Na última semana, dois sacerdotes da diocese do Porto foram alvo de homenagens, por razões e em circunstâncias diferentes. Um, pela sua notoriedade para além da morte física, o Padre Francisco Moreira das Neves, no centenário do seu nascimento; outro, pelo reconhecimento da sua acção como pedagogo, agente da pastoral sócio-caritativa e homem de cultura, o Padre Alexandrino Brochado. Ambos foram reconhecidos pelas autarquias da sua naturalidade, porque ambos, embora deslocados para outras paragens por motivos da acção que desenvolveram, prezaram sempre o berço e as raízes da terra natal. É muito relevante que seja a sociedade civil e a estruturas nacionais ou municipais a reconhecerem o papel dos sacerdotes. Com efeito, a acção pastoral destes é sempre uma acção social e cultural. A evangelização é a mais nobre forma de cultura. Toda a acção da Igreja se perfila como uma valorização cultural das pessoas e das comunidades. Não falemos apenas do passado, em que tudo ou quase tudo o que fosse promoção escolar ou de cultura, divulgação de conhecimentos pelo povo, dinâmica associativa, mesmo conhecimento científico, passava pelas estruturas paroquiais: as escolas, os teatros populares, os festivais das mais diversas índoles, as festas e os cantos, as sessões informativas e culturais… As grandes figuras de cidadãos e de homens de cultura que encontramos entre os sacerdotes, embora esquecidas ou postergadas por um poder que sempre tenha querido eliminar a espiritualidade da face da terra, acabam por se impor, mesmo numa cultura de mera e restrita laicidade, como a que hoje entre nós impera. Mesmo com Crimes do Padre Amaro ou Velhices do Padre Eterno de permeio. Falemos do presente, para verificarmos a pléiade de homens de cultura que foram ao mesmo tempo mestres do sacerdócio de Jesus Cristo. Recordemos nomes recentemente avultados, como os de Sebastião Soares de Resende ou António Ferreira Gomes, pensadores maiores do século XX a quem a intelectualidade, e mais do que isso, o povo hoje reconhecem o mérito e sobre quem solidifica a consciência de que não tiveram no seu tempo a notoriedade que mereciam. Talvez mesmo hoje ainda não tenham. No encontro em que a figura de Moreira das Neves emergiu das brumas do tempo através da força do verbo poético e do vigor de uma acção pastoral pautada pela presença nos meios de comunicação em que sempre quis fazer vislumbrar a luz cristã, fez-se referência a muita gente que tornou o sentido cristão em fonte de inspiração literária. Não seria preciso recorrer aos tempos das duas Santas Teresas (a do século XVI e a do século XX), ambas místicas e ambas poetas, ou a S. João da Cruz, ou à força do verbo de António Vieira, imperador máximo da língua portuguesa, porque se nos ficássemos por mais perto de nós, poderíamos encontrar escritores e poetas maiores e viventes nos nossos dias, tais como Bernardo de Vasconcelos, João Maia ou Tolentino de Mendonça. De facto, a maior de todas as poesias é a da palavra divina, e os maiores de todos os poetas souberam assimilar este verbo.