Sem corantes nem conservantes nem ética nem moral

Frei Hermano Filipe, Diocese de Bragança-Miranda

Em junho de 2025, foi levado a cabo um inquérito junto dos principais agentes da pastoral de uma diocese em Portugal, para tentar perceber as suas principais escolhas no mundo digital. Dali destacaria apenas dois dos dados obtidos: o primeiro é que 91% dos indivíduos usam o Microsoft Windows como sistema operativo no seu computador e 9% usam o macOS; o segundo é que, dos que usam Windows, apenas 37,93% têm instalada a versão mais recente, o Windows 11, enquanto 62,07% têm instalada a versão 10 ou anteriores.

No próximo dia 14 de outubro, termina o suporte do Windows 10. A partir desse dia, a Microsoft deixará de fornecer atualizações de segurança, deixando centenas de milhões de computadores em todo o mundo vulneráveis a novos vírus e ciberataques.

Estima-se que mais de 200 milhões de computadores não possam fazer o upgrade para Windows 11 por não possuírem TPM 2.0 (Trusted Platform Module). Enquanto a Microsoft usa o argumento falacioso de que só os computadores que possuem TPM 2.0 podem garantir a segurança necessária aos sistemas com Windows 11, está disposta a deixar centenas de milhões de utilizadores com sistemas vulneráveis. É como atirar alguém para dentro de uma piscina para que aprenda rapidamente a nadar. Um absurdo. Um contrassenso que não nos deve surpreender pois já se percebeu que o greenwashing e o social washing são o pão nosso de cada dia para as grandes empresas tecnológicas, as chamadas Big Tech.

Segundo um estudo feito por Ben Caddy e Kieren Jessop em 2023 para a Canalys, pelo menos 240 milhões de computadores deverão tornar-se lixo eletrónico; cerca de 1,7 milhões de toneladas de resíduos para ser mais preciso. Responsabilidade ambiental? Bem prega o frei João… olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço!

Não há muitos anos, a obsolescência programada era feita às escondidas; agora é feita às claras. É tão grande o poder económico e de lobbying que esta empresa alcançou que poucos se atrevem a questionar, mesmo quando nos vão aos bolsos desta forma.

Não pretendo, de modo algum, demonizar a Microsoft em particular, até porque a Alphabet (Google, Gmail, etc.) e a Meta (Facebook, Messenger, Instagram e Whatsapp) têm práticas que conseguem, de longe, ser bem piores para os consumidores. No passado dia 5 de setembro, a Comissão Europeia multou a Google em quase 3 mil milhões de euros por abuso de posição dominante em publicidade digital. No dia anterior, a mesma empresa, havia sido condenada pelos tribunais americanos ao pagamento de uma multa de 425,7 milhões de dólares por recolha indevida de dados pessoais dos utilizadores. Horas antes, as autoridades francesas, aplicaram uma multa à Google no valor de 325 milhões de euros por desrespeito da legislação sobre rastreadores online (cookies). Isto em apenas dois dias. As notícias de atropelos à privacidade e aos direitos dos utilizadores são diárias. Relacionadas com a Meta (Facebook), iguais ou piores, porque, como o caso Cambridge Analytica bem demonstrou, consegue influenciar eleições até em países de longa tradição democrática.

Mas hoje é da Microsoft que estamos a falar. Aponto, em seguida, alguns exemplos de porque é que, na minha opinião, a Igreja, tendo alternativas, que as tem, nunca deveria trabalhar com produtos desta empresa:

  • A Microsoft conseguiu entrar no gigantesco mercado chinês apenas porque aceitou aliar-se à censura do regime e remover ou alterar conteúdo sensível das pesquisas do Bing e do Linkedln. Mais recentemente, alterou nos seus mapas, a pedido do presidente dos EUA, o nome do Golfo do México para Golfo da América. É uma empresa que facilmente se alia tanto a governos democráticos como autoritários tendo apenas em vista a maximização do lucro e não a verdade da informação veiculada.
  • A aquisição do Skype, substituído em fevereiro de 2025 pelo Teams, ou as aquisições do Linkedln ou do GitHub, são a prova de que a Microsoft é capaz de gastar muito dinheiro apenas para eliminar a concorrência.
  • Há sinais preocupantes de parcerias da Microsoft com o exército de vários países para o desenvolvimento de tecnologia relacionada com a realidade aumentada, reconhecimento facial e inteligência artificial para uso militar. Não importa se o fim é a vida ou a morte, mas o lucro.
  • Em 2013, Edward Snowden, divulgou documentos que comprovam que a Microsoft trabalhou com os serviços de inteligência dos EUA para poderem contornar a criptografia da própria empresa, permitindo-lhes, assim, o acesso ao sistema de centenas de milhões de utilizadores. Devemos acreditar que a situação se alterou?

E, no entanto, continuamos a usar produtos desta e doutras Big Tech como se não se levantasse qualquer problema ético ou moral ou como se o software fosse moralmente neutro. Não é!

Mas há uma solução que permite não apenas reutilizar computadores com 8, 10 ou até 15 anos, evitando a criação de mais e-waste, como também a libertação do jugo de empresas como a Microsoft: a adoção de software livre, mais concretamente, neste caso, o Linux, como sistema operativo, e o LibreOffice, como suíte de produtividade.

O software livre e de código aberto tem sido progressivamente adotado por muitos países, como é o caso do Brasil, da Alemanha, da França, da Espanha, da Suíça ou dos Países Baixos. O princípio é simples: dinheiro público, deve financiar código público (aberto).

Talvez seja a minha costela de frade menor, mas creio que a viúva pobre do evangelho (Cf. Mc 12,41-44) continua a sustentar a Igreja para o serviço dos pobres, não para luxos dispensáveis. Pode parecer um exagero mas, se extrapolarmos para o nível nacional os dados obtidos no inquérito, facilmente chegamos à conclusão de que no final deste ano ou início do próximo, no seu conjunto, os principais agentes da pastoral da Igreja em Portugal irão gastar centenas de milhares de euros em novos computadores. Alguns não o farão por não terem literacia digital suficiente para perceber os perigos de não o fazer, mas muitos irão fazê-lo.

De pouco adianta querermos comunicar sem corantes nem conservantes, se primeiro não conseguimos fazer uma reta escolha de ferramentas que não levantem dúvidas éticas e morais.

 

Frei Hermano Filipe é frade da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos e
responsável pelo respetivo Serviço de Comunicação em Portugal.

 

 

Fonte da Fotografia: https://it-recycle.uk/

Partilhar:
Scroll to Top