Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Pergunta retórica: não deveria o Natal lançar-nos numa “Nova” Evangelização? Já repararam como se fala pouco disso na Igreja em Portugal? Numa busca pelo Google por “nova evangelização”, e adicionando Portugal, aparecem pouco mais do que 530 resultados, sendo a maior parte referência ao “Conselho Pontifício…” ou à “Comissão de Missão e Nova Evangelização” da Conferência Episcopal Portuguesa. Quando li na “Tarde do Cristianismo”, Tomáš Halík dizer que — «Um bem-intencionado apelo para uma “nova evangelização” lançado à Igreja Católica no limiar do novo milénio não obteve a resposta esperada» — revi-me nestas declarações e, também, no motivo que Halík sugere para isso — «provavelmente porque, entre outras razões, não era suficientemente “nova” nem radical.» — O que significa “nova” para Halík ou “radical”? Infelizmente, ele não dedica a sua atenção ao aprofundamento daquilo que estas duas palavras significam para si, mas este tempo litúrgico poderia ser um impulso a tomarmos maior consciência de como dar vida à novidade e radicalidade no modo de vida que emerge do nascimento de Jesus.
Uma das formas que as pessoas pensam estar relacionada com “evangelizar” é insurgirem-se contra as escolhas que a sociedade faz nas suas leis e costumes. É bom manifestar a nossa opinião sobre as coisas, mas quando o fazemos como pessoas do “contra”, parece-me que dificilmente evangelizaremos. Por exemplo, uma vez participei numa marcha pela Vida e senti que a diferença entre o que estávamos a fazer, e pessoas da função pública em marcha de protesto era pouca. A sociedade não quer saber da opinião dos católicos, o que condenam, e aquilo que estão contra. Se a comunhão faz parte do nosso modo de viver em união com Deus, pela revelação que Jesus fez de como Ele e o Pai são um só (Jo 10, 30), o melhor testemunho que podemos dar aos outros é sermos do com, em vez do contra. Estar com os que pensam de maneira diferente da nossa, ou que possuem escolhas de vida diferentes, ou que agem de forma diferente, não é aceitar o que pensam, escolhem e fazem, mas acolher a pessoa, independentemente do que pensa, escolhe e faz. Nada nos impede de acolher o ateu, o homossexual ou transsexual, ou até a mulher que aborta porque o amor vence tudo, mas a primeira vitória necessária parece ser sobre o nosso preconceito.
Quando a Lei da Eutanásia foi aprovada na Assembleia da República, pretende-se viabilizar uma morte assistida por “doença grave e incurável; lesão definitiva e de gravidade extrema e sem possibilidade de cura”. Ao ler estas palavras, à mente vinha-me a imagem de um doente que sofre, não da doença, e de como o sofrimento sem um acompanhamento espiritual leva a uma vida sem sentido, independentemente das leis que façamos. Não é por acaso que partilho, tão absolutamente quanto Halík, da leitura que faz ao afirmar — «Estou absolutamente convicto de que o ministério do acompanhamento espiritual individual será o crucial papel pastoral da Igreja na tarde do Cristianismo que se avizinha, e o mais necessário.» — Pois, um doente terminal que vive os seus últimos momentos, não sei se deseja morrer ou dar um sentido à sua vida. Só com um acompanhamento espiritual individual podemos compreender o que vive e fazer sentir à pessoa que sofre, a proximidade do calor humano diante da frieza da morte.
A vida é uma peregrinação com um destino final incerto. Sabemos o que acontece ao nosso corpo, mas seremos somente corpo? É impossível reproduzir um pensamento original com tecnologia, mas esses acontecem todos os dias na mente humana. Um pensamento ou ideia materializa-se, mas indica haver um domínio da Realidade que não se restringe à materialidade. A dimensão espiritual humana existe em cada pessoa que nasce e morre. Alguns nutrem essa dimensão com uma vivência religiosa, outros procuram nutrir com diversos tipos de espiritualidade sem qualquer vivência religiosa, mas apesar de todos nutrirem com o amor à sabedoria (filosofia), não tem um simples abraço uma força extraordinária sentida por quem o recebe?
Um abraço pode tornar-se num elemento evangelizador de acompanhamento espiritual individual e bastam dois braços de uma só pessoa, de entre as duas ou mais, para o realizar. Pensamos que as feridas estão apenas do lado daquele que sofre uma doença terminal ou psicológica, mas todos temos feridas. Por isso, um abraço representa uma oportunidade para que do encontro de feridas possa surgir a cura do amor partilhado e que provém de uma subtil (mas real) presença de Jesus entre nós (Mt 18, 20), independentemente das nossas crenças.
Aqueles que abraçaram uma postura evangelizadora a partir da metáfora da batalha poderão ter alguma dificuldade em reconhecer o valor da comunhão na diferença de ideias e ideais. Consideram, talvez, que se não forem eles a fazer um “contra”-ponto, determinados recuos civilizacionais avançam, minando uma experiência e visão da vida com o valor elevado que lhe conferem. Só posso compreender essa postura, mas não é uma escolha absoluta. Existem escolhas diferentes. E mais do que uma Frente Revolucionária que se bate pelos seus ideais, a Igreja é um Hospital de Campanha que acolhe todos os feridos com um abraço.
É curioso que a palavra “evangelização” não apareça na Carta Encíclica Fratelli Tutti, mas existe uma outra que lhe é intrínseca: a hospitalidade. Diz o Papa Francisco que — «A hospitalidade é uma maneira concreta de não se privar deste desafio e deste dom que é o encontro com a humanidade mais além do próprio grupo. Aquelas pessoas reconheciam que todos os valores por elas cultivados deviam ser acompanhados por esta capacidade de se transcender a si mesmas numa abertura aos outros.» É preciso saber aprender a ser do “com” e abandonar ser-se do “contra”.
A comunhão de pessoas enquadrada num acompanhamento espiritual individual, feito de abraços entre feridos que exercem uma hospitalidade de coração, pode ser um gérmen novo e radical de uma “Evangelização Nova” porque renovada pelo amor que vai para além das fronteiras delineadas pelas nossas zonas de conforto. Que o nascimento de Jesus celebrado nos próximos dias, nos inspire a acolher o Espírito Santo que bate à porta do coração para fazer nascer Jesus dentro de nós. Jesus que em nós, e entre nós, renova o nosso olhar, refresca as nossas ideias e nos motiva a amar, nem que seja com um simples abraço.
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