São Vicente de Fora na História

Documentos do Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa

O Patriarcado de Lisboa, não obstante as vicissitudes históricas que afectaram o património documental da Igreja, conserva nos seus arquivos documentação significativa respeitante à história e quotidiano do Mosteiro de São Vicente de Fora, actual sede da Cúria Diocesana.

Desde o passado mês de Maio que está aberta ao público no mosteiro uma exposição documental, ilustrativa de alguns aspectos da vida e quotidiano deste cenóbio, um edifício que, nas palavras de Norberto de Araújo, é «cheio de carácter artístico, cheio de pensamento político e religioso, e imbuído na cor e nas ideias de séculos sucessivos, [e que] possui em alto grau a faculdade de arrebatar a nossa alma para cogitações sublimes».

A mostra documental, sem pretender ilustrar a cronologia do edifício, mas tão-somente destacar a existência de documentação relativa ao mesmo e na posse da Igreja, é uma produção do Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa, integrada num leque mais vasto de actividades,Percurso Expositivo

1ª Parte
São Vicente de Fora na História – Documentos do A.H.P.L.

Cinco núcleos expositivos exibem importantes testemunhos documentais para a leitura do espaço e das suas mutações num quadro temporal que medeia o ano de 1654 e a primeira metade do séc. XX. 

Núcleo 1 – A Freguesia de São Vicente de Fora
A freguesia, mais tarde denominada paróquia, era uma instituição associada ao exercício do culto num determinado território em que os indivíduos estavam sujeito à mesma autoridade eclesiástica. A paróquia de São Vicente de Fora, instituída após a conquista de Lisboa (1147) no mosteiro mandado edificar por D. Afonso Henriques viu no séc. XVI ser lançada a primeira pedra da reconstrução do templo que seria inaugurado em 1605. Os «róis de confessados» expostos, importante fonte para a caracterização demográfica e sociológica das freguesias, destinavam-se ao controlo anual dos paroquianos no que respeita ao cumprimento dos sacramentos da confissão e comunhão por ocasião da Quaresma. «As visitações, ou visitas pastorais», são um mecanismo de fiscalização dos prelados às paróquias sob a sua jurisdição. Nos livros das devassas expostos podemos recolher aspectos relevantes acerca dos comportamentos diferenciados das populações que eram sujeitas à visita.

Núcleo 2 – O Mosteiro de São Vicente de Fora e os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho
Em 1771, os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho são transferidos para o Real Convento de Mafra para instalação da Patriarcal em São Vicente de Fora. Em 1792, por ordem do príncipe regente D. João e com a patriarcal integrada na capela real do Paço da Ajuda, recolhem novamente a São Vicente de Fora onde permanecem até 1833. Neste período, a actuação dos religiosos exerce-se essencialmente ao nível da evangelização, da educação e da assistência, como nos testemunha o «Livro dos Assentos das Determinações dos Capítulos do Convento.»

Em 1833, por ordem de D. Pedro IV, os cónegos regrantes voltam para Mafra. A última acta exarada no Mosteiro de São Vicente de Fora data de 7 de Novembro de 1833.

Núcleo 3 – Da expulsão dos Cónegos Regrantes ao Paço e Cúria Patriarcal
A entrega do cenóbio dos cónegos regrantes de Santo Agostinho ao Patriarcado de Lisboa fez-se por decreto de D. Pedro IV, datado de 21 de Janeiro de 1834.
Exposição
D. Frei Patrício da Silva foi o primeiro patriarca a habitar o Paço de São Vicente de Fora, transferindo-se para aí os serviços da Câmara e Cúria Patriarcal.

De 1838 a 1853 o Mosteiro é o único pólo de formação sacerdotal da diocese de Lisboa.

Por motivos de obras na Sé de Lisboa, entre 1858 e 1863, esteve ali instalada a cátedra patriarcal.

Nos anos de 1896-1905, por iniciativa do Cardeal Patriarca D. José Neto, funcionou em São Vicente um novo seminário de preparatórios, denominado “Pequeno Seminário de Jesus, Maria e José”, destinado à educação de meninos pobres do Patriarcado que se dispusessem ao estudo eclesiástico.

O Panteão Real da Dinastia de Bragança marcou profundamente o dinamismo do mosteiro. Os Patriarcas de Lisboa, os guarda-mors do panteão régio, demonstraram zelo e cuidado pelo espaço, como nos atestam vários documentos.

