Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Quando penso nas iniciativas que os movimentos, as paróquias e as dioceses desenvolviam antes da Laudato Si’, sinceramente, não me ocorrem muitas, nem com a visibilidade que têm hoje. Por isso, é inegável o impacte que esta Encíclica teve e tem na vida da Igreja. E apesar de se fazer mais, sinto ainda a necessidade de que podemos fazer melhor. O relacionamento com a natureza não devia ser apenas uma questão de trocar as lâmpadas para LEDs, ou instalar painéis fotovoltaicos nas Igrejas e Instituições religiosas, mas deveria testemunhar algo mais profundo. Alguns aspectos da liturgia soam ainda a algum antropocentrismo, e muitas das palavras pronunciadas pelos crentes não são (ainda) expressão de vida em comunhão com um mundo natural. Creio que dentro do diálogo aberto a todos no âmbito da Igreja Sinodal e das estruturas, devia-se começar a pensar em criar uma Pastoral da Ecologia Integral.
Nos mais diversos âmbitos da cultura, a palavra de ordem em relação às alterações climáticas é da necessidade de passar das palavras à acção. É interessante esta expressão porque não desliga as palavras da acção, mas procura imprimir uma dinâmica que seja testemunho potencial para uma Evangelização Nova através do exemplo. No caso da questão ecológica, essa potencialidade aumenta por não ser uma questão de clivagem social ou religiosa, mas, pelo contrário, unitiva. Todos nos sentimos no mesmo barco e estamos dispostos a ir para além das nossas diferenças para nos unirmos na mudança de estilos de vida e mitigar os efeitos do antropoceno no futuro das novas gerações. Mas a sensação ao nível da vida eclesial é a de uma certa dispersão de esforços formativos e experienciais.
Cada um tem uma ideia, mas corre o risco de ficar isolado quando não sabe como a pode partilhar. Outros querem fazer mais e melhor, mas não sabem bem como ou qual o primeiro passo a dar. Uns receiam que este voltar para a natureza seja uma incursão de ideologias espiritualistas que os desviam da vida do evangelho que desejam aprofundar e, por exemplo, associam o vegetarianismo a espiritualidades orientais, quando uma coisa pode nada ter a ver com a outra. A ecologia integral faz cada mais parte da missão da Igreja no mundo contemporâneo, pelo que, penso estarem reunidas as condições para criar uma nova pastoral, mas confesso perceber pouco disso.
Uma pastoral, segundo pesquisei, são todo o conjunto de iniciativas num determinado âmbito (família, universidade, cultura, etc.) orientadas para a missão da Igreja de anunciar a Boa Nova de Jesus a todos. É essa a leitura que faço do aviso do papa Francisco na Evangelii Gaudium de que um caminho de conversão pastoral e missionária deve ir para além da «simples administração» e a estarmos em «estado permanente de missão» (n. 25). E a renovação da Igreja segundo o Concílio Vaticano II (CVII) não é mais do que uma «maior fidelidade à própria vocação» (CVII, Decreto sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio, 6). As estruturas servem a vida. Logo, se não houver vida, de nada servem as estruturas. A renovação que o papa Francisco sonha para a conversão pastoral é a de «fazer com que todas elas [estruturas] se tornem mais missionárias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de “saída” (…)» (n. 27). Uma Igreja em saída que vai ter com os últimos em vez de pensar na sua auto-preservação. Uma Igreja que não receia ferir-se e despojar-se daquilo que possui se isso significar dar a vida pela dignidade humana. Com a Laudato Si’, podemos entender melhor como a dignidade humana se entrelaça com a dignidade própria de toda a biosfera.
Com a Plataforma de Acção Laudato Si’, todos os grupos da Igreja e famílias (como igrejas domésticas) são chamadas a sair da sua zona de conforto e a renovar a sua vida exterior com planos que promovem estilos de vida mais sustentáveis, aumentando a sensibilidade de cada pessoa aos gritos da Terra e dos pobres. Mas a renovação não devia ser somente exterior, mas, sobretudo, interior. E a interioridade requer uma maior formação a vários níveis do conhecimento como o científico, o psicológico, o social e o teológico. Assim como os ecossistemas são complexos, uma ecologia integral é, também, complexa (que não significa ser complicada).
Uma Pastoral da Ecologia Integral poderia ajudar na missão da Igreja de se tornar um farol para o mundo contemporâneo da unidade com a criação inspirada na vida do Evangelho onde a dimensão horizontal que partilhamos com todas as criaturas não se sobrepõe à dimensão vertical de percepção da realidade. Pois, uma árvore não percepciona as coisas profundas com o mesmo grau de consciência que nós, ainda que possuam um sentido de vida em comunidade como Suzanne Simard magistralmente conta no seu livro “Finding the Mother Tree”.
No espírito da Igreja Sinodal, creio que pensar nesta dimensão pastoral da vida da Igreja seria um “algo mais” em vez de um “algo a mais” como alguns poderiam pensar. Não pretenderia ser “mais uma” coisa a administrar, mas antes um serviço a ministrar cujo efeito seria sempre o de uma maior unidade entre as pessoas das comunidades e um fortalecimento do relacionamento com o meio ambiente onde se inserem. Este relacionamento implica um conhecimento maior daquilo que se está a passar com o clima planetário. Se o cenário do aquecimento global se tornar (como se pensa) irreversível, as futuras gerações terão de enfrentar desafios que não se resolvem com pacotes financeiros, mas criatividade, engenho e uma vida plena e profunda.
Aos fluxos de energia e informação que mudam a face do planeta, uma Pastoral da Ecologia Integral pode adicionar fluxos de consciência que nos ajudam a estar mais sensíveis e a adaptar melhor às novas condições de vida. Alguns estilos de vida poderão tornar-se insustentáveis a não ser que sacrifiquemos uma parte da nossa humanidade, abdicando de sermos humanos ao ligarmos pouca importância ao que acontecerá com os que têm menos recursos e às novas gerações. A vida de Evangelho é um convite ao desapego no amor e no âmbito de uma ecologia integral um vislumbre sobre a sublime vocação humana à comunhão que Deus nos chama com a Sua criação.
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