Entrevista a D. Manuel Madureira Dias, bispo emérito do Algarve por ocasião da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos De 18 a 25 de Janeiro decorre a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Estas datas foram propostas em 1908 por Paulo Wattson, de modo a cobrir o período entre a festa da Cadeira de São Pedro e a festa da conversão de São Paulo. Para aprofundarmos o sentido da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos que se aproxima e conhecermos melhor o Ecumenismo, entrevistámos D. Manuel Madureira Dias, bispo emérito do Algarve. “a defesa” – Qual o significado de se celebrar uma Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos? D. Manuel Madureira Dias – O significado dessa Semana de Oração pode ser visto pelo lado da Oração em si mesma, que tem uma eficácia própria e que não pode dispensar-se seja a propósito de que questão for. Mas com maioria de razão importa pedir a Deus que toque o coração das pessoas que confessam, porventura, aspectos da fé diversificados a fim de que por, esse toque de coração, todos vejamos, com mais clareza, o que devemos fazer e os caminhos que devemos trilhar. A Oração dispõe o coração a acatar o que Deus quer. E é importante porque sem isso não poderemos chegar à unidade, uma vez que Cristo, no contexto da Ceia Pascal, pediu ao Pai a unidade de todos por entender que a unidade entre os discipulos é sempre um dom de Deus que urge implorar. Tal como Ele pediu ao Pai a unidade, nós, a seu exemplo, não temos outro caminho. “a defesa” – Portanto, justifica-se a celebração desta Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos? D. M. M. D. – Não se justifica apenas uma Semana de Oração, mas uma Oração continuada pela Unidade dos Cristãos. Pedir pela unidade não é proselitismo mas é apelo às conversões, é querer que os outros mudem e que nós também queremos mudar. Trata-se, essencialmente, de nos colocarmos todos ao mesmo nível na presença de Deus, para d’Ele recebermos o dom que Deus quer, de certeza, conceder-nos: a unidade. “a defesa” – Depois de andar de costas voltadas, Leão XIII, em 1894, encoraja a prática da “Oitava de Oração Pela Unidade”. Apesar da celebração ter acontecido pela primeira vez em 1908, por iniciativa do Reverendo Pe. Paul Wattson, só com o Vaticano II esta prática se tornou mais regular. Como se explica este período de “frieza” pela Unidade dos Cristãos? D. M. M. D. – Esse período não é único, outros períodos semelhantes aconteceram. O movimento ecuménico não começou com esses apelos à união dos cristãos. Já em séculos anteriores houve iniciativas por parte da Igreja Católica no sentido de se procurar a unidade com a Igreja Oriental. Isso aconteceu no Concílio de Florença onde foram feitas várias tentativas para obter a unidade entre os cristãos do Ocidente e do Oriente que estavam divididos desde o século XI, com Miguel Cerulário. “a defesa” – Contudo, mais recentemente o movimento ecuménico intensificou-se? D. M. M. D. – Efectivamente, este tipo de movimentação ecuménica actual provém de um tempo mais recente. E como muitos outros movimentos da Igreja, não surgiu por imposição da autoridade eclesiástica, mas pela iniciativa das bases. E, com ele começou a gerar-se no seio da Igreja um conjunto de reuniões, de encontros, que inicialmente procuravam converter as outras confissões, mas que a pouco e pouco se foi purificando ao ponto de os Santos Padres decidirem valorizá-los. O movimento ecuménico acabou por se acolhido pela Igreja Católica, após ter sido fomentado nas Igrejas Reformadas. Quem lhe deu maior impulso, no início, foram mesmo as confissões protestantes, a que alguns católicos se associavam. João XXIII, ao convocar um Concilio Ecuménico, como foi o Vaticano II, pretendeu que desse Concílio surgissem bases e fundamentos que levassem as Igrejas a procurar a unidade, com maior solidez. “a defesa” – Paulo VI e o Patriarca Athenágoras foram os grandes homens do Ecumenismo, protagonizando, em 1964, em Jerusalém, um encontro no qual recitaram juntos a oração de Cristo “que todos sejam um” (Jo 17) . Este processo tem continuado ou está emperrado? D. M. M. D. – Quando esse encontro se deu já o Concílio decorria e o decreto sobre o Ecumenismo estava a ser aprovado por maioria esmagadora, debaixo dos olhares dos observadores do Oriente e das confissões protestantes. O que era indício claro dum processo de unidade sincera que estava já em curso. Com tudo isso, o processo tem continuado, com avanços e recuos. Mas não está parado. Houve alguns pontos altos no tempo de Paulo VI e