Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
A melhor forma de nos perdermos numa viagem é não saber bem por onde ir. As ideias, raciocínios e a teologia da Laudato Si’ do Papa Francisco que lhe deram o protagonismo para ser uma figura importante neste COP26, podem ser inspiradoras, mas correm o risco de ficar sem vida a não ser que traduzamos as palavras em acção. Contudo, de modo a evitar que a acção se torne em puro activismo será essencial ter objectivos claros e bem definidos. Por isso, gostava de vos partilhar quais são os sete objectivos da Plataforma de Acção Laudato Si’ (PALS para os amigos…) que terá o seu grande lançamento no próximo dia 14 de novembro, o Dia do Pobre.
Os primeiros dois objectivos procuram responder aos gritos da Terra e dos pobres. Antropoceno é a palavra que expressa como as nossas acções começaram a mudar a face do planeta, com uma Grande Aceleração a partir dos anos 1950. Esta mudança levou à intensificação dos eventos climáticos catastróficos, à perda da biodiversidade, que ameaça a sustentabilidade ecológica do nosso planeta. Porém, o planeta permanecerá apesar dos nossos actos. Nós é que podemos não sobreviver a não ser que mudemos o modo como vivemos, nos movemos e existimos.
A Resposta ao Grito da Terra é o objectivo que envolve as mudanças culturais relacionadas com a eficiência energética, a pegada de carbono, novas interacções relacionais com a biodiversidade e promover a sustentabilidade a vários níveis desde a agricultura à água potável e limpa para todos. Contudo, neste “todos” inclui-se uma atenção particular aos mais pobres. Assim, a Resposta ao Grito dos Pobres é o objectivo que reconhece como as alterações no ambiente podem gerar injustiça para com os que têm menos recursos. Do berço ao leito antes do último respiro, todas as fases da vida são importantes. Todos somos chamados a ser solidários e prestar atenção aos mais vulneráveis, desde a criança em risco de vida à comunidade indígena em risco de extinção, desde o refugiado por razões políticas ao migrante por razões de danos ambientais.
O terceiro objectivo refere-se aos recursos e relacionamentos sociais através de uma economia ecológica. Apesar de ser apenas uma das diversas dimensões da acção humana, a economia impulsiona a sociedade. Por esta razão, a economia está implícita na bio- e eco-esfera. O que produzimos, e como; o que consumimos, e quanto; os investimentos éticos ou desinvestimentos em actividades e bens danosos para o ambiente (como os combustíveis fósseis); tudo exige uma economia ecológica que leve o cuidado ao trabalho, a sobriedade à indústria e eleve a dignidade dos trabalhadores.
O quarto e o quinto objectivo estão relacionados com a capacidade de aprender. Assim, o objectivo de adoptar um estilo de vida sustentável procura re-educar o modo como gerimos os nossos recursos, não retirando da natureza mais do que (realmente) precisamos e diminuir o desperdício nesse processo. Podemos reciclar mais e melhor, mas desenvolver hábitos que duram uma vida no modo como comemos, movemos e consumimos será a mudança que gera uma nova cultura ecológica. Depois, uma educação ecológia pretende re-pensar e re-desenhar a aprendizagem, integrando a consciência ambiental com a acção transformativa. Neste objectivo, é da maior importância promover os direitos humanos, incluindo o direito à educação, a liderança ecológica, promover a restauração dos ambientes naturais e desenvolver um novo sentido de comunidade.
Um sexto objectivo consiste no envolvimento da comunidade e acção participativa porque todos somos protagonistas, não só os políticos como os que estão reunidos no COP26. Nesta aldeia global, todos estamos conectados, mas as comunidade são a realidade que nos dá um sentido de pertença e familiaridade com os ecossistemas no lugar onde habitamos. Os políticos autênticos não querem decidir por nós, mas connosco, implicando um maios envolvimento da nossa parte na acção política e social.
Para o fim deixei o que considero ser o objectivo da Plataforma de Acção Laudato Sí’ (PALS) mais fundamental e unitivo: a espiritualidade ecológica. A criatividade humana é o sinal universal da dimensão espiritual que Deus imprimiu no coração e mente de cada pessoa. Dizemos (ou escrevemos em cartazes) muitas vezes “salvem o planeta” ou “protejam o planeta”, mas é o nosso relacionamento com o planeta e os ecossistemas, assim como os relacionamentos entre nós, que precisam de ser salvos e protegidos. O objectivo da espiritualidade ecológica é unitivo porque renova o nosso relacionamento com o mundo natural através das experiências de contemplação, oração, alegria e gratidão. Experiências proveniente dos actos de um coração contemplativo que valoriza o tempo de celebrar, meditar, aprender e rezar.
Em 2015, o papa Francisco canalizou as vozes de todos o que viam e compreendiam o que se estava a passar com o nosso ambiente e deu-nos a Laudato Si’. Ele não partiu do nada, mas construíu esta Encíclica seguindo as intuições de S. João Paulo II e Bento XVI, bem como o conhecimento desenvolvido por cientistas em todo o mundo. Porém, existe um risco para a Laudato Si’. O risco de se tornar mais um livro que faz um alerta global ao aquecimento global.
A Laudato Si’ não é um livro como todos os outros livros dedicados ao desafio ambiental. A Laudato Si’ é uma experiência transformativa. Uma experiência que pretende inspirar-nos em cada acção quotidiana, no modo como nos relacionamos uns com os outros, como as comunidade cristãs se relacionam com a natureza, e quais os estilos de vida que produzem um maior e positivo impacte social e ecológico.
A Plataforma de Acção Laudato Si’ é o palco que revela aquela experiência transformativa que podemos fazer quando tomamos as palavras inspiradoras do papa Francisco e as convertemos em acção. É uma oportunidade única de construir uma autêntica comunidade virtual onde as pessoas partilham o potencial evolucionário por detrás das mudanças culturais induzidas pelos passos dados na transformação dos seus estilos de vida e pensamento. Esta plataforma não é “mais uma coisa” a fazer, mas antes “uma ousada coisa” que dará origem a um tsunami cultural com a capacidade de alterar a paisagem relacional da nossa casa comum. Se não nos envolvermos neste longo e histórico caminho, quem o fará? Por fim, a derradeira questão: o que devo/posso fazer?
Primeiro: visitar o site da plataforma em https://plataformadeacaolaudatosi.org/; e fazer o nosso registo a partir do dia 14 de novembro, Dia do pobre.
Segundo: convidar todos a juntarem-se a esta plataforma: família, amigos, vizinhos, colegas, grupos, comunidades, paróquias, dioceses, escolas, etc.
O caminho diante de nós através da Plataforma de Acção Laudato Si’ é fascinante porque o fazemos juntos, e o futuro do nosso planeta, e sobretudo, de nós próprios, depende disso. Mais do que imaginamos. E quando fazemos este percurso juntos, podemo-nos ajudar reciprocamente, inspirar uns aos outros, e celebrar entre nós com a família da criação o resultado das experiências que fazemos. Num mundo fascinado com as aventuras do super-heróis da Marvel, acredito que a Plataforma de Acção Laudato Si’ será a real aventura do nosso tempo.
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