SABER APRENDER – A semear a unidade

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Uma coisa é dizer o que pensamos no âmbito do espírito sinodal, outra coisa é semear a divisão com maldizeres e afirmar que o fazemos com “espírito sinodal”. A divisão não faz parte do espírito sinodal ou da vida das comunidades e movimentos se quiserem preparar-se para os enormes desafios que a Nova Evangelização representa nos próximos tempos. O confronto é natural e desejável porque o contraste de ideias e experiências ajuda-nos a crescer. Aliás, o facto de um pólo magnético negativo atrair um pólo positivo, exemplifica como na natureza os opostos podem atrair-se. O desafio não está em partilhar ideias que podem ser opostas, mas em semear a unidade na beleza do contraste.

Imagem de Bellezza87 em Pixabay

No seu recente livro intitulado “A Tarde do Cristianismo” editado pelas Paulinas, Tomáš Halík (provocador como sempre) afirma a um dado momento que — «um bem-intencionado apelo para uma “nova evangelização” lançado à Igreja Católica no limiar do novo milénio não obteve a resposta esperada — provavelmente porque, entre outras razões, não era suficientemente “nova” nem radical.» Por outro lado, se nos primórdios do Cristianismo, Tertuliano chegou a afirmar dos Cristãos — ”Vede como eles se amam.» (Apolog. 39) — quando alguém diz alguma coisa sobre uma pessoa a outra, sem a confrontar directamente (algo que acontece a vários níveis na vida das nossas comunidades), lança sementes de divisão e mina a evangelização que, já de si, precisa de renovação.

A frase de Tertuliano tem a sua raiz no Evangelho de S. Mateus, cap. 18, vers. 20 — «Pois, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles.» — frase sobre a qual podemos, também, interpretar que quando dois ou três se amam, a presença de Deus manifesta-se com uma evidência incomparável e extravasa esse epicentro amoroso, unindo todos os que estão à sua volta, atraindo-os. Teilhard de Chardin SJ em ”Human Energy” afirmava que — «o amor é a mais universal, a mais tremenda e a mais misteriosa das forças cósmicas.» (p. 32, Harvest, 1969). E em ”Activation of Energy”, ele estabelece um princípio simples de convergência da consciência que diz — «A verdadeira união não funde: diferencia e personaliza.» (p. 222, Harcourt, 1978). E tudo por causa do amor que une sem fundir, diferencia sem dividir. Hoje, parece-se que a fusão de ideias e divisão de sensibilidade está nos “comentariozecos”.

Quando alguém me faz um comentário que me parece gerar alguma divisão a partir de opiniões contrastantes, franzo o sobrolho e “pergunto-me” — «qual a intenção?» — e aqui reside o problema daqueles que vivem esta situação: não deviam dizer para si mesmo (como eu fiz) — “perguntar-me”, mas, antes, — “perguntar-lhe”. isto é, das poucas vezes que senti um comentário que geraria divisão e perguntei à pessoa — «podias explicar um pouco melhor?» — geralmente seguia-se alguma atrapalhação e acabávamos por perceber juntos que talvez não fosse bem assim. Mas quando o outro explica com mais divisão ainda (e crítica), não me lembro de alguma ver ter tido a coragem de manifestar a minha opinião e dizer — «penso que esse comentário não gera diferenças de opinião que lançam sementes de unidade e ajudam a crescer, mas lança a divisão e isso não é muito do meu interesse.» Desenvolver a capacidade de distinguir uma opinião de um “comentariozeco” é sábio. Mas como?

O amor que une na linguagem matemática expressa-se como um atractor. Os atractores são sistemas dinâmicos em que a imposição de um pequeno desvio, mantém os pontos próximos do atractor. O resultado pode ser a emergência; de padrões e ordem a partir do caos. O caos é muitas vezes associado a confusão, mas talvez seja antes a realidade de haverem muitas possibilidades diante de nós e não sabermos bem qual a que se realizará. Ou seja, o caos é o sentimento que temos diante da incerteza. Um pequeno comentário que gere divisão (“comentariozeco”) porque não procura compreender os problemas e como os resolver, mas somente criticar, fecha os outros a novas compreensões. Abdica-se do amor como atractor e favorece-se a fragmentação, removendo o espaço criativo que a unidade germina no coração das pessoas que se amam.

O amor como atractor dá forma ao corpo daqueles que se amam, guiando-os em padrões de estruturas que nascem da vida e geram vida à sua volta. Os atractores geram campos relacionais por onde a evolução acontece. Halík é da opinião que a “nova evangelização” segue ainda modelos antigos que não funcionam nos tempos hodiernos. E um comentário crítico que gera divisão é como um vírus que se espalha no coração das pessoas que se sentem incapazes de lhe resistir e pode criar uma situação pandémica. Em muitas comunidades que não estão vacinadas para isso, acaba-se por sucumbir à doença do maldizer. E o mais grave será quando nos tornarmos indiferentes aos comentariozecos que nos dividem e deixamos que o vírus da divisão se propague.

É urgente estarmos atentos. Precisamos de saber aprender a lançar sementes de unidade a partir da riqueza daquilo que nos diferencia. Pode ser com um silêncio diante do “comentariozeco”, ou responder com uma pergunta para se ir em profundidade naquilo que o outro está a dizer e que nos pode parecer divisivo. A unidade não implica a mesmidade de pensamento ou intuição pessoal (“eu é que sei como deve ser”) sobre os caminhos que as nossas comunidades percorrem. As diferenças são fundamentais para estabelecermos diálogos. Por isso, os sectarismos são estranhos para o amor como atractor universal porque separam o que tende a unir quando caminhamos juntos. E se tivermos dúvidas de que a ideia que temos é, ou não divisiva, podemos sempre partilhar e não temer se o outro nos chamar a atenção. Até pode ser que não estejamos a ver bem as coisas, ou até pode ser o contrário, mas será o desapego da ideia que cria as condições para que se revele ser, ou não, uma semente de unidade. Na verdade, no campo relacional do amor-atractor, também os vírus da divisão sujeitam-se a serem transformados. E podemos perceber isso de uma forma simples: olhar para aqueles que olham para nós, e sentir reflectivo nesse olhar aquele “tertulianico” «Vede como eles se amam.»


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