João Paulo II. De facto, foram promovidas muitas actividades e muitos encontros, quer ecuménicos quer diálogo inter-religioso. As Comissões Teológicas, ao nível da doutrina, têm alcançado aproximações significativas. Há matérias dogmáticas que, no tempo de Lutero, estavam nos antípodas da posição católica, como é o caso da Graça e das Obras para a Salvação. Hoje, teologicamente falando, registam-se verdadeiros consensos. “a defesa” – Nos dias de hoje o que é que as Igrejas podem fazer para darem um Sinal de Unidade ao Mundo? D. M. M. D. – A unidade para o mundo é muito complexa porque hoje é tão fácil saber o que se passa no mundo também é difícil dizer ou fazer que um acto seja verdadeiramente global. Estas coisas acontecem em pequenos fermentos, ao nível das comunidades paroquiais, em pequenos grupos, em acções como esta da Semana de Oração pela Unidade. Acredito na Oração feita conjuntamente e no Testemunho da própria fé de cada um, dado de maneira desprendida mas muito convicta. Acredito muito num ecumenismo que vem do testemunho que cada confissão dá de si mesma. Se não houver aproximação, diálogo e verdadeira partilha das confissões pessoais de cada um, é muito difícil haver uma aproximação e uma quebra dos nós que provocaram a ruptura. Hoje, já há um grande respeito mútuo. Entre as verdadeiras confissões protestantes e a Igreja Católica, as coisas tratam-se de maneira diferente do que acontecia há uns anos atrás. As pessoas já não vão armadas quando vão para um encontro. A desconfiança mútua é o maior impedimento para uma aproximação seja de que natureza ela for. Acredito na oração, no diálogo, em grupos e em encontros em que se possam partilhar posições com desprendimento total, mas convictamente. Deste modo haverá condições para uma maior aproximação. Em Portugal debatemo-nos mais com um grande grupo de seitas que têm pouco a ver com atitude dialogante e ecuménica que predomina entre as Igrejas. Uma coisa são as Igrejas e outra são os grupos fanáticos que não reconhecem verdade existente nos outros grupos. Isso é um verdadeiro entrave ao Ecumenismo. “a defesa” – A prática do Ecumenismo tem sido mais dificultada pela aceitação dos dogmas ou pela autoridade dos Chefes das Igrejas? Qual a resposta da ecclesiologia a esta questão? D. M. M. D. – Depende. Do ponto de vista dos Ortodoxos separados de Roma, praticamente o que separa é a questão da autoridade do Papa. Em termos dogmáticos, ou sacramentais praticamente não há diferenças. Eles têm sacerdócio válido como nós e Eucaristia válida como nós. Do ponto de vista dos protestantes, aí há questões de doutrina nas quais ainda há muito caminho a fazer: a questão do sacerdócio hierárquico válido e a da Eucaristia, porque sem sacerdócio válido, não há Eucaristia. Além disso, os protestantes não aceitam a chefia do Papa sobre a Igreja Universal. “a defesa” – Neste Ano Paulino, qual o significado da doutrina de Paulo para a Unidade dos Cristãos? D. M. M. D. – Tem todo o significado. Não foi por acaso que a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos foi colocada entre o período da festa da chamada Cadeira de São Pedro e da festa da conversão de São Paulo. Sobretudo pela missão que desempenhou, Paulo é o homem do Ecumenismo desde a nascença do Cristianismo. Foi escolhido para levar o evangelho aos pagãos. Não podemos esquecer que a Igreja foi formada sobre homens judeus, de raça, religião, lei e cultura. Um judeu ser destacado para marcar o ritmo da diferença e se dedicar aos pagãos e abrir-lhes o horizonte da Revelação de Jesus Cristo é muito significativo. Era um verdadeiro ecumenismo, em contexto diverso do nosso, como é óbvio. Há episódios onde isso se revela. Por exemplo, naquela fricção que aconteceu entre Pedro e Paulo, na comunidade de Antioquia, onde os judeus convertidos questionavam a aceitação dos pagãos. Pedro e Paulo e outros apóstolos resolveram o problema em Jerusalém, concordando que o Evangelho também era para os pagãos. Mas, mais tarde, alguns conservadores de Jerusalém, junto de Pedro, questionaram a decisão, e pretendiam impor a circuncisão e a lei moisaica aos pagãos. Pedro começou a ter comportamentos equívocos perante os pagãos e a não dar muita abertura. Paulo não gostou do fingimento e decide voltar-se para os pagãos, fazendo-se efectivamente, o Apóstolo dos Gentios. Paulo é o homem tipo do que significa trabalhar ecumenicamente, como protótipo da conciliação entre todos. Recordemos o que Ele disse: “não há judeu nem pagão, nem homem nem mulher, nem escravo nem homem livre”. Somos todos irmãos.