Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Um pequeno gesto com o dedo é o suficiente para nos ligar a um oceano de informação através da internet. Porém, tal como é necessário um mapa e uma bússola para nos orientarmos por esse oceano, assim os motores de busca, sendo o Google o mais conhecido, ajudam-nos nessa tarefa. A ideia que uma pessoa tinha antes da internet era a de que a sabedoria se atingia com o acesso a um universo “infinito” de informação. Vivemos quase num mundo assim. Mas experimentamos ser mais sábios?
Em 1941, o escritor argentino Jorge Luis Borges ofereceu-nos uma pequena história intitulada “A Biblioteca de Babel”. Essa possuía um número infinito de células hexagonais, qual forma perfeita de organização escolhida até pelas abelhas, que continham quatro paredes de livros organizados aleatoriamente, sem qualquer referência definida que guiasse as pessoas aos mais valiosos e úteis. Aliás, a maior parte dos livros era ilegível, cheios de palavras sem sentido e letras aleatórias, ou se eram legíveis, estavam codificados. Porém, como esta biblioteca era infinita, por definição, deveria conter todo e qualquer conhecimento. Mais ainda, por ser infinita, quaiquer conjuntos aleatórios de texto, símbolos, e disposições dos mesmos, deveriam presentear-nos a poesia, o mistério, ou a biografia de alguém. Mas há mais: cada livro existe nas diversas línguas conhecidas (e desconhecidas), algures metidos numa das células hexagonais desta biblioteca. Qual a moral da história? Infinitas quantidades de informação não nos aproximam da sabedoria. Pois, é preciso orientação no oceano da informação. E quem nos orienta melhor nesse oceano do que a Google?
Em 2010, numa entrevista ao Wall Street Journal, o (então) CEO da Google, Eric Schmidt, disse — «eu penso que a maioria das pessoas não quer que o Google responda às suas questões. (…) O que querem é que o Google lhes diga o que elas devem fazer a seguir … Nós sabemos grosso-modo quem és, grosso-modo o que te interessa, grosso-modo quem são os teus amigos.» — Ou seja, há anos que o Google deixou de ser a promissora “Biblioteca de Babel”, passando a ser o cobiçado “Mestre-dos-Livros” que nos orienta pelo oceano da informação. Se conferimos às mãos de algoritmos de inteligência artificial o caminho de sabedoria a fazer no oceano da informação, não admira que seja cada vez mais difícil ir em profundidade seja em que tema for. Pois, cada dia, o “oceano informântico” tem cada vez mais água, e muitas pessoas sentem-se, gradualmente, a afogar pela dificuldade que sentem em manter a cabeça à tona de tanta informação. O significado deste afogamento é que pode ser diferente do esperado.
Em vez de sabermos mais com mais informação, ou até ficarmos mais confusos com tanta disparidade na informação que cresce, o que sinto é a crescente insensibilidade das pessoas à informação, perdendo o interesse, vivendo insatisfeitas e cada vez mais isoladas. Há tanta coisa para saber que mais vale não perder muito tempo a saber coisa alguma. Quando for necessário, faz-se uma pesquisa e já está. A sabedoria não assenta na quantidade de informação que interiorizamos, ou a que temos acesso, mas talvez assente no modo como traduzimos a informação em vida através da comunicação.
Numa mensagem no Dial Mundial das Comunicações em junho de 2019, o Papa Francisco disse que — «Deus não é Solidão, mas Comunhão; é Amor e, consequentemente, comunicação, porque o amor sempre comunica; antes, comunica-se a si mesmo para encontrar o outro». Aliás, já na Laudato Si’ (47), o Papa refere os riscos de nos afogarmos no mundo digital e mass-media, pois
«quando se tornam omnipresentes, não favorecem o desenvolvimento duma capacidade de viver com sabedoria, pensar em profundidade, amar com generosidade. Neste contexto, os grandes sábios do passado correriam o risco de ver sufocada a sua sabedoria no meio do ruído dispersivo da informação. Isto exige de nós um esforço para que esses meios se traduzam num novo desenvolvimento cultural da humanidade, e não numa deterioração da sua riqueza mais profunda. A verdadeira sabedoria, fruto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso entre as pessoas, não se adquire com uma mera acumulação de dados, que, numa espécie de poluição mental, acabam por saturar e confundir. Ao mesmo tempo tendem a substituir as relações reais com os outros, com todos os desafios que implicam, por um tipo de comunicação mediada pela internet. Isto permite seleccionar ou eliminar a nosso arbítrio as relações e, deste modo, frequentemente gera-se um novo tipo de emoções artificiais, que têm a ver mais com dispositivos e monitores do que com as pessoas e a natureza. Os meios actuais permitem-nos comunicar e partilhar conhecimentos e afectos. Mas, às vezes, também nos impedem de tomar contacto directo com a angústia, a trepidação, a alegria do outro e com a complexidade da sua experiência pessoal. Por isso, não deveria surpreender-nos o facto de, a par da oferta sufocante destes produtos, ir crescendo uma profunda e melancólica insatisfação nas relações interpessoais ou um nocivo isolamento.»
Eric Schmidt achava que a Google sabia melhor do que nós o que é melhor para nós. Mas não há ninguém que saiba isso. Nem nós, nem os outros. Dizemos muitas vezes que Deus sabe o que é melhor para nós, mas não creio que seja por estar mais informado, antes, por ser mais sábio. Porém, penso que não há contemplação de mar que substitua a contemplação de uma única gota de água.
Quantas vezes não basta uma “gota de água” de compaixão para ajudar o outro a superar as suas dificuldades e, assim, contribuir para que a sua, e a nossa, sejam vidas mais plenas. Com muita informação podes tornar-te num sabichão, mas não é preciso muita informação para saber aprender a ser sábio. Basta a “gota de água” de uma simples e sincera palavra de amor comunicada genuinamente. Pois, quem “informa” por amor comunica-se e inspira o outro a comunicar-se, e da comunicação recíproca nasce a sabedoria que o mundo tanto precisa neste momento.
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