Estagnação ou retrocesso impacta em toda a sociedade, sublinha Sandra Martins Pereira
Porto, 06 fev 2021 (Ecclesia) – A diretora do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa (UCP) receiaque os cuidados paliativos venham a sofrer um “retrocesso” ou um atraso por causa do combate à pandemia da covid-19.
“Há um risco. A alocação de equipas especializadas em cuidados paliativos para dar resposta a outros locais, há serviços que estão fechados. O que vai acontecer é uma preocupação. Vamos perder ou reabrir?”, afirma Sandra Martins Pereira à Agência ECCLESIA.
A responsável questiona o momento em que se “avançou com a medida legislativa”, que prevê a despenalização da morte assistida, tendo em conta a “crise pandemica à qual é necessário dar resposta”.
Sandra Martins Pereira lembra que o mandato da Comissão Nacional de Cuidados Paliativos terminou sem ter “ainda” uma nova comissão nomeada.
“Gosto de ser otimista e dizer que as pessoas que têm formação em cuidados palitiavos, apesar de dispersas em outros serviços, com esta formação conseguem prestar ações paliativas e produzir algumas melhorias nos serviços onde estão. Gosto de acreditar que nesta pandemia, isto está a acontecer”, sublinha.
A estagnação ou “retrocesso” em cuidados paliativos, indica, impacta a “sociedade” e deriva “em sofrimento no caso de uma doença incurável e que ameaça a vida”.
A partir da mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial do Doente, que se assinala no dia 11 de fevereiro, Sandra Martins Pereira afirma que a presença curadora deve ser uma “interpelação para todos”.
“Um estudo publicado pré-pandemia indica que, na atualidade, mais de 25 milhões de pessoas morriam com sofrimento grave relacionado com processo de doença que limitava a vida. E 35 milhões de pessoas viviam com sofrimento devido a problemas de saúde. Se o estudo fosse agora repetido, este número iria aumentar”, lamenta.
A responsável refere-se a pessoas que vivenciam doenças, “devido à pandemia mas não só”, cujas “abordagens terapêuticas estão a ser ajustadas, em que possivelmente os tratamentos agressivos feitos todas as semanas estão com intervalo quinzenais mas em doses mais agressivas, em tratamentos oncológicos, por exemplo, para evitar idas mais frequentes aos hospitais de forma a prevenir infeções; implica também diagnósticos atrasados, pessoas que estão a perder familiares e não conseguem fazer a despedida e provavelmente vão ter processos de luto complicado com impacto na sua saúde mental”.
“Eu diria que este sofrimento é um convite a pensarmos a ética do cuidado”, sublinha.
Sandra Martins Pereira afirma que a pandemia veio “exacerbar” preocupações éticas dos profissionais de saúde: “Decisões éticas em fim de vida, decisões de alocação de recursos, de justiça no acesso a cuidados, do envolvimento de cuidados paliativos na resposta às pessoas com doença incurável e progressiva, de responsabilidade profissional também das instituições com os seus profissionais de saúde e com a sua própria vulnerabilidade”, são exemplos de desafios diários enfrentados.
A responsável lembra que as orientações “não são novas” mas que “o volume de trabalho é grande e o tempo para a tomada de decisões é muito curto, devido à natureza da própria pandemia”.
A diretora do Instituto de Bioética da UCP explica que o desenvolvimento tecnológico e científico é “suscetivel” de levantar questões éticas e que isso decorre não exclusivamente num contexto pandémico.
“Muitos dos problemas que vemos a ser noticiados não são de agora, estão a ser exacerbados por causa da pandemia, mas vemos que as fragilidades em sistemas de saúde que até vemos como melhor que os nossos, foram confrontados com problemas. Estamos a ser confrontados com a forma como tratamos os mais idosos, os mais vulneráveis, como desviamos do nosso olhar de pessoas com uma doença mental crónica persistente severa e são isolados em estruturas que existem”, evidencia.
Sandra Martins Pereira sublinha palavras de gratidão a “todos os profissionais de saúde, serviços sociais, proteção civil, todas as forças reunidas a dar resposta na linha da frente” e fala em “civismo e partilha solidária de uns pelos outros no respeito pelas regras”.
A conversa com a diretora do Instituto de Bioética da UCP vai estar em destaque no programa Ecclesia este domingo, na Antena 1, pelas 6h00.
OC/LS