Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Uma vez li a seguinte frase — «a inteligência do mundo é constante e a população está a aumentar.» — e não é difícil tirar as ilações desta frase. É uma ideia no espírito das famosas Leis de Murphy, mas que receio ser uma tendência no mundo da comunicação sem fricção em que vivemos. O filósofo francês Jacques Ellul dizia que a total homogeneização do pensamento daqueles que são mais atingidos pelos media resulta da concentração de uma grande quantidade de meios de comunicação na mão de apenas algumas pessoas. Apesar da internet ter surgido como um meio de dar voz a quem, habitualmente, não tem, hoje, temo que têm apenas voz aqueles que os algoritmos perceberam terem o poder de captar melhor a nossa atenção. Algo que nos leva a um paradoxo.
O inventor da palavra cibernética, Norbert Wiener, chamou a atenção para um paradoxo emergente do aumento da nossa capacidade digital de comunicar seja o que for: conforme o número de mensagens aumenta, a quantidade de informação que contêm diminui. Dito de outra forma, o paradoxo é o de termos mais meios para comunicar ideias cada vez menos significativas. O paradoxo da superficialidade informacional.
Quando dizemos que uma ideia nos informa não significa estarmos na posse de mais dados, ou de saber mais coisas sobre seja o que for. Significa que essa ideia transforma a nossa personalidade, o nosso comportamento e faz de nós pessoas diferentes. Muitas das ideias que surgem com a intenção de mudar o mundo para algo melhor, ou chamar o mundo à atenção para a necessidade de mudar, vejo que são superficiais e mais orientadas para o entretenimento à procura de seguidores, como se ter mais seguidores no mundo digital significasse haver mais pessoas informadas — leia-se transformadas — pelas ideias que dão a entender seguir. As ideias não transformam se as seguirmos, mas se as concretizarmos. E as ideias que transformam não são, por vezes, as mais divulgáveis.
Se mudarmos os nossos hábitos, mudamos os nossos comportamentos. Por isso, toda a ideia que muda os hábitos pode transformar/informar a vida das pessoas, dando-lhes profundidade. Mas criar um hábito demora tempo e essa não é uma ideia divulgável no mundo da gratificação instantânea. Em 1960, o Dr. Maxwell Maltz escreveu um livro intitulado “Psico-cibernética” onde reflecte sobre o tempo que demorava um paciente que perdera um membro do corpo a habituar-se à nova condição. Diz que — «estes, e muitos outros fenómenos comuns observados tendem a demonstrar que são precisos um mínimo de cerca de 21 dias para que uma imagem mental antiga possa dissolver-se e instalar-se uma nova.» Com 30 milhões de exemplares vendidos, esta ideia dos 21 dias para criar um hábito começou a tomar corpo para além da sua intenção inicial e o resultado foi: se um número suficiente de pessoas diz algo um número suficiente de vezes, então, todas as pessoas começam a acreditar nisso. Mesmo que não seja verdade.
A psicóloga e investigadora Phillippa Lally da University College of London publicou um estudo no European Journal of Social Psychology sobre o tempo que demora a criar um hábito, tendo concluído que vai de 18 a 254 dias. Estão a imaginar agora o erro de tantos gurus da auto-ajuda que basearam todo o seu trabalho nos 21 dias. A conclusão de Lally é que, em média, são necessários cerca de 66 dias. Não é uma ideia fácil de concretizar, mas expressa como o que transforma a nossa vida leva tempo e requer dedicação. No mundo digital, as ideias que geram mais reacções levam as pessoas a pensar que são as que geram mais transformações na vida das pessoas, mas isso não corresponde à realidade.
Marshall McLuhan é conhecido pela sua famosa frase — «o meio é a mensagem» — mas quando banalizamos as mensagens que trocamos, excessivamente, entre nós, superficializando até o conceito daquilo que é uma mensagem, essa perde gradualmente a potência transformativa que podia ter. A Mensagem que nos informa significativamente contém as percepções que construídos da realidade com base na nossa experiência, as atitudes que assumimos com as responsabilidades que acarretam, as sensibilidades que no quotidiano somos chamados a desenvolver, e quase tudo o que aprendemos, observamos e valorizamos. Será possível entrever os riscos que corremos quando as mensagens servem apenas para nos entreter (em vez de aprender), prender a atenção (em vez de nos estimular a observar), e gratificar instantaneamente (em vez de nos ajudar a pensar nos valores).
Por vezes vejo como as pessoas investem tanto do seu tempo em ideias que pretendem criar surtos de entusiasmo momentâneos, dando a sensação de que, com isso, estamos a chegar a mais pessoas, sem a fricção gerada pela ferida do relacionamento com o outro (o digital vive do anonimato). E quando o surto acaba, o melhor é pensar no próximo. Esta superficialidade que alimenta a vida das pessoas durante muito tempo do seu dia, serve apenas para desviar a atenção do carteirista que em vez se roubar, entretém-se no Twitter. Toda a ideia pela qual vale a pena trabalhar para transformar é o meio que se torna mensagem. E isso implica que o conteúdo crítico de qualquer experiência de aprendizagem quando nos pomos a pensar nas ideias difíceis, acaba por ser o método e o processo que leva a saber aprender. Não importa o que as pessoas dizem com inúmeras mensagens. Importa o que elas fazem a partir das mensagens que recebem.
E se te sentires tentado a pensar que as ideias que transformam são as respostas que o mundo precisa, repensa. As ideias que transformam são as que suscitam as questões que nos conduzem ao aprofundamento. Como diz Neil Postman no seu livro “Teaching as a subversive activity” — «quando tiveres aprendido como questionar – questões relevantes, apropriadas e substanciais – aprendeste a saber aprender e ninguém pode impedir-te de aprender o que quiseres e precisares de saber.»
Como ninguém fazia a mínima ideia da experiência que seria para um ser humano viajar no espaço até Yuri Gagarin, também ninguém tem a noção do que é saber aprender a ter a primeira ideia significativa até concretizá-la.
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