Dez anos depois da estreia do musical «Wojtyla», a relação com o «Papa dos jovens» aprofundou-se e continua a marcar a vida da encenadora
Lisboa, 17 mai 2020 (Ecclesia) – A encenadora Matilde Trocado, responsável pelo musical «Wojtyla», que apresentava testemunhos de pessoas que viram a sua vida tocada por João Paulo II, acredita que deve ao Papa, canonizado em 2014, o seu percurso ligado às artes.
“Eu já fazia teatro antes de partir para Timor, fui sempre fazendo coisas, mas nunca tinha dado o passo para me dedicar a isto a tempo inteiro. E lá eu percebi que se podia ser feliz com pouco, perdi medos e fui capaz de arriscar. Depois de Timor, João Paulo II deu-me esse empurrão. Sem esse projeto (do musical «Wojtyla») não sei se a minha história seria igual ou sequer parecida. Foi muito decisivo”, conta à Agência ECCLESIA.
Karol Jozef Wojtyla nasceu em Wadowice (Polónia), a 18 de maio de 1920, foi eleito Papa a 16 de outubro de 1978, e morreu no Vaticano, a 2 de abril de 2005; Francisco canonizou-o a 27 de abril de 2014, perante mais de um milhão de pessoas.
Matilde Trocado cresceu numa família católica, encontrando na Igreja “uma educadora” e desde cedo aprendeu a reconhecer “nos mais velhos”, um olhar de muito amor por João Paulo II.
“Às vezes em pequeninos analisamos os gestos dos mais velhos e cresci com um olhar de admiração para ele”, assim recorda aquele que foi durante muitos anos o Papa da sua vida.
Uma linguagem “muito fácil para os jovens, um sorriso fácil”, a encenadora e professora de Teatro, encontrava em João Paulo II “uma pessoa com que facilmente gostaria de passar uma tarde a conversar com ele” e reconhece também que os jovens perceberam nele que “um santo também pode dançar, cantar e gostar de desporto”.
Matilde Trocado lamenta não ter estado na Jornada Mundial da Juventude, em Roma, em 2000, atividade em que muitos dos seus amigos participaram, mas dois anos depois fez Erasmus (programa europeu que promove a mobilidade de estudantes universitários) naquela cidade italiana, e visitar o Papa ao domingo era programa habitual, sozinha ou com visitas.
“Apesar de ser ao longe, habituei-me a ver o Papa. Foi um privilégio”, recorda.
Desde cedo a relação de João Paulo II com Nossa Senhora intrigava Matilde Trocado.
“Parte da minha caminhada de fé foi feita a caminho de Fátima. Mas a relação com Nossa Senhora aprendi com João Paulo II. Ele andava sempre com o terço na mão e muitas vezes oferecia um terço a quem o visitava. Há relatos de pessoas que dizem que, em momentos de pausa, ele rezava o terço. Eu achava muito curioso”, sublinha.
Para o seu pontificado João Paulo II elegeu o lema «Totus tuus», (Todo Teu) numa consagração total à Virgem Maria.
É um lema muito corajoso… Como é que um bispo, que é Papa, põe como prioridade ser todo de Maria, e mantém na mão um terço que lhe dá força… A devoção a Nossa Senhora desta forma intrigava-me. Eu cresci mais a olhar só para Jesus e João Paulo II ensinou-me a contar também com a mãe de Jesus”.
O marido de Matilde, Duarte Valle de Castro, foi, em 1991, uma das duas crianças que entregou flores a João Paulo II, quando ele desceu do avião, no aeroporto de Figo Maduro, naquela que foi a sua segunda visita a Portugal.
“Essas imagens podem ainda ver-se… eles a conversarem e o Papa a fazer festinhas na cabeça e a oferecer ao Duarte um terço”, conta.
“Anos depois, o terço é um pequena relíquia que o Duarte me ofereceu e que temos cá em casa. É dos dois”, brinca.
Casados desde 2007, foi com um ano de matrimónio que o sonho do Duarte passou a ser o de Matilde também, e rumaram a Timor, através da organização não-governamental para o desenvolvimento, Leigos para o Desenvolvimento, para um ano de missão.
