No início da Semana Santa, conversamos com este especialista, doutorado em Estudos Culturais pela Universidade do Minho e estudioso de Braga, sobre os momentos que transformam a cidade, atraindo milhares de pessoas para celebrações que transbordam os espaços das igrejas
Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)
A Semana Santa de Braga é um grande encontro entre tradição e modernidade?
Nos últimos anos tem tentado ser. Efetivamente, a Semana Santa confirmou-se praticamente desde os anos 60 como o principal momento turístico da cidade de Braga. A partir daí começou a ser feito um trabalho coordenado das instituições para valorizar a Semana Santa e a verdade é que deu resultado, porque hoje a Semana Santa é mais reconhecida a nível nacional, é o pico do turismo na cidade de Braga. Temos um turismo sazonal muito forte, mas a Semana Santa é, efetivamente, um momento alto e isso obriga a Comissão Organizadora que reúne uma série de instituições da cidade a ir atualizando o seu programa, fazendo propostas diferentes, conciliando com as tradições, com os grandes cerimoniais públicos que são as procissões e as celebrações na Sé primaz. Por isso podemos dizer que tem sido feito um trabalho a esse nível, embora seja um trabalho sempre inacabado, portanto, tem sempre de se fazer esse esforço de se aproximar das pessoas que vêm ter connosco e, portanto, eu julgo que esse trabalho está a ser conseguido e está a ser bem feito.
Estamos a falar da Semana Santa e são manifestações centrais na vida coletiva de Braga. Pergunto-lhe se isso é um dos seus fatores de atração e persistência; o envolvimento de toda a comunidade?
Efetivamente é um dos momentos da vida coletiva de Braga. Braga tem um outro momento bastante relevante que é as festas de São João, que em termos de trabalho turístico é bastante mais antigo do que a Semana Santa, mas a Semana Santa eleva-se a nível das outras Semanas Santas que se fazem em Portugal, quer pela tradição que a cidade carrega – de recordar que Braga é uma cidade com mais de 2000 anos de história, considerada pelos historiadores a cidade mais antiga de Portugal – mas particularmente tem um vínculo fortíssimo à Igreja, que vem desde o século XI, em que os arcebispos governaram a cidade até 1790, até a Dona Maria I acabar com as donatarias. Isso nota-se no dia a dia, nota-se na fisionomia da cidade e, evidentemente, a Semana Santa como a Semana Maior para o cristianismo eleva-se também no contexto da cidade e por isso eu deduzo que seja por isso que as pessoas procuram Braga. É todo um conjunto, as celebrações da Semana Santa, a própria cidade e a sua história, que emana a paixão de Cristo e emana também o cristianismo. Depois as práticas: estamos no Minho, que é a terra das tradições, a terra conservadora por excelência e por isso temos muitas tradições que vão prevalecendo e isso atrai as pessoas porque dá autenticidade àquilo que acontece na cidade.
O programa desta semana inclui manifestações particularmente relevantes, as procissões e outros cerimoniais que se integram no chamado rito bracarense. Há uma marca própria que torna esta semana diferente em Braga?
Eu diria que sim. Eu não vou entrar na questão do rito bracarense porque isso é uma questão em termos de investigação ainda muito inconclusa, mas de facto há algumas práticas inscritas na liturgia de Braga, que se manifestam particularmente na Semana Santa, que foram prevalecendo apesar dos Concílios terem, nomeadamente o Vaticano II, na sua reforma litúrgica e antes o Papa Pio XII, na reforma que fez da Semana Santa, terem abolido. Mas Braga, com um regime de exceção; os ritos mais antigos, foram prevalecendo. Embora o seu significado teológico e espiritual é questionado muitas vezes, porque efetivamente, falamos da procissão teofórica do enterro que decorre na celebração da morte do Senhor na Catedral, no final da celebração.
Estamos a falar da celebração de Sexta-feira Santa, não é?
