São Lucas, o Evangelho do Discípulo

D. Teodoro de Faria, Bispo do Funchal A Igreja apresenta-nos neste ano litúrgico o evangelista São Lucas. Segundo uma tradição milenar, São Lucas escreveu o terceiro evangelho e os Actos dos Apóstolos. Ele seria o “médico carissimo” ao qual se refere São Paulo na carta aos Colossenses (Col. 4, 14) e no pequeno escrito a Filémon (Fil. 24). Nos Actos dos Apóstolos aparece como companheiro de São Paulo e a sua vida permanecerá unida ao Apostolo dos gentios. São Lucas não conheceu Jesus Cristo. Teria provavelmente nascido na grande cidade de Antioquia da Síria e de família pagã. Conheceu Jesus Cristo como Salvador e Filho de Deus na pregação apostólica de Antioquia; como médico não podia salvar a todos os pacientes nem prometer-lhes a salvação depois da morte, ao tornar-se discípulo de Jesus Cristo encontrou resposta para as suas dúvidas e toda a sua vida se modificou para sempre. São Lucas pertencia ao ambiente culto do mundo helenista. Ele conhece e domina a língua grega e escreve com muita facilidade e elegância. Leu os grandes mestres da literatura helénica e conheceu o Antigo Testamento na tradução chamada Setenta, originária da cidade intelectual de Alexandria, no Egipto. O evangelista tem o dom de contar e pintar as cenas evangélicas de maneira a ser conhecido como pintor, principalmente de Nossa Senhora, não com os pincéis mas com a pena. São Lucas teve o mérito de fazer entrar o cristianismo na literatura e na história, mas a sua principal preocupação foi confirmar com os seus escritos os cristãos vindos do paganismo e levar a mensagem de salvação a todos os homens de boa vontade, mostrando que Deus quer salvar a todos. O seu evangelho foi provavelmente escrito em Roma quando acompanhava São Paulo na prisão. Como homem culto, amante da verdade e bom historiador, ele previne-nos que se informou cuidadosamente de todos os factos que escreve. Na cidade de Antioquia encontrou cristãos que estiveram em contacto com Jesus, outros eram provenientes dos círculos de João Baptista e de São João, mas foi principalmente durante os dois anos que esteve na Palestina, enquanto São Paulo esteve preso em Cesareia, que ele teve tempo e ocasião de investigar. Parece que esteve em contacto com o grupo das mulheres que seguiram Jesus, como Maria Madalena, Joana, Marta e Maria, mas deveria ser a Mãe de Jesus quem lhe teria fornecido os dados mais seguros, principalmente para o seu evangelho da infância. Teve conhecimento do evangelho de São Mateus, ainda em aramaico. São Lucas soube dosear a história, a narração, a fé e a teologia, mas o que mais lhe interessa é contar o que Jesus “fez e ensinou” (Act. 1,1). 2. O Evangelho de São Lucas é de uma grande riqueza teológica, histórica e cultural. Sem o seu evangelho não conheceríamos a infância de Jesus nem de João Baptista, nem as parábolas do Bom Samaritano e do filho pródigo, do rico avarento e do pobre Lázaro, nem a história da mulher pecadora, do ladrão arrependido, das mulheres que seguiam o Mestre e dos discípulos de Emaús. O seu evangelho acentua a salvação universal. Os pecadores são amados por Deus e perdoados, Jesus come com os publicanos e pecadores para os converter, como no caso de Zaqueu e Mateus. Todos os que eram vistos com desprezo perante os doutores da lei, são os preferidos de Jesus. O Evangelho de Lucas mostra a libertação trazida por Jesus Cristo, a sua misericórdia, perdão, e a defesa das mulheres. São Lucas descreve a predilecção de Jesus pelos pobres e à riqueza chama-lhe “mamona” da iniquidade, faz parte do seguimento dos discípulos de Jesus ser desprendido dos bens materiais, a exemplo do Mestre que não tinha onde reclinar a cabeça. Lucas mostra no seu evangelho e no livro dos Actos um coração generoso, que se compadece da dor da miséria humana, apresenta Cristo à procura da ovelha perdida, chora sobre a sua cidade de Jerusalém, que havia de ser destruída pelo imperador Tito no ano 70, consolando as mulheres, que no caminho do Calvário, se compadecem com a sua dor e acena aos sofrimentos que teriam de padecer com a destruição da Cidade Santa. São Lucas é o evangelista da oração, apresentando como exemplo o próprio Jesus, a orar por ocasião do baptismo, antes de escolher os discípulos, na Transfiguração, no Horto das Oliveiras até suar sangue, e na Cruz, a pedir o perdão para os seus algozes e malfeitores. Lucas é o evangelista do Espírito Santo, doutrina que apresenta principalmente no livro dos Actos, a primeira história da Igreja, mostrando como as promessas de Jesus são cumpridas com presença do Espírito. Ao longo do seu evangelho, aparece uma atmosfera doce e festiva, cântico de anjos em Belém, cânticos de Zacarias e Maria, louvor das multidões entusiasmadas pela doutrina e milagres de Jesus. Toda a sua obra revela optimismo, felicidade pela salvação trazida por Jesus. O grande poeta Dante chama-o “escriba da mansidão de Cristo”. São Lucas sabe seduzir com um estilo fino, penetrante, sóbrio, sem detalhes inúteis, mas sobretudo descobre-se nele uma delicadeza de alma, que, embora haja páginas mais teológicas e dramáticas no Novo Testamento, nenhuma deles nos mostra um Deus, tão amável, compassivo, misericordioso, tão perto de nós, que não temos outra atitude senão tornamo-nos discípulos de Jesus e ser semelhantes a Ele para sermos filhos do Pai que está nos Céus. Funchal, 17 de Dezembro de 2006 † Teodoro de Faria, Bispo do Funchal

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