A Santa Sé lançou ontem um desafio a toda a Igreja, propondo uma renovação da pastoral para as pessoas divorciadas. O presidente do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, Cardeal Julian Herranz, apresentou no Vaticano a Instrução sobre a dignidade do Matrimónio, “Dignitas connubii”, assinalando que as pessoas divorciadas que voltaram a casar “devem participar na vida eclesial”. Na mesma linha se pronunciou o secretário da Congregação para a Disciplina dos Sacramentos, D. Domenico Sorrentino. O documento reitera que quem casou novamente, pelo rito civil, não pode receber a comunhão, mas “não está excomungado” e “não deve sentir-se marginalizado por não poder comungar”. “Os divorciados que voltaram a casar pelo civil devem participar na vida da Igreja e esta deve ajudá-las”, disse o Cardeal Herranz, que defendeu a necessidade de fazer “todos os possíveis” para melhorar a sua situação. A Instrução contém novas indicações para os tribunais eclesiásticos, relativos aos processos de nulidade dos casamentos, exigindo que a lei da Igreja seja seguida, assegurando a eficiência que a justiça requer e a dignidade do Sacramento. Este guia para tribunais diocesanos e inter-diocesanos de rito Latino prevê procedimentos, passo a passo, para aceitar, investigar, julgar e apelar nestes casos. Nesse sentido, o documento refere que antes de aceitar um processo de anulação, o juiz deve “empregar meios pastorais” para tentar convencer o casal a manter o seu casamento e “restabelecer a vida conjugal”. “Se isso não puder ser feito, o juiz deve pedir aos esposos que trabalhem em conjunto, sinceramente, colocando de lado qualquer anseio pessoal e vivendo juntos em caridade, para chegar a uma verdade objectiva, como requer a verdadeira natureza das causas matrimoniais”, aponta a “Dignitas connubii”. Aprovado por João Paulo II, o texto final é da responsabilidade do Conselho Pontifício para a interpretação dos Textos Legislativos. As Congregações para a doutrina da Fé e para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos trabalharam nesta Instrução, além do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica e da Rota Romana. O Cardeal Herranz explicou que, com a Instrução “Dignitas connubii”, quer oferecer-se aos juízes dos tribunais eclesiásticos “um documento prático, uma espécie de vademecum, que sirva para um melhor cumprimento do seu trabalho nos processos canónicos de nulidade matrimonial”. O documento, acrescentou o purpurado, quer facilitar a consulta e aplicação do Código de Direito Canónico de 1983, pois apresenta em conjunto tudo o que faz referência aos processos canónicos de nulidade matrimonial. Além disso, a Instrução não se limita a repetir os textos dos cânones, pois contém interpretações, esclarecimentos sobre as disposições das leis e das posteriores disposições sobre os procedimentos para a sua execução. “Esta Instrução vem confirmar a necessidade de submeter a questão da validade ou nulidade do matrimónio dos fiéis a um processo verdadeiramente judicial”, referiu o Cardeal Herranz, que criticou a tendência para encontrar vias de solução “mais simples”, por exemplo a chamada “nulidade de consciência”. Com este documento, a Igreja pretende sublinhar a sua competência para ocupar-se destas causas, “porque nelas está em jogo a existência do matrimónio dos seus fiéis”. Os dados mais recentes sobre nulidades matrimoniais referem-se ao ano de 2002 e indicam um “aumento enorme” comparativamente às últimas décadas, especialmente na América do Norte e na Europa. “Dos 56.236 processos normais de declaração de nulidade, 46.092 receberam uma sentença afirmativa”, informou ontem o arcebispo Velasio de Paolis, secretário do Tribunal Supremo da Assinatura Apostólica. Sestas, 343 emanaram-se em África, 677 na Oceânia, 1.562 na Ásia, 8.855 na Europa e 36.656 na América, das quais 30.968 na América do Norte. O prelado adiantou três explicações para este crescimento. Em primeiro lugar, “uma difundida secularização que comporta concepções erradas do matrimónio em relação ao ideal proposto pela Igreja”; depois, “um conhecimento mais preciso da psicologia da pessoa humana», que «permite dar-se conta de que em determinados casos o consentimento matrimonial não é suficiente para o vínculo entre duas pessoas”; em terceiro lugar, “muitos fiéis que se divorciaram, e por isso poderiam contrair novas núpcias segundo a lei civil, pedem a declaração de nulidade, pois sabem que para um católico o matrimónio válido só pode celebrar-se segundo as leis da Igreja”.