Núcleo 4 – As Irmandades em São Vicente de Fora
As Irmandades, associações de fiéis leigos, são constituídas organicamente com a finalidade de promoverem o culto público ao santo patrono e praticarem a caridade. São, por excelência, meios fundamentais para a conservação e difusão de determinada devoção no seio de grandes freguesias. A paróquia de São Vicente de Fora é proprietária de um relevante espólio documental de irmandades, depositado no A.H.P.L., de que destacamos documentação da Irmandade do Santíssimo Sacramento e a de Nossa Senhora da Conceição da Enfermaria.     

Núcleo 5 – A Paróquia de São Vicente de Fora na primeira metade do séc. XX
Na sequência do regicídio de 1 de Fevereiro de 1908, os ofícios fúnebres marcaram o quotidiano do mosteiro. Os jornais diários apontaram entre 20 a 40 mil o número de pessoas que afluíram a São Vicente nos dias seguintes para ver os despojos de D. Carlos e do príncipe Luís Filipe.

Com a implantação da República e a promulgação da lei da Separação de 20 de Abril de 1911, D. António Mendes Belo é votado ao exílio em Dezembro do mesmo ano, perdendo o direito de residência. A 1 de Janeiro de 1912 acorreram a São Vicente cerca de seis mil pessoas para saudar o bispo antes da sua partida para Gouveia.

Posteriormente, a maioria dos espaços foram ocupados pelo Liceu Gil Vicente e por diversas repartições públicas. Só seriam devolvidos ao Patriarcado de Lisboa, para usufruto, por portaria de 14 de Maio de 1940.

O século XX é um período de profundas intervenções nos panteões da dinastia de Bragança. A 2 de Fevereiro de 1932, uma comissão particular inicia uma campanha de intervenção, cujas obras a Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) tomaria a seu cargo.

O dinamismo religioso do mosteiro foi assegurado pela paróquia. Monsenhor Esteves, pároco de 1900 a 1959, marcou profundamente a freguesia. Precursor do apostolado social e catequético, desenvolveu trabalho notável nas áreas da educação literária e religiosa, sendo igualmente produtor de um relevante espólio fotográfico fundamental para a caracterização do quotidiano na primeira metade do séc. XX, e a partir do qual apresentamos um pequeno filme com cenas do quotidiano na primeira metade do séc. XX.

2ª Parte
Santo Agostinho, São Sebastião e São Vicente. Uma trilogia hagiológica

A segunda parte da exposição é votada aos modelos hagiográficos que marcaram a espiritualidade dos que habitaram o mosteiro e o programa iconográfico da sua construção.
S. Vicente
Santo Agostinho – Um dos quatro doutores da Igreja Latina, é o patrono dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, que habitaram o mosteiro entre os sécs. XII e XIX. É iconograficamente representado como monge agostinho, envergando um cinto de couro e nas mãos o coração inflamado, trespassado por flechas, numa peça proveniente da paróquia de Santo Agostinho de Marvila, Lisboa, e como bispo numa pintura sobre madeira, do início do séc. XVII, da autoria de Belchior de Matos.   

São Sebastião – protector contra as pestes, gozava de importante devoção na cidade de Lisboa. Confrade contemporâneo de São Vicente teve culto unido no Mosteiro de São Vicente de Fora a partir do séc. XVI. É representando amarrado a um tronco de árvore e cravado de flechas, numa peça do séc. XVII proveniente da paróquia de Santa Catarina, Lisboa. As setas cruzadas, emblema de São Sebastião, por vezes entrelaçadas em palmas, são recorrentes no programa iconográfico do Mosteiro.

São Vicente – Diácono e mártir, padroeiro da diocese e cidade de Lisboa. A associação do culto ao mosteiro surge logo após a conquista de Lisboa aos Mouros em 1147, tendo D. Afonso Henriques, seu grande devoto, dado a invocação de São Vicente ao templo medieval que manda erigir perto do local onde estaciona as suas tropas. São seus atributos habituais a palma, o evangeliário, a dalmática vermelha, a caravela e o corvo, conforme se pode Observar numa escultura do séc. XVII, proveniente da Sé de Lisboa.

Horários de visita:
Terça-feira a Domingo – 10:00 às 17:30
Local: Mosteiro de São Vicente de Fora

Ricardo Aniceto

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top