SABER APRENDER – O que pode ser uma espiritualidade ecológica

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Estamos em plena semana Laudato Si’ (https://laudatosiweek.org/pt/home-pt/😉 e um dos objectivos identificados no último capítulo desta Carta Encíclica é o da Espiritualidade Ecológica. Falar de uma espiritualidade ecológica implica reconhecer a existência de três visões ecológicas, como as que inspiraram o filósofo Felix Guattari, e uma visão unitiva dessas três. Primeiro assumimos que se entende por ecologia a ciência dos relacionamentos. Assim, na vertente do mundo natural é possível identificar a visão de uma ecologia ambiental que se refere aos relacionamentos dos ecossistemas; na vertente dos outros, a visão de uma ecologia humana que diz respeito aos relacionamentos entre as pessoas; e numa vertente mais pessoal existe ainda uma ecologia interior associada aos relacionamentos que ocorrem dentro de nós, tocando nas dimensões mental, mas, sobretudo, na espiritual.

O papa Francisco não o faz explicitamente, mas poderíamos reconhecer que a ecologia integral que propõe na Laudato Si’ procura unir e harmonizar estas três primeiras visões ecológicas. Por isso, a visão subjacente a uma espiritualidade ecológica assente em Deus, que une todas as coisas, só faz sentido no âmbito de uma ecologia integral, ou como em tempos propus;, uma ecologia de comunhão. A questão que daqui surge é: como se traduz na vida e na prática quotidiana. Para isso, a Laudato Si’ convida a fazermos na espiritualidade ecológica um caminho do interior para a plenitude feito em cinco fases: 1) Conversão; 2) Testemunho; 3) Participação; 4) Celebração; 5) e Vida plena.

1ª Fase — Conversão Ecológica

A primeira fase desse caminho é a conversão ecológica no modo de pensar, sentir e viver (LS 216). O que nos leva a pensar, sentir e viver de um modo diferente depende daquilo que nos motiva. E o que nos motiva é o que interiormente nos dinamiza. E tudo o que é interior a ti, a mim, a cada um de nós está estritamente ligado com a nossa união com Deus. E quanto maior for a nossa união com Deus, mais sensíveis estaremos à conversão ecológica que emerge dos vários aspectos que afectam a nossa vida, desde as opções de consumo à nossa opinião sobre as origens da crise ambiental. E se essa crise for um resultado da nossa acção exterior impulsionada por desejos inconscientes ou incoerentes interiores, é natural que a conversão ecológica necessária dependa do modo como trabalhamos o nosso interior. E um desses modos é a contemplação. Porém, o acto de contemplar é o quê? Simples. Notar em coisas novas, ou notar nas mesmas coisas, mas com um olhar renovado/transformado pela união que temos com Deus.

2ª Fase — Testemunho

A conversão ecológica é uma constante na vida, logo, a segunda fase começa com o testemunho a dar daquilo que vivemos. Podemos não falar, mas a alegria que sentimos e a paz que experimentamos irá manifestar-se numa nova forma de falar com as pessoas, de conduzir, e até de consumir. A sobriedade é uma característica da fase do testemunho. E uma outra é a humildade cuja ausência provoca danos ambientais e espirituais. A humildade ajuda-nos a reconhecer quem somos, a saber quais são os nossos limites e a abrir-nos à possibilidade de os usar para sermos criativos na sobriedade. Por exemplo, aprender a fazer iogurtes em casa e partilhar essa experiência com os outros, diminuindo, assim, o uso de plástico nas nossas casas.

3ª Fase — Participação

Na terceira fase, depois da conversão e do testemunho dessa, entramos na fase da participação. O papa Francisco diz que — «o cuidado da natureza faz parte dum estilo de vida que implica capacidade de viver juntos e de comunhão.» — Por isso, a participação na vida das nossas comunidade e na sociedade com o nosso testemunho são a comunhão que gera um modo mais amplo de entender a fraternidade universal, aceitando o mundo natural — vento, sol, nuvens, rios — como irmãos no sentido de não os querermos controlar ou abusar. A participação apela à responsabilidade, como acontece nas nossas famílias. E o amor nos pequenos gestos é expressão da cultura do cuidado que numa espiritualidade ecológica nos tornará cuidadores da criação (que é bem mais profundo que administradores ou guardiões).

4ª Fase — Celebração

Na quarta fase, a celebração é o acto natural de um universo que volta para Deus. Uma espiritualidade ecológica que celebra reconhece a presença de Deus nos relacionamentos que existem em todas as coisas e entre essas. Como Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares expressa tão ao dizer que — «se o riacho desaguava no lago, era por amor. Se um pinheiro se erguia ao lado de outro, era por amor. E a visão de Deus sob as coisas, que dava unidade à criação, era mais forte do que as próprias coisas. A unidade do todo era mais forte do que a distinção das coisas entre si.» Porém, a celebração conduz à última fase, a vida plena.

5ª Fase — Vida Plena

A vida plena só se sente, realmente, na experiência da presença de Deus no meio de nós. Um dos lugares privilegiados é a eucaristia, onde — como diz o papa na Laudato Si’«o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através dum pedaço de matéria.» Mas, ainda de Chiara Lubich apercebemo-nos da intuição de haver uma relação entre a eucaristia e o ambiente que se enquadra na espiritualidade ecológica, quando diz — «se a Eucaristia é causa da ressurreição do homem, não poderá o corpo humano, divinizado pela Eucaristia, estar destinado a desfazer-se debaixo da terra para contribuir para a ressurreição do cosmos?» (Um Caminho Novo, Cidade Nova). Tomar consciência desta realidade escondida e, por isso, designamo-la por Mistério, deveria redimensionar toda a nossa experiência da eucaristia como uma experiência palpável de espiritualidade profundamente ecológica. Por fim, a vida plena no âmbito de uma espiritualidade ecológica em profunda comunhão com Deus convida-nos a «ler a realidade em chave trinitária» (LS 239). Como diz o Papa —

«As criaturas tendem para Deus; e é próprio de cada ser vivo tender, por sua vez, para outra realidade, de modo que, no seio do universo, podemos encontrar uma série inumerável de relações constantes que secretamente se entrelaçam. Isto convida-nos não só a admirar os múltiplos vínculos que existem entre as criaturas, mas leva-nos também a descobrir uma chave da nossa própria realização. Na verdade, a pessoa humana cresce, amadurece e santifica-se tanto mais, quanto mais se relaciona, sai de si mesma para viver em comunhão com Deus, com os outros e com todas as criaturas. Assim assume na própria existência aquele dinamismo trinitário que Deus imprimiu nela desde a sua criação. Tudo está interligado, e isto convida-nos a maturar uma espiritualidade da solidariedade global que brota do mistério da Trindade.» (LS 240).

Ou seja, a finalidade de uma espiritualidade ecológica será darmo-nos conta de como a natureza é (como nas etiquetas da roupa) “MADE IN TRINITY”.


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