Exatamente, a celebração de Sexta-feira Santa, que é muito característica. A Sé evidentemente é a catedral mais antiga de Portugal, mas tem limitação de lugares. A Sé está completamente apinhada de gente, e é uma experiência de facto intensa, mas com um significado também. Embora efetivamente ao arrepio daquilo que são as regras atuais da liturgia. Mas efetivamente é uma marca de autenticidade, mas a principal, além da procissão teofórica, que no fundo deu origem às procissões do enterro, que ainda hoje se faz em muitas localidades, inclusive em Braga, há uma outra prática do rito, que é relevante e que acontece já este domingo. Nas portas da Sé Primaz, faz-se a procissão de Ramos, como em muitos lugares, e entretanto há uma paragem na porta da Sé que está fechada, e o arcebispo, que presida à celebração, vai fazendo um rito que é típico do rito bracarense, e que terá sido importado por São Geraldo, que foi o primeiro a intervencionar liturgicamente ou atualizar para o rito romano. De visigótico, efetivamente o rito de Braga já não tem nada, mas tem efetivamente dessas práticas que muitos arcebispos foram adicionando e que permanecem, e no qual esta do Domingo de Ramos é muito interessante, porque tem um significado profundo. A porta está fechada, recita-se um salmo, e depois de três pancadas na porta; a porta abre e finalmente as pessoas podem entrar na Sé para continuar a celebração do Domingo de Ramos.
Depois há outras particularidades, como é o lava-pés que inicia a celebração. Depois algumas questões mais de antífonas nas próprias celebrações do Tríduo Pascal, e depois particularmente uma festa que há em outras dioceses, mas que em Braga se mantém, porque estava no breviário bracarense: a festa de Nossa Senhora dos Prazeres, ou Nossa Senhora das Alegrias, que é muito significativa até para aquilo que se procura fazer querer aos cristãos, particularmente desde o Conselho Vaticano II, para não ficarmos na paixão e na morte de Cristo, mas vivermos a alegria da ressurreição, a esperança da ressurreição.
E ainda há espaço para valorizar ainda mais estas solenidades?
Exatamente. E Nossa Senhora das Dores, que tem também um epicentro devocional na cidade de Braga. De Braga foi propagada para todo o país essa devoção. Passa a Nossa Senhora das Alegrias, e até há um rito interessante na Basílica dos Congregados, também integrada no programa da Semana Santa, em que se retira as espadas à Senhora das Dores, significando que Nossa Senhora passa das dores às alegrias. Há no rito bracarense, na segunda-feira de Pascoela, que se faz a celebração da festa de Nossa Senhora dos Prazeres, que ainda se verifica em alguns pontos da arquidiocese. Isso até era bom de ser explorado ainda mais para dar a ideia aos cristãos de que não devemos ficar na dor. A morte de Cristo foi também para fazer sentido ao sofrimento que todos nós passamos na nossa vida.
Além desta dimensão religiosa que é evidente, as cerimónias ganham cada vez mais um valor cultural e turístico. A sociedade no seu todo tem de procurar divulgar, preservar este ciclo tão importante para Braga com todas estas manifestações públicas?
Sem dúvida, e tem sido feito trabalho. Aliás, eu estive na Comissão da Semana Santa durante 4 anos, e a minha presença deveu-se precisamente à questão da ambição que a Semana Santa tinha de se candidatar à UNESCO, que depois ficou ali um bocadinho em Banho Maria, mas fizemos o passo prévio que era inscrever-nos no Inventário Nacional de Património Cultural e Material, tarefa que eu levei a cabo com sucesso. Foi o ano passado que foi finalizada, e que efetivamente é uma tentativa de preservar aquilo que é relevante, mas convém não esquecermos que o património material está sempre sujeito à evolução, não pode ser cristalizado. é preciso um equilíbrio entre aquilo que é relevante e aquilo que pode efetivamente mudar e ser atualizado. A Irmandade da Santa Cruz e a Irmandade da Misericórdia têm feito um trabalho notável de preservar aquilo que é importante e relevante nas suas procissões e nas suas celebrações e de integrarem factos novos que vão, de alguma forma, criando uma vivência mais intensa daquilo que se pretende viver nas procissões. As procissões não são só um desfile de pessoas, têm de ter algum sentido, alguma mensagem. Portanto, tem sido feito esse trabalho muito interessante das diversas comissões da Semana Santa e das entidades que a integram e, acho que tem havido esse cuidado. A inscrição no Inventário é um primeiro sinal que se dá, exposições, publicações, também trabalho a nível do som e da imagem, e eu acho que esse trabalho tem de ser continuado, não pode ser finalizado.
