«Que haja a coragem» de explicar que taxas moderadoras são um «pagamento parcial das despesas», considera Daniel Serrão
Lisboa, 10 jan 2012 (Ecclesia) – O desaparecimento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) só pode ser evitado se os utentes comparticiparem os seus custos, considera o médico Daniel Serrão, membro honorário da Academia Pontifícia para a Vida (Vaticano).
“Sem participação dos cidadãos nos custos o SNS é financeiramente insustentável e será autodestruído”, escreve o perito na área da bioética em artigo publicado na edição de hoje do semanário Agência ECCLESIA.
O especialista sublinha que este “copagamento” deve estar “relacionado com a despesa provocada com o uso do ambulatório ou do hospital e indexado aos rendimentos do cidadão”.
“Por exemplo, se o detentor da maior fortuna em Portugal for tratado num hospital público e provocar uma despesa de cem mil euros pagará a totalidade”, mas “se um sem abrigo estiver internado um mês, para tratamento de uma patologia grave, e provocar a mesma despesa, cem mil euros, não pagará nada”, explica.
O texto recorda que as taxas moderadoras foram lançadas para “moderar o abuso da ida ao SNS”, não pretendendo ser “uma forma encapotada de criar uma receita” que atenuasse as “dificuldades de financiamento”, que “sempre existiram”.
“Por respeito à verdade que é devida aos cidadãos afirmo, sem receio de ser contraditado, que o SNS nunca recebeu do Estado o financiamento necessário para cobrir as despesas que tinha de fazer para atender gratuitamente os cidadãos que diariamente o procuravam”, frisa o investigador.
O Serviço Nacional de Saúde, lembra, “transformou todos os cidadãos, ricos, remediados e pobres, em beneficiários do Estado”, mas os atuais défices tornaram-no incapaz de honrar o compromisso de prestar “cuidados de saúde gerais, universais e gratuitos (ou tendencialmente gratuitos)”.
“Foi reconhecido, desde o início, que sendo o Estado a pagar, as despesas do SNS ficavam cativas das disponibilidades financeiras do Estado e não do custo real das prestações aos cidadãos”, indica Daniel Serrão.
O Governo, sob orientação da troika formada pelo Banco Central Europeu, União Europeia e Fundo Monetário Internacional, decidiu “usar o pagamento das ditas taxas moderadoras, não para moderar o consumo por parte dos utentes mas para obter algum financiamento”, observa.
“Pode não haver outra solução. Mas que haja a coragem de explicar aos cidadãos que não é uma taxa moderadora mas um pagamento parcial das despesas que o cidadão faz quando é tratado no SNS”, assinala o médico que recebeu o Prémio Nacional de Saúde 2010.
Para Daniel Serrão, com a comparticipação dos custos segundo os rendimentos do utente “nenhum cidadão ficaria sem cuidados de saúde por não ter dinheiro para os pagar”, já que o direito aos cuidados médicos “continua garantido” a todas as pessoas, “independentemente da sua capacidade financeira”.
“Os cuidados prestados terão sempre custos, que serão bem conhecidos e públicos e constarão de uma fatura pró-forma. Para os cidadãos estes custos irão ser de zero a 100 %”, acrescenta o especialista que em 2008 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Santiago da Espada pelo presidente da República, Cavaco Silva.
RJM