Do outro lado do mundo, Matilde Trocado consolidou a sua relação com João Paulo II.
O povo timorense tem uma devoção muito grande a João Paulo II: uma criança que nos era muito próxima, na missão, chamava-se Karol Wojtyla, mas havia outras com o mesmo nome”.
Foi em 1989 que João Paulo II esteve em Timor, e a 12 de outubro celebrou uma Missa, em Tassitolo, onde hoje existe uma estátua em sua memória.
“É muito bonita, feita por um escultor português, Alves André. A sua passagem por Timor, em 1989, foi muito importante para o povo; aconteceu antes da ocupação e ajudou a colocar Timor no mapa internacional e mostrar o que lá se passava”, conta.
De regresso a Portugal, em 2009, é desafiada pelo padre Nuno Coelho, pároco em Cascais para um projeto que pudesse homenagear João Paulo II.
“O padre Nuno Coelho encomendou uma escultura ao mesmo escultor, Alves André, e queria inaugurá-la na data em que João Paulo II faria 90 anos. Pude conhecer o escultor, conversar com ele e nessa altura arranca o processo do musical”, recorda.
Ao medo inicial de não estar à altura do projeto, surgiu depois a certeza de quanto era necessário dar a conhecer vidas que mudaram a sua história por se terem cruzado com João Paulo II.
Ainda hoje acho que não estou à altura. Eu compreendia que a ideia fazia todo o sentido: João Paulo II foi ator, muito bom segundo consta; todos conhecemos a voz que ele tinha; era o Papa dos jovens e isto era um projeto com jovens; ele tinha escrito uma carta aos artistas. Assustava… é a ideia de «não quero estragar». Depois percebi que o teatro tem o poder de contar história e havia histórias que podiam e deviam ser contadas, e isso era bom para o recordar”.
O musical «Wojtyla» estreou no dia em que João Paulo II faria 90 anos, 18 de maio, um dia de nervos, mas Matilde Trocado recorda a semana prévia, com o auditório onde o espetáculo foi estreado a ultimar as obras.
“Ficamos muito surpreendidos com a adesão no dia da estreia. Não estávamos à espera desta adesão tão grande…”, dá conta.
Em cada apresentação o elenco juntava-se para rezar o terço, ritual que se cumpriu em todas as reposições, mesmo nas Jornadas Mundiais da Juventude em 2011, em Madrid.
“O projeto foi misterioso para mim. Todos em equipa o fomos construindo e marcou-nos muito. Era um bastidor em que se rezava e nos riamos muito. Há uma saudade muito grande da altura, muitos eram jovens na altura, hoje são casados e têm filhos, alguns profissionalizaram-se a partir daí. Ainda hoje o recordamos incrédulos de já terem passado 10 anos”, conta.
E de diferentes formas de pertença à Igreja, cada elemento da equipa foi caminhando na sua relação com João Paulo II.
No trabalho de pesquisa que Matilde Trocado realizou, onde encontrou muitos testemunhos, a encenadora recorda tónicas comuns: “o humor, o olhar profundo, a capacidade de colocar a pessoa do outro em primeiro lugar”.
Por isso, para Matilde, a canonização de João Paulo II era uma questão de «quando» e não uma questão de «se».
Lembro-me de um colega de escola contar que, no colégio, colocaram um cartaz à porta do seu quarto que dizia «Karol Wojtyla, aprendiz de Santo». Já os seus colegas de escola intuíam que este era um homem invulgar: o seu olhar, a sua capacidade de perdão, e sabíamos que ali estava um homem de oração. Isso era muito visível, a oração era a sua forma de vida”.
Hoje, Matilde entende que, através do musical, criou “uma relação mais estreita”, com João Paulo II.
“Tendo ele morrido senti que tinha uma relação mais direta, e, com ele no céu podia falar-lhe. Depois do musical acho que ganhei um amigo santo”, afirma.
A conversa com Matilde Trocado pode ser acompanhada a cada noite no programa Ecclesia, emitido na antena 1, às 22h45, de segunda a sexta-feira.
LS