Sem Intermediários é pior!

Padre Miguel Lopes Neto, Diocese do Algarve

Foto Agência ECCLESIA/PR

A Revolução digital fez com que, crescentemente, começássemos a viver sem intermediários.

Há muito que as caixas automáticas de supermercado são vulgares, ou o sistema de pagamento automático de postagens está normalizado. Num primeiro olhar pensámos que até seria uma solução boa, devido a uma maior rapidez de procedimentos e a uma maior poupança de tempo. Porém, começamos, num olhar mais profundo e mais reflexivo, a pensar na perda de postos de trabalho que esta evolução tecnológica pode acarretar. Em alguns países caminha-se, rapidamente, para supermercados sem contacto entre pessoas, um pouco à semelhança do que acontece, já, com os pedidos de comida em cadeias de fast-food, como, por exemplo, o McDonalds. Há um ecrã táctil com os produtos. Escolhem-se e eles são entregues, devidamente embalados e ensacados, junto de uma janela, onde estamos dentro do no nosso transporte.

Em relação ao transporte, inicia-se, muito rapidamente, a implementação de sistemas de transporte publico autónomo. Em Saragoça, que é uma cidade europeia de média dimensão, com cerca de 700 mil habitantes, foi anunciado que haverá testes de condução autónoma de autocarros dentro da cidade. Estará um condutor, mas, simplesmente, para verificar os procedimentos da condução autónoma.

A comunicação na era digital pode ser o exemplo da dispensa de intermediários. Há muito que se distingue pelo facto de as informações serem produzidas, enviadas e recebidas sem mediação. Hoje já não somos meros recetores e consumidores passivos de informações, mas seus emissores e produtores ativos. Já não nos basta consumir passivamente, mas queremos produzir e comunicar de modo ativo. Este duplo papel conduz a um incremento, enorme, da quantidade de informação. As redes sociais liquidam a mediação da comunicação: desmediatizam-na, como diz o filósofo Chul Han[1]. A atual sociedade da opinião e da informação assenta nessa comunicação desmediatizada, que faz com que os jornalistas pareçam supérfluos e anacrónicos. Hoje, cada qual quer estar diretamente presente e apresentar, sem intermediários, a sua opinião.

Os políticos também começam a ser vistos, não como transmissores e representantes, mas como barreiras. A desmediatização conduz, em múltiplos campos, a uma massificação. A linguagem e a cultura tornam-se superficiais e vulgares. Defendem-se causas que até podem ser justas e necessárias, mas através de movimentos inorgânicos e com ideias muito pouco fundamentadas, como, por exemplo, pudemos ver nas recentes manifestações a propósito do clima, aqui em Portugal.  Se tudo se tornar público, sem mediação, a política perderá fôlego, passando a agir a curto prazo e tendendo a diluir-se em pura demagogia, o que impõe à comunicação política uma temporalidade, que torna impossível um planeamento lento, a longo prazo.[2]

E, por isso, temos que olhar para as estruturas eclesiais. Cada vez mais as pessoas têm uma ligação e uma afinidade direta com o Santo Padre. Ou até reconhecem os ensinamentos de Jesus Cristo, como válidos para a sua vida, mas não querem pertencer a uma paróquia ou sequer a uma comunidade cristã. Olham para a Igreja Católica e para o clero, tal como olham para os políticos, como barreiras para chegar ao verdadeiro Deus e impedimento para a concretização das supostas palavras do Santo Padre. Obviamente, que dentro do ambiente digital da Igreja Católica também há movimentos inorgânicos ultraconservadores ou ultra progressistas. A Igreja há muito que deixou de influenciar com tanta força o ambiente exterior e há muito que é influenciada permanentemente pela sociedade onde se insere.

O problema é que tantas vezes não reparamos neste estado atual das coisas. Se as pessoas que fazem parte das estruturas da Igreja não forem empáticas, derem testemunho verdadeiro de vida; se não forem verdadeiros especialistas de relações humanas, acabam dispensados como as caixas de supermercado ou os portageiros e começam a cair, como fez o atual primeiro-ministro argentino (que é imagem e sinal do novo movimento social anárquico), no seu famoso vídeo de campanha, os ministérios que ele pensa ser dispensáveis; ou seja, começamos a fazer cair os valores que são sustentáculo da civilização desde que o pensamento, enquanto motor de evolução, ganhou estrutura e força.

Enganem-se aqueles que pensam que estou a advogar o fim da Igreja Católica. Não é isso. Estou simplesmente a chamar a atenção, para o facto de que se não formos afetivos, próximos e verdadeiros, as gerações digitais, embora tendo a mensagem de Cristo como “chão”, não procurarão mediadores, não procurarão o clero, os leigos que trabalham na Igreja, não procurarão ninguém. Primeiro, porque não acreditam neles; depois, porque colocam barreiras e são dispensáveis; e, por fim, porque haverá sempre “alguém” que é verdadeiro e que, embora esteja longe fisicamente, está próximo digitalmente, rapidamente e intensamente. Os novos meios digitais podem liquidar qualquer classe sacerdotal se esta não souber comunicar e mostrar-se indispensável. Não apenas no digital, mas, sobretudo, nas relações, na qualidade do pensamento, na capacidade de empatia e na inteligência não assente no fácil, nas crendices, na valorização do exterior.

 

 

[1] Byung- Chul Han, No Enxame, Relogio D’Agua, 2016

[2] Idem

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Agência ECCLESIA

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