E do seu ponto de vista está a ser bem aproveitada essa inscrição no Inventário Nacional do Património?
Sim, eu penso que sim. Aliás, esta inscrição é o corolário de um trabalho de investigação que foi sendo feito nos anos anteriores, com exposições, com publicações, como eu disse, com todo o tipo de levantamento do património e isso é que vai alertar as Irmandades, quer esteja hoje um provedor, amanhã outro, da sua relevância e de dar continuidade àquilo que é efetivamente importante. E, por isso, o Inventário é um registo e um registo tem de ser atualizado de quando a quando e, por isso, é um alerta para as entidades que constituem a Comissão para darem continuidade a esse trabalho. Acho que, nesse aspeto, a Semana Santa tem feito um bom trabalho, aproveitando os recursos que tem e a cidade percebe a importância da Semana Santa também do ponto de vista económico. Eu sei que isto da questão da turistificação dos eventos ou da questão da patrimonialização dos eventos também tem os seus riscos, mas é por isso que há entidades e há pessoas que compõem as entidades que têm de refletir continuamente nesse aspeto. E Braga está a viver esse processo. Se perguntarem a qualquer bracarense, quer seja crente ou menos crente, vai dizer muito bem da Semana Santa porque percebe que aquilo é muito importante para a cidade.
Já que estamos aqui, deixe-me perguntar-lhe se perdeu força a candidatura a património da Unesco?
Não sei, eu neste momento já não estou na Comissão, colaboro com a Comissão. Vai haver agora um centro interpretativo no qual também vou prestar colaboração, mas efetivamente a questão da Unesco e quando tivemos a reunião, eu julgo que foi em 2016, em Lisboa, foi-nos dito que Braga já tinha muitas candidaturas à Unesco. Tinha a candidatura à cidade de ‘Media Arts’, a cidade criativa. Tinha a candidatura do Bom Jesus do Monte e eles entendiam que era melhor finalizar essas candidaturas para se pensar, porque ter três candidaturas na mesma localidade não seria bom para a cidade. E, portanto, na altura pensou-se que o melhor seria avançar com o inventário, que é o primeiro passo que é obrigatório para quem quer candidatar-se à Unesco, porque os critérios são exatamente os mesmos e depois mais tarde pensar nisso mais a sério. Não sei, neste momento não lhe sei dizer, teria de perguntar ao cónego Avelino, que é o presidente da Comissão.
Esse é o trabalho que fica feito para o futuro, independentemente dos rumos que seguir.
Sem dúvida. Eu pergunto-lhe uma coisa muito simples, porque estamos nós aqui, os três, provavelmente a falar de uma situação que conhecemos relativamente bem, ou por trabalho ou por participação, que é a Semana Santa de Braga. Quem são os protagonistas desta Semana Santa?
Ora bem, em primeiro lugar são os bracarenses que compõem tudo o que é celebrações, que participam nelas, que lhes dão corpo e um evento como a Semana Santa, ou um momento celebrativo como a Semana Santa, que não tenha a participação da sua população deixa de fazer sentido, no meu entender. Acho que isso é o âmago de todas as Semanas Santas, é a participação da sua população, o seu envolvimento e eles são os primeiros protagonistas. Depois, as instituições que de alguma forma aglutinam grande parte destes protagonistas, que é no caso o cabido da Sé de Braga, que é a entidade principal, que lidera a Comissão. No fundo a Catedral é o centro, o cerne, apesar da Semana Santa se viver nos diversos templos da cidade, que são muitos, como sabem, a Sé é o centro nevrálgico, onde acontecem essas celebrações do rito bracarense também, e, portanto, é o cabido a principal entidade. Depois temos as duas Irmandades Históricas, a Irmandade da Misericórdia, que leva a efeito, na Quinta-feira de Endoenças conduzir os penitentes. Hoje as coisas são um bocadinho diferentes, mas as misericórdias continuam a fazer essas procissões um bocadinho por todo o país, as procissões de Endoenças, ou dos fogaréus, no caso de Braga chama-se do Senhor Ecce Homo, ou do Senhor da Coroação, ou da visitação às igrejas, que no fundo está ligado à questão da visitação das igrejas, também ainda se fazem alguns sítios, embora hoje de forma diferente, necessariamente, porque era para visitar o sepulcro; conduzir os penitentes às igrejas onde o Senhor estivesse no sepulcro. Ou seja, colocava-se uma hóstia dentro de um recipiente em forma de sepulcro, isso também foi abolido pelo Conselho Vaticano II, mas apesar disso continua-se a fazer visitação às igrejas em Braga. Já não com uma prática tão adornada como no passado, mas, por exemplo, se formos à Póvoa de Varzim ou a Viana do Castelo, continua-se a fazer na noite de Quinta-feira Santa a visita às igrejas, que é uma tradição que brota destas procissões de Endoenças. E em Braga temos a figura do penitente, que é o farricoco, que também não é exclusiva de Braga. Há em muitos outros sítios, em Portugal e fora de Portugal, mas tornou-se o ícone, apesar de ter sido proibido várias vezes nos séculos XIX.
