Seminário sobre a Criação une ciência, filosofia e teologia

O seminário de Vilar, no Porto, acolhe a 1 de Maio um dia de estudo intitulado “De creatione” (sobre a Criação), que une ciência, filosofia e teologia. A questão de Deus e a possibilidade da teologia encontram na concepção do mundo e do lugar que aí ocupam os seres humanos – em relação a esse mundo e a todos os seus componentes – o seu principal ingrediente, sintetizado na crença da criação. Desta forma, o mundo – a totalidade que envolve cada fenómeno humano – é posto em relação de absoluta dependência para com o criador, o qual é assim reconhecido ao mesmo tempo como omnipotente e omnipresente: o seu poder impondo a diferença estrutural entre o que é eterno e o que se degrada ao longo do tempo, até à morte; a sua imanência invisível e silenciosa disponibilizando o suporte ontológico que o efémero requer pelo simples facto de existir (apesar de) exposto à caducidade. A criação é assim o pressuposto de qualquer interrogação sobre Deus e sobre a fé no mesmo. Não espanta, portanto, que a simples interrogação desse pressuposto tenha causado – e cause – tanta comoção no interior da teologia e da filosofia que até à alvorada da modernidade com aquela partilhava o mesmo pressuposto cosmológico. Mais perplexidade pode causar o facto de terem sido a teologia e a filosofia a abrir caminho a essa interrogação científica. Um mundo criado (radicalmente distinto do seu criador) é também um mundo livre, exposto, por outro lado, como um problema, à curiosidade do pensamento humano. É como problema – e não como um enigma – que a teologia entrega a criação à especulação filosófica. Na obra devem encontrar-se, de alguma maneira, as marcas do criador, os vestígios da sua acção e da sua inteligência. Por outro lado, só através da observação da obra divina é que se pode vislumbrar algo da natureza invisível e inefável de Deus. A busca e determinação das leis que regem o cosmos não são senão a concretização desta íntima relação entre o criador e a criação, a tentativa de resposta ao problema que está na origem da própria ciência. Contudo, o caminho que a ciência tomou, desde a modernidade, obscureceu progressivamente os vínculos que a ligavam à teologia e à filosofia. O mundo passou a ser visto como um enigma, algo de opaco na sua autonomia, que a ciência devia interrogar no total alheamento de um eventual horizonte significativo (fosse teológico ou filosófico). É assim que surge a inconciliável dicotomia entre “criacionismo” e “evolucionismo”, o primeiro desprezado como mito infantil, o segundo abraçado como pensamento adulto sobre a realidade do mundo e o seu destino. A compreensão actual da “teologia”, da “filosofia” e da “ciência” – em si mesmas e na sua relação – está profundamente marcada por este fenómeno. Por isso, não se pode tentar recolocar o problema da criação sem apelar a essa interrelação. Por outro lado, ainda, esta forma de encarar o tema da criação dá-nos a oportunidade de abrir um capítulo novo ao nível da epistemologia desde o ponto de vista da história da ciência. Mais concretamente, esta perspectiva permite refazer a história da ciência em Portugal, ao longo do séc. XX, tendo em atenção os influxos da ciência na filosofia e na teologia, mas também o tipo de configuração que estas assumiram na sua reacção. Obviamente, assim colocada, a questão implica ainda um atravessamento de tipo sociológico, pois não foi só uma concepção da prática científica a provocar a filosofia e a teologia, como ainda profundas transformações sociais e políticas. O presente Seminário assume este tema para dar um primeiro contributo para uma epistemologia resultante do discernimento dos pontos de encontro da ciência, da filosofia e da teologia. O objectivo é o de ilustrar, desde vários pontos de vista de investigação, como desses pontos de encontro surgem novas interrogações de que, isoladamente, a ciência, a filosofia e a teologia não se aperceberiam. O Seminário terá uma forte componente histórica, na medida em que se trata, antes de mais, de vislumbrar diacronicamente, ao longo do séc. XX, os momentos, autores e modelos que surgiram em torno desta problemática. Mas a metodologia história surgirá em interacção com uma perspectiva crítica, a vários níveis: filosófico, teológico, científico e sociológico. Com isto, pretende-se inaugurar uma prática interdisciplinar onde cada disciplina, abrindo-se ao diálogo, descubra noutros âmbitos científicos elementos constitutivos da sua própria problemática. Assim, – a nível filosófico, espera-se não só uma visão sistemática do pensamento religioso crítico em Portugal no século passado, mas também uma ilustração daqueles pontos de confluência com a crença, de que a teologia pretende oferecer inteligibilidade desde o interior, e com a ciência, enquanto elemento configurador da “mundividência” moderna (e pós-moderna). – A nível teológico, deseja-se uma ponderação do tipo de reacções que as crenças religiosas promovem em relação ao pensamento e à produção do saber sobre o mundo, os quais, no contexto da modernidade prescindem de qualquer transcendência divina em nome de uma facticidade absoluta ou, pelo menos, inquestionável. A teologia é hoje constrangida a justificar a fé num Deus criador ante uma cosmologia científica que tende ela mesma a constituir o seu centro: como sopesar religiosamente este abandono do teocentrismo na visão do mundo? Sob estas interrogações, importará reconstruir a difícil história da teologia em Portugal ao longo do século XX, no seu enfraquecimento institucional (académico). O confronto do saber religioso com o pensamento filosófico e a investigação científica é, para a teologia, incontornável, particularmente no que toca ao tema da criação: até que ponto estão as justificações teológicas à altura dos desafios críticos que a filosofia e a ciência lhe lançam? – A nível científico, quer-se um diagnóstico do incremento da ciência, entre nós, naquilo que concerne ao estatuto (“mecânico”, “relativo”, “quântico”) do mundo: como chegaram até nós as teorias “evolucionistas” e que elementos filosóficos, religiosos, políticos, etc. puseram em jogo? – A nível sociológico, pede-se um esclarecimento contextual da problemática, uma vez que não se pode desligar a história da ciência, da filosofia e da teologia, das suas causas e efeitos concretos, quer dizer, sociais. Até que ponto a ciência alimenta ideologias, suporta movimentos sociais, questiona ordens políticas? Há elementos na história contemporânea do nosso país que ilustrem a intercepção da ciência, da filosofia e da teologia? E como entendê-los em relação com os fenómenos de regulação da sociedade? Programa 9.00-10.00: Chegada I Sessão Moderador: António Jácomo 10.00-10.30: A emergência do “paradigma científico”, SEBASTIÃO FORMOSINHO 10.30-11.00: Debate 11.00-11.30: Intervalo 11.30-12.00: Perspectivas histórico-sociológicas, A. TEIXEIRA FERNANDES 12.00-12.30: Debate 12.30-12.45: Apresentação do Prémio “Ensaio Teológico” – Edição 2008-2009, promovido pela Secção Portuguesa da ET com a Editora “Estratégias Criativas”. 12.45-13.00: Intervalo II Sessão Moderador: José Pedro Angélico 15.00-15.30: Questões religiosas na Filosofia em Portugal, ANTÓNIO JÁCOMO 15.30-16.00: Debate 16.00-16.30: Neo-platonismo e criacionismo, ÂNGELO ALVES 16.30-17.00: Debate 17.00-17.30: Intervalo 17.30-18.00: Saudade imanente e saudade transcendente, JOÃO DUQUE 18.00-18.30: Debate 18.30: Encerramento

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