Catarina Pazes apela a debate alargado à forma como se «vive até ao fim», defendendo valorização

Beja, 06 abr 2025 (Ecclesia) – A presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP), Catarina Pazes lamentou a “incapacidade” de discutir o fim da vida, em Portugal, criticando a legalização da eutanásia.
“Parece-nos uma legislação absolutamente extemporânea e continua a sê-lo precisamente pela nossa incapacidade de discutir o fim da vida e como se vive até ao fim”, refere, em entrevista conjunta à ECCLESIA e Renascença, emitida e publicada este domingo.
“Só existem debates sobre como se morre, como é que eu quero morrer”, acrescenta a especialista.
Catarina Pazes admite que, para muitas pessoas, a perceção sobre os últimos tempos da vida é “de grande sofrimento, associada a tantas intervenções que trazem sofrimento e angústia, a tantos internamentos hospitalares, a tubos, medidas desproporcionadas, agressão”.
“Se não há apoio, não há suporte, não há ajuda, viver essa fase da vida deve ser mesmo horrível. Então eu prefiro antecipar o fim”, observou.
A lei da eutanásia foi promulgada em 16 de maio de 2023 pelo presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, mas aguarda regulamentação.
O Tribunal Constitucional deve pronunciar-se proximamente sobre a lei, após pedido feito pela Provedora de Justiça Maria Lúcia Amaral, segundo a qual “para haver vontade livre e esclarecida é necessário que o Estado garanta outras opções”, como uma boa rede de cuidados paliativos.
A presidente da APCP admite “alguma desilusão” com a falta de investimento no setor, apesar da lei aprovada em 2012.
“Esta área de cuidados de saúde não foi priorizada verdadeiramente”, adverte, considerando que ainda hoje as equipas de paliativos estão “abaixo dos mínimos”.
Perante o aumento da esperança média de vida e o progressivo envelhecimento da população, a entrevistada entende que o investimento nos Cuidados Paliativos “é premente para o Serviço Nacional de Saúde”.
“Isto é um tsunami. O número de pessoas mais velhas, com o aumento do número de pessoas com doença grave, com doença crónica, traz certamente muita angústia e muita necessidade de adequação de cuidados ao longo do percurso, com processos de tomada de decisão, com a necessidade de apoio para o doente, para a sua família, para o cuidador”, realça.
O apelo que fazemos é que seja um assunto transversal e que seja trazido, de facto, para a campanha com uma discussão séria sobre as medidas urgentes a propor no imediato”.
trata-se aqui de um investimento que precisa de acontecer a bem do futuro da saúde em Portugal.
desospitalizar os cuidados, desospitalizar a vivência do final da vida, a vida até o fim, e dando às pessoas o direito de escolher onde estar nessa fase, tem um impacto enorme para a pessoa e para os seus entes queridos, e tem um impacto enorme para o sistema.
Medidas que tragam essa humanização, que tragam a humanização dos cuidados às pessoas que estão numa situação de fim de vida, são medidas que se impõem do ponto de vista ético, do ponto de vista deontológico, da prestação de cuidados de saúde, e que o Estado deve garantir.
Catarina Pazes fala num sistema “insustentável” perante o aumento da procura por parte de pessoas doenças crónicas, com vários problemas de saúde, que “precisam efetivamente de uma assistência adequada à sua situação”.
Continuamos a dar a resposta que a pessoa não necessita, ou uma resposta diferente daquela que ela necessita, mas que infelizmente se traduz em muitas vezes, agravamento do próprio sofrimento”, sustenta.
A especialista recorda o trabalho das equipas de paliativos junto das famílias e o seu papel “muitíssimo importante” na forma como se lida com o luto, rejeitando que estes cuidados sejam sinónimo de “morte iminente”.
“Uma equipa de cuidados paliativos ajuda as pessoas a viver bem, independentemente da sua doença de base e da fase em que a doença esteja”, precisa.
No dia em que se encerra o Jubileu dos Doentes e do Mundo da Saúde, no Vaticano, Catarina Pazes recorda a convalescença de Francisco e deseja que não faltem ao Papa “cuidados paliativos, independentemente do percurso que ele tenha e da possibilidade de reverter a situação”.
“Que seja sempre percecionado que fizemos tudo o que era adequado, que fizemos tudo o que era correto e que a pessoa teve uma vida digna até ao fim”, conclui.
Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)