Até em termos de imagem…
Exatamente. Em termos de imagem, porque ela foi proibida nos séculos XIX por causa dos distúrbios que causava na procissão e, portanto, ela regressa no início do século XX já como figura alegórica apenas. Já sem a sua missão judicativa que tinha no passado, que aproveitava o anonimato para acusar as pessoas que estavam a assistir à procissão da janela. Os arcebispos foram proibindo isso, até à proibição total.
E depois temos a Irmandade Santa Cruz, que é fundada em 1581, tem um templo todo ele devotado à paixão de Cristo; é uma Via-Sacra em espaço fechado, é um templo absolutamente notável e que organiza a procissão do Senhor dos Passos no Domingo de Ramos. E é a segunda mais antiga que se faz em Portugal. Como sabemos, as procissões de espaços foram impulsionadas a partir de Lisboa, dos Passos da Graça, que é a mais antiga do país, pelos Agostinianos, com o papel dos Agostinianos, e foi um arcebispo agostiniano que introduz esta procissão em Braga, o Dom Frei Agostinho de Jesus, em 1597. Dez anos exatamente depois da de Lisboa. Depois destes focos de Lisboa e Braga, as procissões dos Passos foram-se disseminando e hoje são a prática mais repetida da Quaresma, que é uma Via-Sacra encenada e, de facto, é um momento muito importante, é o momento do arranque da Semana Santa de Braga, é a procissão do Senhor dos Passos. E ambas as irmandades organizam a procissão do enterro do Senhor, que é a mais intensa, a mais demorada, em que participam outras instituições. É o momento alto da Semana Santa de Braga, aquela procissão, que era quase um funeral que atravessa as ruas da cidade, que outrora começava com o descimento da cruz, que ainda se faz em alguns sítios. Era o sentido de descer o Cristo da Cruz e depois fazer o funeral pelas ruas da cidade, e que efetivamente é o momento alto da cidade de Braga.
Mas convém aqui não esquecer uma outra procissão, que foi recuperada em 1998, a procissão da Burrinha, ou Cortejo Bíblico Vos sois o Meu Povo, que, de facto, não é uma procissão, é um cortejo que recorda a história da Salvação até Cristo, até à Páscoa, e que tem imensa popularidade. É um exemplo de vida de uma comunidade que se devota a uma prática da Semana Santa de Braga, mais do que todas as outras. Há ali uma freguesia, uma paróquia que se mobiliza para fazer aquela procissão, e é absolutamente exemplar.
Tem uma envolvência muito grande?
Exatamente, é absolutamente exemplar esse nível, da forma como as pessoas sentem aquilo como o seu. E isso mais do que todas as outras, porque as outras resultam mais da organização das irmandades, com participação de outras pessoas, evidentemente, mas aqui é a comunidade que a faz, que a quis fazer, que a quis recuperar.
