhos que durante tanto tempo alimentei afinal não corresponderam, não é frustração.

Não falo de frustração mas hoje por exemplo a entrada numa universidade, o medo de não entrar numa universidade ou a entrada no mercado de trabalho ou o medo de não entrar o mercado de trabalho faz com que muitas vezes às intensões, as energias, o melhor de si esteja focado no que é preciso preparar e garantir para que depois não me falte e depois quando lá chego, quando chego à universidade ou até quando chego ao trabalho não era aquilo que eu pensava que ia encontrar.

HM/CB

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