SABER APRENDER – A reencontrar a proximidade

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Em 1976, Mele Koneya e Alton Barbour, dois investigadores na área da comunicação não-verbal chegaram à conclusão de que 7% da comunicação entre pessoas é verbal, cerca de 38% envolve o tom de voz, se grave ou agudo, se o volume é baixo ou alto, e uns incríveis 55% dizem respeito aos movimentos corporais, como os gestos e as expressões faciais. Por isso, quando as pessoas investem nas redes sociais para desenvolverem a relacionalidade com outras pessoas, restringem-se a 7% da comunicação. Não admira que se perca tanto tempo com tão pouco e os relacionamentos não estejam melhores por existirem redes sociais. Será que os encontros por streaming ou por Zoom melhoraram a comunicação entre nós?

Foto de Chris Montgomery em Unsplash

Com a impossibilidade de fazermos encontros presenciais, cresceu exponencialmente a oferta de encontros on-line. Para muitas pessoas que antes conseguiam dedicar algum tempo à solitude, hoje, é difícil. Muitos investem nos encontros via streaming e vêem nisso um modo de chegar a mais pessoas, podendo, inclusivé, abrir novos campos de evangelização. Será?

Ao usarmos o formato vídeo, acabamos por incluir alguma da comunicação não verbal nas mensagens trocadas. Mas no que diz respeito à versão streaming, o efeito é enganador. Pois, acontece apenas por uma via, a do emissor. O modo que as pessoas têm de expressar aquilo que estão a viver será através das mensagens que podem escrever no chat enquanto dura a emissão do programa. Logo, na prática, acabamos por estar restritos aos 7% de comunicação verbal. E quem emite o programa não faz a menor ideia do modo como as pessoas estão, realmente, a viver o momento pela falta da comunicação não-verbal. O mesmo acontece com as eucaristias on-line. Melhor do que nada, mas insuficiente para fazer uma experiência, sobretudo, penso, para o sacerdote.

Quem já fez uma palestra para muitas pessoas sabe que durante esse período, não é que se estabeleçam relacionamentos de proximidade, como em grupos mais pequenos. Porém, para a pessoa que se dirige à audiência, a reacção das pessoas a algo que diz, ou de umas poucas pessoas que o palestrante escolhe para avaliar a reacção às suas palavras, são muito importantes, e podem mesmo alterar o modo e o conteúdo daquilo que pensava dizer. Um sacerdote numa eucaristia fala para uma audiência, mas o seu discurso estará, inevitavelmente, desprovido do olhar das pessoas. O que lhe vale são as poucas presentes e serão essas que acabam por dar alguma autenticidade à eucaristia que vemos on-line, sem substituir a vivência corporal.

Na primeira segunda-feira depois dos primeiro sinais de desconfinamento fui à Eucaristia. Estavam mais pessoas presentes do que o número habitual para uma missa de semana. Não eram apenas as saudades de estarmos juntos, ou a possibilidade da comunhão da hóstia, ou até a de escutar, presencialmente, a meditação do sacerdote sobre o Evangelho. Era tudo. Tudo contava. Pois, na sua essência, a comunicação espiritual que fazemos com Deus na Eucaristia é não-verbal. Não fosse esse o sentido da liturgia para cada cristão, isto é, a presença de Deus está para além do ver, cheirar, ouvir, saborear e tocar, podendo-se experimentar uma união particular com Ele através da vivência comunitária. O desafio está nos encontros nas comunidades mais pequenas de vida e de oração.

Nas actuais circunstâncias, muitas jornadas são feitas on-line. Creio que, em muitas dessas, a pandemia revelou como resultam, abrindo essa possibilidade para futuras iniciativas. Depois, aqueles que desejam ir mais a fundo nos relacionamentos com as pessoas que dinamizam essas jornadas, terão no futuro a possibilidade de o fazer presencialmente. Mas, para muitos, essa proximidade e necessidade de presença, já não existia. Podia ser pela timidez das pessoas, ou por se querer dar espaço a tantas outras que gostariam de falar com o interveniente depois de terminar o seu tema. O que muitas vezes assistia, ou experimentava, era que estar ou não presente, ou poder ouvir remotamente, seria a mesma coisa. Por isso, daqui em diante, será fundamental encontrar o justo equilíbrio entre a presença física e a remota para estes encontro comunitários. Mas podemos diminuir mais o números das pessoas ao pensar em grupos mais pequenos e íntimos.

Nos encontros em grupos mais pequenos, o desafio será grande porque levará algum tempo até que as pessoas se sintam seguras de estarem umas com a outras e — salvo seja — poderem contagiar-se (mesmo de doenças) sem que isso represente um perigo para a sua vida e a daqueles que lhes estão próximos. Antes da pandemia, já nos contagiávamos com vírus e não era por isso que receávamos estar juntos. Porém, pela facilidade com nos encontramos por Zoom nos grupos pequenos, a tendência pode ser a de manter o ritmo de encontros (desculpem) frenéticos por tudo e mais alguma coisa. E se essa tendência se mantiver, rebentaremos. Por que razão não fazemos menos?

Ninguém se encontra para mostrar aos outros trabalho feito, ou se essa é a motivação dos pequenos grupos se encontrarem, convinha reflectir se a espiritualidade subjacente à razão de se encontrarem está a ser, ou não, vivida com autenticidade. Vejo imensas pessoas que conheço a terem Zooms quase todas as noites, e bem pela noite dentro. Depois sinto-as cansadas e pergunto-me: porquê?

Antes, os tempos de espera entre encontros existiam por haver apenas uma data em que todos podíamos estar presentes. Essa espera dava à vida tempo para ser vivida, de modo a poder, depois, ser partilhada. Agora, com Zoom após Zoom, parece-me que as pessoas perderam esse espaço e tempo de viver, e vivem para reunir e fazer.

Fazer menos implica, necessariamente, fazer melhor. Encontrarmo-nos menos implica, necessariamente, privilegiar os momentos em que nos encontramos. A frequência frenética retira o lugar da vivência serena e gozo pleno das experiências que juntos fazemos. Queremos todos voltar a um normal relacional, mas como haveremos de lidar com as mazelas do anormal virtual que gerou uma nova cultura no último ano?

Era diria: com muita paciência. Mas, talvez tenha chegado o momento de percebermos que a aceleração da vida digital pode levar-nos a perder o sabor das experiências raras e profundas. Não tenhamos medo de fazer menos para saber aprender a reencontrar a proximidade autêntica e que nos constrói por dentro.


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