E é uma procissão que nasceu no século XVIII como Procissão da Senhora das Angústias centrada nas dores de Maria, que se realizava em julho, no primeiro domingo de julho, e só depois, com as complicações da República, a procissão foi-se fazendo menos vezes, a irmandade que a organizava até foi extinta, e em 1960 ela vai ser integrada pela primeira vez na Semana Santa, com o papel do CENI. Na altura, o SNI (Secretariado Nacional de Informação) achava que Braga tinha de ter alguma coisa no Sábado Santo para prender os turistas. Manda a Ciência Turística que os turistas têm de ter ali algum atrativo. E então, o Presidente da Câmara da altura, o Santos da Cunha, lembrou-se – era paroquiano de S. Vitor – de recuperar essa procissão, que era em julho, e passou-a a Semana Santa, para o Sábado Santo, criando assim este elo que faltava entre a sexta-feira e o domingo.
A verdade é que a procissão foi um sucesso, mas deixou de haver Procissão da Senhora das Angústias, entretanto, na roupagem nova de 1998, deixou de ser centrada nas dores de Maria, passou a ser centrada na História da Salvação, e a verdade é que foi a comunidade que quis que ela regressasse em 1998. As pessoas só se lembravam da Burrinha, já não se lembravam da Senhora das Angústias. E, portanto, a Burrinha passou a ser o ícone, porque, efetivamente, vai uma Nossa Senhora, uma imagem em cima da Burrinha: uma Nossa Senhora do Egito. Por quê? Qual é a ligação às dores de Maria? Quem sabe, o ideário das dores de Maria sabe que cada espada representa uma das dores. A segunda dor é a fugida para o Egito, e por isso é que ela se integrava, desde o início do século XIX, na procissão também, além da imagem da Senhora das Angústias no Andor, e uma imagem de uma Senhora em cima de uma Burrinha, a lembrar a segunda dor de Maria. Portanto, tem uma ligação, apesar disso, à Paixão de Cristo, como sabemos, a maior parte das dores de Nossa Senhora tem a ver com a paixão.
E por isso, recuperada com imenso sucesso, decorre na quarta-feira, não no sábado, e foi por isso que ela deixou de se realizar em 1973, porque o Conselho Vaticano, tinha revalorizado a Vigília Pascal, e não podia haver uma procissão. As pessoas a passear na rua, ou uma Burrinha a passear na rua e as pessoas a assistir, enquanto decorriam as Vigílias Pascais nas comunidades. Não fazia sentido, e a procissão acabou em 1973, mas o povo de São Vitor quis que ela regressasse. A freguesia de São Vitor, só para lembrar, é a maior freguesia de Braga, a maior freguesia do distrito, tem mais de 30 mil habitantes, portanto, é uma freguesia dispersa, e por isso a procissão também tem essa relevância de unir a comunidade.
E atualmente é uma das principais atrações da Semana Santa?
Sem dúvida, sem dúvida.
Sabemos que a cidade de Braga vai ter um espaço museológico dedicado à Semana Santa, instalado na Torre Medieval, provavelmente já no próximo ano…
Esperamos que sim. Eu fui chamado para fazer a curadoria dessa exposição. Eu penso que a pretensão da Comissão da Semana Santa, e do Museu Pio XII, é que ela fique pronta em 2025. Vamos esperar que assim possa ser.
Queria lembrar-lhe um texto em que ligava o Bom Jesus do Monte, de que já falamos, à Semana Santa, como formas mais intensas de plasmar o imaginário da Paixão de Cristo na comunidade humana. São marcas que se ligam aí em Braga?
É verdade, é verdade. Acabou de me lembrar uma frase minha e já não me lembro onde é que a escrevi… escrevi isso algures.
Sim, é num texto sobre a Semana Santa de Braga, numa revista da Associação de estudantes de Teologia…
Muito bem. efetivamente não é obra do acaso que os dois elementos que mais atraem, e que mais têm reconhecimento internacional e nacional de Braga, da cidade de Braga, seja o Bom Jesus do Monte, que é património da UNESCO, é um monumento absolutamente extraordinário, e a Semana Santa, que até passou a perna ao São João, que é de facto a festa secular desde o século XII da cidade de Braga. Efetivamente isso tem a ver com este imaginário da Paixão de Cristo que se foi enraizando na comunidade, também da parte cristã, fervorosa dos bracarenses e dos minhotos em geral, e, portanto, não é obra do acaso que hoje os dois momentos mais expressivos de reconhecimento da cidade sejam a Semana Santa e o Bom Jesus. E brotam ambos da paixão de Cristo. Há aqui uma ligação clara, há aqui alguns protagonistas que eu pude estudar também na minha tese de doutoramento. Já aqui falei sobre o Frei Agostinho de Jesus, mas também sobre outras figuras que foram instigando este imaginário, e a cidade de facto vive a paixão. Quem quiser vir à Braga na Semana Santa vai ter uma experiência extraordinária de vivência da celebração da paixão. Mas se quiser vir noutras alturas do ano pode ir ao Bom Jesus e tem também uma experiência da Paixão, desde o Pórtico até lá acima à Capela da Ascensão vive também a paixão de Cristo.
Que convite deixa para quem ainda não tem a oportunidade de conhecer ao vivo estas tradições que os bracarenses fazem questão de manter?
Acho que quem de alguma forma quiser perceber a intensidade da vivência da Paixão de Cristo tem necessariamente de passar por Braga. Paixão de Cristo em português, porque replicamos muitas práticas que se fazem noutros lugares, mas há de facto um toque local e outras práticas que não se fazem em muitas localidades de Portugal e de alguma forma podem vivenciar uma experiência única daquilo que é a história de uma gente, que é os bracarenses, de uma série de arcebispos que foram passando e deixando a sua marca e certamente sairão satisfeitos, quer sejam crentes ou não crentes ou se calhar até se vão converter nas celebrações da Semana Santa em Braga.
Mas convém aqui não esquecer, o Compasso Pascal. Nós não nos ficamos pela procissão do enterro. No domingo ressuscita e em Braga continua a haver a alegria do Compasso Pascal com sinos, foguetes, bandas filarmónicas e toda a gente a querer receber a Cruz, a querer beijar a Cruz na sua casa.
Já aqui o dissemos. A Quaresma e as Solenidades da Semana Santa de Braga fazem parte do Inventário Nacional do Património Cultural e Material. Esta é uma distinção que deveria ser mais projetada?
Ela teve em espera alguns anos, não por culpa da Comissão da Semana Santa e de quem a introduziu, mas porque a DGPC (Direção Geral do Património e Cultura) estava ali com algumas dificuldades de pessoal e de gestão também dos processos de património imaterial, portanto por isso é que só sucedeu em 2023. De alguma forma, ainda não tiveram tempo de trabalhar devidamente, mas eu acredito que já há menção no programa deste ano de que está reconhecida como um Inventário Nacional do Património Cultural e Material. Teve grande repercussão mediática essa classificação, essa integração na lista e eu acho que ainda pode ser feito trabalho, nomeadamente investindo cada vez mais na investigação científica, em exposições na programação da Semana Santa. A Semana Santa não pode agora adormecer à luz dessa inscrição, até porque daqui a uns anos o registo tem de ser renovado e, portanto, convém não esquecer isso. A Semana Santa tem de continuar este trabalho de investigação. Acho que este centro interpretativo já é um sinal, mas pode haver ainda mais investimento na parte da programação a esse nível.
Queria fazer-lhe uma última pergunta. Não o preocupa o rumo que está a ser seguido no país ao nível do turismo? Não lhe parece que de alguma forma está a ser criada uma dependência econômica extrema do setor?
Isso é uma questão para os políticos resolverem. Efetivamente o peso do turismo na economia é cada vez maior, e eu não vejo isso como negativo, isso é positivo para o país.
Mas a dependência excessiva, não será?
Pode criar um problema sério quando o turismo eventualmente, por algum motivo, decrescer e a economia vai-se ressentir sem dúvida. Tem de haver aqui um equilíbrio, também para que os eventos que vivem do turismo não sejam descaracterizados, por causa disso.
Há esse risco?
Há esse risco, claro, e muito mais num evento religioso como é a Semana Santa de Braga, mas com atenção e reflexão naquilo que deve ser feito, acho que podemos conseguir um equilíbrio. Contudo, não podemos descurar essa atenção. E isso é que é importante. Quem está à frente das entidades, seja política, seja religiosas, seja de outros níveis, tem que ter isso sempre presente para não permitir a descaracterização daquilo que somos como sociedade.